Luciana Gross Cunha é mestre e doutora em Ciência Política, professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim, eu tenho e gosto de rotina matinal. Além de professora, sou e sempre fui viciada em esportes, por isso começo o meu dia por volta das 7 horas da manhã fazendo ginástica, que varia entre natação – meu esporte favorito -, musculação e alongamento. Depois da ginástica e ler jornal, em papel, por volta das 9:30hs já estou na frente do computador, lendo e respondendo e-mails e tratando das burocracias do dia-a-dia. Se tenho que dar aula naquele dia, depois dessas tarefas, repaço as anotações e a preparação da aula que já foi feita com alguma antecedência.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sim, prefiro começar a escrita no período da tarde, depois do almoço e de um bom café forte. Preciso ter uma mesa limpa e grande, com o material que irei usar na escrita, como minhas anotações, os livros ou os arquivos digitais (tenho usado nos últimos meses o Digital Paper da Sony, que é uma ótima ferramenta para leitura e anotação de textos em pdf) e uma garrafa grande de água. Não tenho problemas em me manter concentrada. Assim, o barulho ou mesmo pessoas passando por onde estou trabalhando, não me incomodam. Se estou em casa, trabalho em uma mesa grande de refeições na sala. Se estou na minha sala na escola, preciso que ela esteja organizada com esse material. Só depois consigo me concentrar para a escrita. Gosto de trabalhar ouvindo música, principalmente instrumental, que me ajuda na concentração e, últimamente também virei adepta de óleos essenciais (como o de alecrim), que despertam e ajudam a manter o foco – não sei se faz efeito ou não, mas a sensação é muito boa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já tentei escrever todos os dias e estabelecer metas diárias, mas não deu certo. Trabalho melhor com prazos, normalmente impostos pelos outros (agências de fomentos, prazos acadêmicos para entrega de trabalhos ou revistas de publicação e editoras). Tendo prazos pré-definidos, trabalho melhor em períodos concentrados. Por isso, a parte da tarde para mim é sempre melhor, pois sei que terei um período mais longo de trabalho, que começa por volta das 14hs e não tem horário para terminar. Se não tenho nenhum outro compromisso no período da tarde, que quando estou diante de prazos para entrega de trabalhos, faço o máximo de esforço para evitar, consigo seguir trabalhando até as 22hs, com um pequeno intervalo para um lanche ou o jantar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre é difícil começar a escrever, por mais que eu já tenha lido o suficiente e, de alguma forma, organizado minhas anotações. Por isso, eu sempre faço o uso de um roteiro ou sumário provisório, com as ideias que pretendo abordar e o caminho que devo percorrer com o texto. Esse roteiro ou sumário vai sendo expandido e modificado ao longo do trabalho de escrita e me ajuda até o final, sendo revisado sempre que eu tiver a sensação de que já tenho uma ideia, argumento, desenvolvimento e conclusão consolidados.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas, a procrastinação, o medo e a ansiedade fazem parte do meu processo de escrita e do meu trabalho como um todo. Por isso, ao longo do tempo aprendi a lidar com eles e não eliminá-los. Para cada um desses fenômenos, posso dizer que tenho estratégias diferentes, que às vezes são claras e fáceis de pôr em prática, às vezes produzem estragos e um tempo maior para surtir efeito. De qualquer forma, independentemente da estratégia a ser adotada, todas elas são mais bem sucedidas depois de uma boa noite de sono – sou uma pessoa que preciso dormir bem, em torno de 8 horas por dia, caso contrário “não funciono”. Para o medo e a ansiedade tenho usado a meditação transcedental, da qual sou adepta a mais de 2 anos. Eles não desapareceram, mas estão sob controle. Para as travas da escrita, o que me ajuda é buscar algum texto sobre o tema, que ainda ficou alguma dúvida ou questão, que pode ser mais aprofundada, e usar algumas horas ou mesmo um período do dia para a leitura, retomando no dia seguinte. Para a procrastinação, nada melhor do que prazos fatais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Por conta dos prazos cada vez mais apertados e das múltiplas atividades que temos que nos envolver na vida profissional, tenho revisado cada vez menos os meus textos antes da entrega. Também como uma forma de lidar com o medo e a ansiedade, deixo para os revisores “blind review” a leitura atenta, as sugestões e modificações. Nesse sentido, também tem feito cada vez mais sentido produzir trabalhos em co-autoria, onde a leitura e compartilhamento de ideias e do próprio trabalho é mais natural e tranquilo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Preciso sempre ter anotações feitas à mão, em cadernos. Aliás, cadernos de pesquisa, de anotações ou de resumo, são meus eternos companheiros desde a iniciação científica e tenho todos eles organizados em uma prateleira exclusiva. Não sei e não gosto de usar tablets para leitura ou anotação. Como disse em outra pergunta, tenho usado a algum tempo o Digital Paper, que é um bloco de notas e também um bom intrumento de leitura de textos em pdf e que permitem anotações à mão no próprio texto – sempre anotei à lápis todos os textos lidos, grifando e fazendo comentários nas margens, que me ajudam na escrita. Porém, o Digital Paper não substitui os meus cadernos, que podem ser com ou sem pauta. Vou para o computador no momento que já estou pronta para registrar o sumário provisório ou o roteiro do texto que vou escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Literatura é a minha maior fonte de inspiração e é onde eu alimento a minha mente e a minha criatividade. A música, as artes plásticas, o cinema também são importantes, mas nenhuma delas se compara à minha leitura diária, de textos de ficção, diariamente, antes de dormir. Colunas em jornais e revistas, como a Piauí e as resenhas da 451 também são essenciais para a minha criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou é a minha organização e o método pré-escrita, que passaram a ser essenciais para a minha produção.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou retomando temas que já estiveram presentes na minha agenda inicial de pesquisa como o pluralismo jurídico e o acesso à justiça. Eu gostaria de ter mais tempo livre para me dedicar à leitura de ficção, que é a fonte e o estimulo para o pensar, escrever, ensinar e aprender.