Luciana Sendyk escreve artigos sobre alimentação saudável e agroecologia, livros autorais e assinados por terceiros.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo naturalmente muito antes do sol nascer e sempre começo (e termino) o meu dia lendo. Achava que era um ritual particular, mas li no Manual da Faxineira (Lucía Berlin) que a personagem e, suponho, que a autora também faz isso. Depois faço um clipping de notícias para um grupo de pessoas, algo que começou espontaneamente a pedido do meu filho e acabou se tornando quase uma mídia alternativa para quase uma centena de jovens adultos. Leio os principais jornais do mundo, pela internet, e seleciono entre as notícias ‘desanimadoras’ apenas aquelas que considero inevitáveis (aquelas sobre assuntos que todo mundo estará comentando); o foco do clipping são matérias com viés otimista, em especial temas voltados à sustentabilidade, educação (que é a área de atuação do meu filho), permacultura, agrofloresta, saúde natural e outros que podem ser descritos como transformadores. É uma atividade, portanto, que une leitura, seleção e escrita – pois eu reescrevo as manchetes juntando trechos da matéria ou de outras fontes e construo uma narrativa ao longo do clipping, além de começar com uma citação ou frase célebre.
Ao ouvir o primeiro pássaro do dia, me apronto para ir à academia ou fazer uma corrida. Treino seriamente, com foco e disciplina, esse será praticamente o único momento do dia em que consigo ‘desligar a cabeça’ um pouco – na verdade faço uma espécie de meditação coordenando atividade física com a respiração e ‘pensando em nada’. Fico umas duas horas em exercício, depois leio notícias, e-mails, passo muito rapidamente pelas redes sociais. Preparo o almoço, tiro uma soneca, e só aí é que vou sentar para escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor depois do almoço, até o final da tarde. Tenho vários rituais de preparação, mas nenhum deles funciona. Tento de tudo para realizar meu sonho de sentar e trabalhar produtivamente nos dias inspirados ou não. Na prática, deixo um gancho de um dia de trabalho para o outro: um trecho que irei reler e, a partir dali, continuar. Seja como for, é assim que eu recomeço.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo ao menos um trecho todos os dias. Minha meta é produzir um capítulo ou conto perfeito a cada tarde, mas se tiver ao menos um trecho altamente aproveitável já considero que não perdi o dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Faço uma pesquisa e junto os dados e notas, mas fico um tempo variável em banho-maria. Até que um belo dia, correndo ou tomando banho, vem a bendita inspiração. Ou, alternativamente, o prazo urge e eu sento para escrever até que o milagre acontece. Mas as anotações acabam se revelando incompletas ou então eu mudo o foco, e volto à pesquisa durante o processo de escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Pois é, essa é a pergunta de um milhão de dólares, a pergunta que não quer calar. Lido me martirizando, duvidando de mim, me odiando. Mas no fim dá tudo certo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes, até conseguir ler sem mudar uma vírgula ou até cansar de ler, o que acontecer primeiro. Mostro para o meu editor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Em geral no computador, mas às vezes à mão. Não tenho nenhum preconceito com a tecnologia, inclusive o kobo é meu melhor amigo. Uso o que estiver mais fácil naquele momento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que as ideias e a criatividade vêm de um bem-estar geral, de uma paz de espírito. Eu leio muito, sempre. Procuro manter um olhar atento para o mundo. Mas não há controle possível sobre isso, o que é preciso é não deixar momentos menos fáceis nublarem a mente. Meus hábitos são de saúde em geral, mais do que voltados à inspiração: alimentação pura (eu como apenas vegetais, quase 100% orgânicos e na imensa maioria das vezes conheço a pessoa que plantou meu alimento), atividade física (que oxigena o cérebro e melhora a circulação, além de gerar hormônios de satisfação), sono bom. Procuro me condicionar para manter um astral alto e uma paciência a maior possível ante os desafios mundanos, obviamente nem sempre consigo, mas a tentativa já é, em si, um esforço benéfico.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Sinceramente acho que evoluí muito, finalmente encontrei meu estilo próprio de contar histórias. Eu apenas diria: ‘continue vivendo’.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu estou começando o projeto da minha vida agora, e o próximo será o que sempre planejei fazer. Ainda não comecei, mas não tenho ansiedade. Eu gostaria de ler o livro que estou escrevendo agora!