Luciana Gerbovic é advogada, escritora, professora, mediadora de clubes de leitura, sócia da Escrevedeira, e mãe do Francisco e do Bernardo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como sou mãe de dois meninos de 10 e 8 anos, meu dia sempre começa com eles e a rotina é a de prepará-los para a escola. Depois de deixá-los na escola geralmente para em algum lugar para o primeiro café do dia e as primeiras observações das pessoas na rua, que é algo que me ajuda muito na escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã, mas nem sempre consigo usar a manhã para escrever, então acabo escrevendo à tarde. À noite é o pior horário pra mim, acho que a cabeça já está muito cheia. Isso me leva à segunda pergunta, pois idealmente gosto de escrever em silêncio, interno e externo, com a cabeça fresca e o corpo disposto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, mas não tenho uma meta. Ou tenho uma meta muito modesta: escrever todos os dias, nem que seja um pouco.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo muito “mentalmente”. Minha mente fica completamente obcecada. E nesse processo vou fazendo anotações nos cadernos que carrego comigo. Quando finalmente sento, com calma, para escrever (aí já no computador) o texto sai rápido. Fica parecendo que escrevo rápido, mas só eu sei há quanto tempo estou com carregando o texto. Obviamente, o texto não sai pronto e ao escrever no computador mudo muita coisa, mas o grosso já está lá. Sobre a pesquisa, esta aparece muito enquanto estou escrevendo. Nunca comecei a escrever nada a partir de uma pesquisa longa. Até agora é durante a escrita que aparecem assuntos ou fatos que quero pesquisar, aí vou fazendo tudo ao mesmo tempo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com terapia… (risos) Ri, mas é verdade. Tenho aprendido a me cobrar menos, a me livrar de um superego muito exigente. Acho que para lidar com as travas é só escrevendo mesmo. Ir colocando palavras no papel e fazer com que uma vá puxando outra. Gosto muito de sair pra rua e descrever cenas. Isso me ajuda muito a destravar, nem que não faça nada com esses textos, mas ao menos destravei. Ler também me ajuda muito.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acho que nem sei o que é um texto pronto. A revisão acaba ou por algum prazo externo ou por não aguentar mais olhar para o texto. E tenho alguns amigos que recebem meus textos, sim, e me devolvem com outras ideias e observações. Isso é tão lindo!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação é péssima. Adoro papel (coleciono cadernos) e lapiseira (também coleciono). Gosto de começar a escrever assim, com lapiseira (0,7 ou 0,9) e caderno. Depois passo (e acabo reescrevendo muito) para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Principalmente do que vejo e sinto. O maior hábito acho que é mesmo a observação. Observar as pessoas, como se movem, como falam, como se vestem, como andam nas ruas – adoro observar o que se passa nas ruas, e me observar. Registrar o que vai se passando pela minha cabeça. Meu sonho de criança era conseguir escrever todos os meus pensamentos, da maneira como surgem. Percebi que não daria para fazer o que eu gostaria sem enlouquecer, então tento anotar o máximo que consigo. Enfim, prestar atenção em mim e nos outros. Toda vida humana pode virar um livro. Toda. E eu amo pessoas e suas histórias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ah…acho que a vontade de “acertar”. Tenho escrito com menos medo e menos tensão, o que nem sei se é bom, mas estou nesse momento. E acho que é isso que eu diria: ignore o medo, Luciana.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um livro a partir da vida do meu avô paterno – para esse projeto eu não tenho nem mesmo uma linha escrita. E gostaria de ler livros escritos pelos meus alunos. São adolescentes, na maioria, com pouco acesso à literatura e com muita riqueza interna. Quando eles colocarem toda essa potência em textos… uau!, eu quero muito ler. Quero a voz da maior parte da nossa população, uma voz calada pela elite e que tem muito, mas muito, a dizer!