Luciany Aparecida é escritora, autora de “Contos ordinários de melancolia” (paralelo13S, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia despertando às 5:30 e penso que esta é minha rotina matinal involuntária. No dia que quero acordar em meio ao sonho que me trará um novo caminho de escrita acordo às 5h – horário das revelações. Nunca tentei não acordar por entre os 60 minutos destinados às cinco horas da manhã. Minha família conta que essa é uma mania que nunca puderam compreender ou alterar. Tão pouco eu logrei vencer essa demanda de minha manhã. Assim posso declarar que minha rotina matinal é despertar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor no período da manhã. Quando estou completamente entregue a escrita de um livro acordo às 3:30 e escrevo até às 10h. Quando estou começando a escrever escrevo das 5:30 até às 10h. Sempre escrevo imediatamente após o despertar. Sofro da alegria e do desespero da dispersão. Portanto, qualquer contato com o mundo, o dia, meu próprio corpo (alimentação, banho) me levam a mais e mais mundos. Dificultando minha concentração na invenção da vez. Sou dada a paixões e assim que sei escrever: completamente entregue – fissurada a um amor.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu produzo em períodos concentrados. No entanto escrevo sempre. Sem metas diárias, mas a vontade de qualquer pensamento e ou ideia. Vivo pensando, vendo, produzindo, elaborando, inventando, rindo e amando palavras. Desse modo a presença delas em minha vida é como o ar. Em tempos de produção de um livro, um texto (literário ou acadêmico) convivo com determinadas palavras as criando em determinado campo semântico que me trarão o texto, a pesquisa, o romance. Nesse ponto é indispensável responder que ADORO dicionários. Escrevo sempre tendo eles ao alcance da mão.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre elaboro alguma performance de escrita associada a vasta pesquisa sobre o assunto e/ou período, tema, questão que me deterei ali a escrever. Crio ambientes em casa. Na escrita da tese, por exemplo, esvaziei um dos quartos da casa, fiz uma cópia do livro Modelos vivos do escritor Ricardo Aleixo, espalhei folha a folha no chão do quarto e fui criando circuitos por entre as páginas que se conectavam, retirava as páginas de lugar, aproximando umas, colando outras, algumas foram para as paredes. Desse exercício defini os capítulos da tese. Pendurei sacolas plásticas nas paredes, referente a cada capítulo coloquei as páginas do livro que iriam para cada capítulo e fui acrescentando nas sacolas as referências teóricas que iria levar para escrever com aquele texto literário. Outro exemplo, foi a performance que fiz para a escrita do meu primeiro romance (texto inédito) que escrevi em período de residência artísticas no Instituto Sacatar. Lá escrevi um romance que narra a experiência de uma mulher que acorda sozinha em alto mar, dentro de uma pequena embarcação. Para sentir como seria viver em diminuta dimensão e pensar a sensação de estar cercada criei em um dos estúdios do Instituto, com telhas, as dimensões de uma pequenina canoa, que cerquei com folhas secas. Então exercitava ficar dentro do cercado e sabendo que ao meu redor existia uma outra textura cobrindo a superfície. Dessas sensações fui elaborando as palavras da personagem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tentando manter-me conectada com campos de criatividade: ler, ir ao cinema, ir ao teatro, ouvir um álbum de uma artista que ainda não tenha ouvido. Tateando. Não sei como lidar. Não sei como evitar. Penso que nada é uma coisa só então o empasse e os medos não devem ser tão pragmaticamente afastados. O que, quem sabe, talvez, possamos fazer com nossa ansiedade é convidá-la para um passeio. Mesmo que após esse movimento ela siga ao nosso pé.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Apenas para ficar num exemplo o livro Ezequiel que publiquei com a assinatura Margô Paraíso, conclui a primeira escrita de 1999 a 2011 e publiquei em 2019. Sim, eu mostro meu trabalho muitas vezes e em diferentes fazes (ao longo dos anos) para algumas pessoas. E sempre considero e pondero opiniões.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ao longo dos anos venho utilizando de tudo. Escrevo muito em cadernos, folhas soltas. Digito. Datilografo. Atualmente tenho escrito mais diretamente no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm do mundo, das pessoas, dos rios. As ruas sempre me trazem muitas vidas que levo para casa e as deixo descansar num papel, numa história. Ler, ir ao teatro, cinema, ouvir música são sem dúvidas os movimentos que mais repito e que pondero como práticas criativas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Observo que elaboro de modo mais ordenado as pesquisas. Levo menos a sério o momento de considerar finalizado um livro. Venho entendendo que o livro segue um caminho após a publicação e que muito do que penso como falta não cabe mais a mim, como escritora, elaborar ou reelaborar, mas é apenas a falta de uma leitora um leitor e os complexos significados que cada uma/um aplicarão e ou republicarão aquela obra. Se eu pudesse voltar a escrita dos meus primeiros textos eu diria a mim: “é isso aí garota!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de ler um livro que contasse sobre a história de “amor-piegas” entre duas mulheres (africana/crioula/branca), no período do Brasil Colônia, entre finais do século XVIII e começo do século XIX. Ainda não li esse livro. Comecei uma pesquisa para escrever algo assim, no entanto, segue bem pausado esse trabalho. Então, agora, eu digo que queria começar um projeto de pesquisa que pudesse catalogar histórias de mulheres africanas, crioulas e brancas que viveram no Brasil Colônia. Tenho sonhado que um livro com essa pesquisa será publicado no Brasil – realidade que adiantaria muito o meu caminhar para um texto ficcional dessa natureza.