Lucas Lins é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina é lutar pra ter uma. Minhas manhās sāo de barriga vazia pela cama que me abraça e a obrigaçāo que me escala a cada 5 dias por semana e cobra com o canto do alarme. eu pago o preço por preferir carinho, corro todos os dias atrás do ônibus 4313, deve passar até 7:40. Quando nāo alcanço, dou sinal pro guaianases e torço pro trem correr por mim.
Ao sábado fico mais tempo deitado e faço companhia a vídeos no youtube, assisto algumas entrevistas como a do Marechal na Caixa Cultural que vi semana passada ou o canal quadro em branco.
Aos Domingos de manhā vou pra Igreja Presbiteriana Independente momento que mergulho na vida do menino pobre, refugiado, que a áfrica o abraçou quando foi ameaçado de morte. e tantos outros profetas antes dele que morreram por ter sede de justiça. Minha escrita está nisso no imprevisto entre bater o ponto as 9 e cuidar do meu corpo, em ser uma pessoa melhor em pé no transporte coletivo. Luto pra criar disciplina. Busco maturidade para lidar com as mudanças no mundo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A mesma necessidade que tenho de escrever alguém tem de fofocar, é o incômodo, a língua que coça como meu pai diz. Nāo tem horário certo pra vir, apelido o momento pré-escrita como: captura. É como se fosse um print screen mesmo, acontece quando uma imagem do dia a dia chama minha atençāo, isso costuma acontecer na rua quando observo a fé, as expressões, o trânsito, ou em pausas no trabalho. Por exemplo, agora escrevo estas respostas enquanto aguardo a liberaçăo do meu acesso ao computador.
Meu ritual é ler o mundo, os olhares (minha namorada tem ciúmes disso) observar placas ou fachada das lojas (sempre tem um texto interessante). Quando sou capturado coloco a māo no bolso, abro o google docs e coço a língua. (risos)
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
nāo tenho meta nem escrevo por comissāo, muito menos busco o poema do mês. Em relaçāo à prática da escrita eu participo de um slam chamado Menor Slam do Mundo que resumidamente é um campeonato de poesias de até 10seg, treino escrevendo esses poemas curto. É um jeito de trabalhar a linguagem poética de uma forma sucinta, esse exercício me ajuda a pensar na construçāo do texto maiores.
“no hospital tiradentes falta médico cubano ou brasileiro
Na cidade tiradentes
O tratamento é universal”.
(Poema curto escrito por Lucas Lins).
Mas nada acontece de forma forçada, me preocupo mais com o que me alimento, minha poesia é consequência do que consumo. Minha força está em nāo me deixar levar pelo cansaço, ao estresse paulista e notícias de ódio. Quando estou em equilíbrio emocional os versos pedem pra ser escritos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tem poemas que mato em uma tacada só, por exemplo, o poema Oco do meu livro Declínio & Esplendor da Bicicleta. Representa uma sensaçāo muita viva, o vazio em meio a família, entāo passar aquilo em versos foi como um vômito. O Criolo escreveu nāo existe amor em sp em cinco minutos, por trás de um poema existe uma vida e a expressāo é uma ousadia. Meu processo é entender meu lugar no tempo, e ser o mais profundo, sinto dificuldade em começar, mas se o primeiro verso me agradar, a ideia flui.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Respeito as travas de escrita a procrastinaçāo mas me desespero, porque se nāo estou escrevendo a minha vida vai muito mal; mais descartável pra mim é nāo reparar que existe um morador em situaçāo de rua na estaçāo belém que às oito da manhā está lendo Fortaleza Digital do que simplesmente passar o dia sem escrever, de que vale minha escrita se nāo dialoga com meu tempo?
E se eu nāo estou reparando na
vida desta pessoa, é como se eu estivesse estagnado do lado esquerdo da escada
rolante impedindo a passagem da criatividade que resulta em meus poemas.
Sou mais pé no chāo, acredito que nunca vou atingir as expectativas,
principalmente as minhas, escrevo primeiramente pra mim, no imaginário os
projetos sāo perfeitos, mas a realidade nāo é assim. A poesia tem que me agradar,
meus versos nāo usam salto 15 pra no meio da festa colocar chinelo, se eu for
honesto comigo mesmo, sincero no que transmito a mensagem vai chegar, nem que
seja pra minha māe. (risos)
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo mostrar para pessoas sim mano, recitar em sarau, reparar nas reações do público a cada verso. O processo criativo do meu livro, por exemplo, durou exatamente doze meses, escrevo, recorto, leio o poema em voz alta, chamo o Victor Rodrigues, o Danilo Lago que sāo pessoas da poesia que caminham comigo, entendem meu processo e sāo sinceros em suas opiniões. Volto corrijo, reescrevo, descarto. Isso me traz evoluçāo. Gosto de ser instigado, questionado o porquê de cada linha, nāo para explicar os versos mas pra apontar um horizonte. E assim nasceu meu livro, a ideia inicial era compor vinte poemas, a versāo final teve dez. Entāo imagina quantas vezes tornei esse ciclo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
escrevo no docs mano, inclusive essas respostas estāo sendo escritas nele, sou bastante visual, quando escrevo quero imaginar como o poema ficaria com letras digitais em um arquivo do word pronto pra ser impresso. Acho prático; as ideias vêm de repente e se eu to na lotaçāo 3787/10 virando a sāo teodoro, nāo dá pra anotar num caderninho. Por outro lado perco rascunhos, às vezes reescrevo em cima de um arquivo antigo e acabo perdendo o processo, mas estou buscando me organizar pra passar os poemas pro papel, ao chegar em casa depois de ser capturado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
ver pessoas produzindo, como o zine lindo Menino Malino do Evolutio, Carcaça de Regina Azevedo. Preciso estar em contato com a arte, seja visitando centro culturais, assistindo filmes, músicas, livros. Ou simplesmente dando um rolê no meu bairro, ouvir diálogos de feirante, os tiozim no bar, as fé das crentes. Acredito que essa cultura das ruas é tāo importante quanto a produzida artisticamente. Peço licença novamente pra citar o criolo, mas ele complementaria a ideia dizendo que “Di Cavalcanti, Oiticica e Frida Kahlo. Têm o mesmo valor que a benzedeira do bairro”. Meus hábitos sāo esses aí jamais perder o olho no olho que aprendi fazendo teatro lá no pombas urbanas, dessa forma me sinto mais humano portanto poeta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje sou mais paciente antes era doente que implora a ser atendido. Tenho mais cautela com as palavras, as deixo descansar, alimento melhor as ideias, compartilho. Falo mais de mim do que antes, comecei escrevendo sobre coisas que via, grafitts, pôr do sol, árvore, essas coisas… hoje em dia me escuto mais.
Pro Lucas Lins do passado diria: eu quero aquela fé de volta e a rotina da escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
mano eu quero fazer tanta coisa, penso em fazer uma oficina de escrita, escrever um livro infantil, gostaria de reciclar o lixo, ser minimalista apesar de adorar camisas de futebol. vegetariano mas estou abaixo do peso precisaria de uma disciplina que ainda nāo tenho. O livro que gostaria de ler seria um livro meu daqui 20 anos. Faço isso com Drummond leio as paradas dele quando jovem, depois vejo o que produziu na vida adulta. Seria interessante ver algo meu assim.