Luciana Peralva é escritora, designer e ilustradora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom, eu tenho um filho de cinco anos. O dia começa agitado e nossa rotina matinal é completamente focada nas atividades dele. A chance de escrever algo antes das nove – horário da escola – é quase nula. Por outro lado, as horas que estou com meu filho são extremamente férteis. São tiradas e trejeitos hilários. Uma fonte inesgotável de inspiração.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A melhor hora do dia para escrever é, na minha opinião, a tardinha. O lusco-fusco. Sinto que funciono melhor nesse momento de transição do dia para a noite. Talvez porque, nesse período de pouca luz, as ideias deixem a inibição de lado e se mostrem por inteiro. À noite também é legal para escrever, mas nem sempre o sono permite. Meu ritual de preparação para a escrita é constante e diário: leitura e pesquisa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tem muita regra. Escrevo quando vem a ideia e a vontade misturadas com uma necessidade incontrolável de colocar para fora, de confessar, de fazer nascer uma história. Aí pode ser todos os dias, em períodos concentrados ou as duas coisas. E, como não há regra, não tenho como ter meta. Seria fórmula certa para a frustração. Confesso que, nos hiatos, entre um texto e outro, sofro bastante, questiono minha vocação e até minha capacidade de escrever, mas a angústia passa instantaneamente com o início de uma nova história.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar qualquer coisa é sempre difícil. Normalmente, durante a pesquisa já vislumbro o início de um texto, um trecho, um título. A partir daí, desenvolvo. Pode ser que, durante o processo de elaboração, eu jogue fora essas pistas do texto sopradas no meu ouvido na pesquisa. Mas o importante é que são essenciais e funcionam muito bem como pontapé inicial. Quando elas não vêm na pesquisa, eu as busco lendo literatura.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Trabalhar em projetos longos é um desafio. Estou escrevendo um texto desde 2016 e isso me deixa inquieta. Quando comecei, as ideias fluíam com facilidade e cheguei a uma encruzilhada. Travei. Não por medo de não corresponder às expectativas (se for me preocupar com isso no momento da escrita, aí eu travo de vez), mas porque me perdi ou perdi o fio da meada. A procrastinação se tornou necessária. Tempo de maturação. Cheguei a desenvolver um pouco mais em 2018, mas parei novamente. Sempre que penso em retomar, leio o que já escrevi, gosto e… nada. Este ano estou lendo coisas bem diferentes com o intuito de achar esse caminho. Tomara que dê certo!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas e muitas vezes e mostro sempre para pessoas de grupos distintos, literatas ou não. Acho até que mostrar para outras pessoas tem um peso maior do que simplesmente revisar. Às vezes uma ideia que está cristalina para o escritor nem passa pela cabeça do leitor. Quem escreve se envolve, vive o texto, não enxerga muitos erros. Pode acontecer, inclusive, de o escritor apagar coisas enquanto revisa e deixar o texto desconexo. Isso porque ele apaga, mas o registro fica na cabeça. Ele acha que está lá, que está óbvio. Um leitor, sem acesso a essa memória, muitas vezes se vê perdido, encontra incoerências, não percebe onde o escritor quer chegar ou de onde ele tirou suas ideias. Acredito que, antes da publicação, quanto mais opiniões sobre meus textos, melhor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é boa. Não sou entusiasta nem avessa. Acho útil. Escrevo tanto à mão quanto direto no computador. Apesar de deixar o texto mais limpo, facilitar no deslocamento de trechos e visualização de possíveis versões, o computador pode apagar todo o processo de construção do texto com o simples pressionar de uma tecla. É um risco. Salvem os backups! Quem nunca perdeu o trabalho de uma vida no computador? E, mesmo assim, a gente usa. Eu uso bastante. Meu computador, meus caderninhos e… meu celular. Sim, eu escrevo no celular também.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm de onde e quando menos esperamos. Para isso, também não tenho regras. As ideias podem surgir de uma palestra à qual eu esteja assistindo, um filme, um livro, uma conversa entre amigos ou com meu filho, uma sessão de análise, uma coincidência…
Isso me lembra do processo de criação de “Natureza de coelho”, texto com o qual venci oConcurso FNLIJ Era uma vez… Uma proposta de leitura compartilhada em 2016, na categoria relato ficcional. Nesse concurso, os textos concorrentes têm que se relacionar com a mensagem e a ilustração do ano para o Dia Internacional do Livro Infantil. Escrevi durante minhas férias. Relaxada e com tempo pra fazer nada junto do meu filho e do pai dele, degustei “Ludi e os fantasmas da Biblioteca Nacional” da Luciana Sandroni, a autora da mensagem para o Dia Internacional do Livro Infantil de 2016. Adoro os livros dela. Até então, não tinha lido a mensagem, mas tinha contemplado a ilustração do Ziraldo, paixão desde a minha infância. Mostrava o pai oferecendo o livro ao filho. Presente do criador à criatura. Eu estava ciente do concurso e tinha a ilustra na cabeça.
Depois que me diverti lendo a aventura da Ludi na BN, entrei num transe gostoso e comecei a escrever. Das ideias, brotaram coelhos. O da Alice e o da Clarice. “O mistério do coelho pensante” foi meu norte. Coloquei um ponto final no meu relato ficcional ainda nas férias. Estava contente, mas não satisfeita. Faltava algo pra amarrar.
Quando voltei pra casa, fui correndo ler o regulamento do concurso da FNLIJ. Faltava pouco tempo para terminar o prazo das inscrições. A princípio, pensei: já era! Eu tinha que ter lido a mensagem da Luciana Sandroni antes de escrever o texto! Agora não dá mais. Já era. Não vou participar, pensei. E então li a mensagem. Era uma vez… Era uma vez as pontas soltas do meu relato! Tudo se encaixou! Foi emocionante.
É isso então… as ideias vêm de onde e quando menos esperamos. E, para me manter criativa, preciso ter e trocar experiências, viver e conviver.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu processo de escrita mudou junto comigo ao longo dos anos. Eu mudei demais, graças à psicanálise e a um árduo trabalho de autoconhecimento. Hoje, sem dúvida, estou mais segura, assertiva, mais madura. Minha escrita também. Comecei a escrever profissionalmente em 2009, focando na ilustração para crianças. Escrevia pouco, rimava muito, cheia de medo e vontade. Hoje continuo focando nas crianças, porém meu olhar é outro. A escrita tomou conta, passou à frente da ilustração. Se pudesse voltar no tempo, eu me diria apenas para relaxar e me cobrar menos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de participar de um livro apenas como autora do texto, com ilustrações assinadas por um artista que admiro. E são tantos! Seria uma experiência bem diferente para uma escritora formada em Design que ingressou na Literatura Infantil através da ilustração. O livro que eu gostaria de ler que ainda não existe seria uma coletânea sobre o processo de criação de livros ilustrados de autores como Roger Mello, Ciça Fittipaldi, André Neves, Eva Furnari, Nelson Cruz, Marilda Castanha, Odilon Moraes, Elizabeth Teixeira, entre muitos outros. Já pensou? Que sonho!