Lucas Lins é escritor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Atualmente a minha rotina se divide entre o trabalho home-office e a faculdade, eu demoro pra despertar, de fato eu sou noturno (é a noite que estou escrevendo isso aqui), tenho pouco tempo livre durante a semana, mas a poesia é algo que caminha comigo, não é meu chefe nem meu filho, eu não preciso estar escrevendo sempre. Preciso entender o tempo da escrita, manter o equilíbrio desse transe causado pelas letras com o baque da vida real.
Eu separo até a comida do prato que dirá trabalhos literários, prefiro trabalhar um projeto por vez, trabalhar no que está mais latente, mais urgente, o que pulsa mais forte e assim dou vida a um novo trabalho, sem pressa, sem ordem, poesia como eu já disse é companhia, é companheira.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu descubro um projeto de livro no meio do processo de escrita, observo as temáticas mais recorrentes nos meus mais recentes poemas, quando percebo uma singularidade trabalho nisso, foi assim que nasceu meu livro Declínio & Esplendor da Bicicleta.
Meus poemas não seguem uma ordem cronológica, pode ser que a última frase tenha sido a que eu escrevi primeiro, eu embaralho meu texto. Totonho, da banda Totonho e os Cabra, diz que é preciso fazer cirurgia plástica com as palavras, é isso que tento, escrevo, reescrevo, corto, costuro. Minha poesia é um crochê.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu sou do silêncio, o som do silêncio é o melhor pra mim, as notificações do meu celular ficam desativadas, não atendo ligações sem aviso prévio, talvez venha do silêncio o meu carinho pela noite, eu penso mais do que falo, “meu silêncio é caridade” como diria Black Alien.
Eu preciso estar na minha, quietinho, sem que ninguém saiba o que eu estou fazendo, daí eu escrevo sobre o que mais tenho pensado. A minha rotina é conviver com meus textos, mas tem algo específico que lembrei agora, gosto de criar uma espécie de mapa mental, com as situações que ainda faltam para completar o livro, isso me ajuda a organizar as ideias.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Durante essa pandemia eu consegui durante 70 dias escrever diariamente, foi o projeto de exercícios diários chamado Poesia Pra Matar o Corona. Compartilhei meus textos nas redes sociais, isso me deu a disciplina de escrever diariamente, acompanhar a leitura das pessoas me trouxe a inspiração necessária pra tocar o projeto.
Essa técnica funcionou mas não posso escrever em função das redes sociais, agora mesmo estou num momento de procrastinação e tudo bem, estou buscando internamente quais caminhos a poesia quer seguir.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Mc Donalds na Quebrada, é o queridinho de muita gente, acho que é meu favorito também, gosto da forma que eu abordei o tema de forma sutil e contundente ao mesmo tempo.
Abacaxi, eu lembro que demorou um bocado pra ficar pronto, papo de meses mesmo, ele nasceu numa oficina Victor Rodrigues. Também me orgulho bastante desse poema.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Eu gosto de trabalhar pensando num conceito, muitas vezes a poesia é entendida como um texto avulso, mas gosto de escrever poemas que narram histórias e essas histórias se desdobram em outros poemas. O que mais quero é que a pessoa que leia viaje comigo durante o livro.
Minha poesia está muito ligada com a cidade, com o urbano, é quase uma crônica. Essa é a temática que me escolheu nesse momento, conforme as dicas de Marcelino Freire, o que faço de melhor é explorar a geografia.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu sou bem aberto quanto aos meus textos, compartilhei por mais de três meses meu diário Poesia Pra matar o corona, não tenho restrições, se organizo bem as ideias e gosto do resultado eu já envio pra alguém, o rapper Kivitz, o Danilo Lago, Victor Rodrigues e Adriana Brandão. São quem mais conhecem meus rascunhos.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu li a entrevista com a Regina Azevedo e me identifiquei bastante com a resposta dela sobre isso, eu também não sabia que existiam escritores vivos e se o que eu fazia era poesia. Mas eu sempre gostei de escrever, eu gosto de rimas, de palavras, sou fissurado em narrativas, eu ia pra igreja só pra ouvir as histórias bíblicas.
Eu gostaria que houvesse mais professores como os que tive que se importavam em levar a literatura contemporânea pra dentro da escola, destaco Edson Machado e Simone Rego, as experiências que eles traziam me fez preparado para começar.
Gostariam que todos tivessem um parceiro igual Victor Rodrigues, poeta, oficineiro incrível, foi a primeira pessoa que eu ouvi falar sobre livros independentes e inspirou minhas publicações. Marcelino Freire também grande professor, que me recebeu como bolsista de sua oficina de escrita, me colocou na produção de um evento dele no sesc e me convidou pra participar da FLIM em São José dos Campos.
Essas experiências me fazem um escritor muito grato e abençoado por estar ao lado de pessoas tão iluminadas.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Acredito que cada escritor, cada escritora tem seu estilo, quando se quebra as formas quadradas de como se escreve um texto literário é que o estilo próprio aparece.
A minha escrita atualmente é inspirada nos poetas e compositores que desbravam a cidade nos textos, nas suas músicas. Destaco: Machado de Assis, Lima Barreto, Solano Trindade, Geraldo Filme, Adoniran Barbosa, Auta de Souza, Carolina Maria de Jesus. Dos contemporâneos, Midria, Conceição Evaristo, Miró da Muribeca, Marcelino Freire…
Vixi a lista é grande.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Estou recomendando as minhas leituras recentes:
Os meninos iam pretos porque iam – Lucas Litrento.
Tentativa de esgotamento de um local parisiense – Georges Perec.
Sem Vista Para o Mar – Carol Rodrigues.