Lucas Perito é poeta, autor de 38 Movimentos.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tenho um trabalho diverso, no sentido de que não me dedico inteiramente ao ato de escrever. Sendo assim, não tenho uma rotina matinal voltada para a escrita. Tenho uma rotina no trabalho, que se resume a ler no caminho, chegar ao escritório e tomar uma xícara grande de café (sempre com leite) e comer um pão de queijo ou pão na chapa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho “ritual” para escrever. Normalmente parto de palavras soltas ou anotadas em algum caderno. Quando sinto que preciso terminar algum poema que há muito está vagando por aí, acho que a única coisa que se insere como ritual, seria o fato de colocar alguma música para acompanhar e me dar um pouco de foco e ânimo para que eu vague, pelo menos num sentido “criador”.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não escrevo, de fato, todos os dias. Mas acabo escrevendo essas anotações que comentei anteriormente. Em relação a ter uma meta, como faço poesia, a ideia de meta está bem distante de ser um objetivo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu normalmente crio a partir de palavras. Isso quer dizer: algumas vezes estou lendo algo, andando, ouvindo música, parado no metrô e me vem uma palavra ou frase que me faz ficar interessado. Normalmente eu anoto isso em algum lugar. Isso vai acontecendo sucessivamente, sem nunca uma frase ou palavra estar associada com a anterior. Até porque isso ocorre em períodos que muitas vezes diferem em meses (para não dizer anos, como em alguns casos). A partir daí, muitas vezes ao anotar algo, acabo olhando outras notas e vou fazendo um trabalho de criação em cima desses fragmentos esparsos. O trabalho leva alguns meses, normalmente, pois sou uma pessoa que escreve e se dá por satisfeito poucas vezes. Se eu escrever seis ou sete poemas por anos, foi um ano pra lá de produtivo.
A partir daí, após eu sentir que o poema está “pronto”, em uma primeira etapa da escrita, passo para o computador a fim de ver o resultado “limpo” e começo a retrabalhar o poema.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Até que não sou de procrastinar. Mas, como falei antes, escrevo pouco e “limo” tanto os poemas, que o trabalho de reler o que escrevo se transforma, impreterivelmente, em um trabalho de reescrever. Em relação às expectativas e travas, isso acontece diariamente. Essas são algumas das questões que fazem com que eu escreva pouco. Passo longos períodos sem escrever nada. Mas já assimilei isso como algo comum no processo de escrita. Sei que de alguma forma esse período de silêncio é um período em que as ideias estão maturando em algum espaço que durante esse período é inalcançável para mim.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sou de mostrar para outras pessoas. Só em casos em que estou conversando com alguém sobre algo em que talvez valha a pena comentar sobre o trabalho que estou fazendo. Mas isso é algo raro de acontecer. Em relação à revisão, reviso e reescrevo meus textos ad infinitum. Não só reescrevo várias vezes enquanto está em uma fase de processo, como também já alterei poemas depois de publicados em revistas e, inclusive, na hora de eles irem para o livro. Até mesmo quando o livro já está na revisão final. Esse é um processo muito difícil para mim. Nisso acredito que me “aproximo” da ideia do Valéry de uma obra que sempre deve ser reescrita, repensada e reimaginada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto de escrever no papel e sempre com lápis. Posso dizer que 70% do que escrevo é no papel. Em relação à tecnologia, sou mais contra a caneta do que o computador e o celular. Nos últimos tempos passei a me acostumar a ler uma coisa ou outra no formato digital, o que facilitou para essa transição de escrever, quando não tenho outro meio, no celular e no computador. Nos dois casos tenho blocos de notas, sem regra nenhuma, onde anoto frases e palavras soltas e que não se ligam (na teoria) a nada específico.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de uma série de lugares. Pode ser de uma conversa, de um filme, de uma letra ou do que leio. Acredito que, mais do que escrever, ler é a maior fonte para cultivar ideias. Ganha-se mais lendo do que treinando garatujas pelo simples fato de se “exercitar a escrita”.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se hoje me dou por satisfeito por escrever poucos poemas por ano, é porque no passado esse processo era muito mais lento. Acho que através dos anos aprendi a ser menos crítico comigo mesmo ou, melhor dizendo, consigo desviar com mais facilidade das ideias mal-feitas. O que faz com que o processo de escrita e de se dar por “satisfeito” com um poema seja menos tortuoso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho a ideia (e um monte de anotações perdidas por aí) de talvez escrever um grande romance que poderia ser definido como um poema em prosa longuíssimo. Falo isso pois quero que muita coisa entre nele. Acho que o fato de sempre querer acrescer algo a ele faz com que esse projeto não decole. É como aquele personagem (se não me engano) do Trópico de Câncer do Henry Miller que nunca escreve o seu livro porque sempre quer acrescentar algo e transformar ele em algo único e diverso do que já foi escrito. Talvez esse livro nunca saia do papel. Para falar a verdade, como projeto, sempre tive a vontade de ser um outro. Talvez quando eu “morrer” como outro, descubram que esse funcionário escrevia e que a única coisa boa que escreveu foi um livro a ser escrito. Se eu existisse… ainda, acho que me daria por feliz.