Lucas Krüger é escritor, editor e psicanalista, autor de “Homenagem à nuvem” (2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tomo meu café, sempre, lendo notícias de futebol. Preferencialmente sobre o Inter. Durante a semana, após o café da manhã, geralmente me dirijo ao consultório e me dedico a prática psicanalítica. Exceto nas segundas-feiras, quando costumo ficar no escritório de casa. Não há regras neste turno de segunda-feira: pode tanto ser um tempo ocioso, quanto de leitura, de escrita ou de edição. Acho que o mesmo pode ser dito sobre os finais de semana.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depende. Acredito que a interferência externa determina. Tenho preferência por estar sozinho e em silêncio. Por conta disto, sempre que possível gosto de escrever tarde da noite. Há uma boa sensação em estar desperto tentando captar algo da vida enquanto os outros dormem. Mas gosto muito da manhã também, após o café, tentando dar formas às primeiras ideias que surgem após sonhar. Não tenho nenhum ritual, exceto convocar a solidão. Se me ocorre algo que me leve para a escrita, minha tendência é me retirar, me isolar, para dar a devida forma sozinho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Acredito que há ciclos e também que depende do material. Para a escrita em psicanálise, geralmente demoro para escrever. Penso absolutamente tudo e todos os detalhes do escrito durante dias, talvez meses. Apenas quando acho que tenho algo minimamente original a dizer, me ponho a escrever. E, geralmente, escrevo tudo de maneira concentrada. Muitas vezes com um material mais extenso do que deveria ficar.
Depois, vou cortando os excessos e lapidando.
Em poesia, geralmente espero que nasça algo. Pode acontecer de nascerem muitas no mesmo dia, algumas por dias seguidos, mas também de ficar meses com a sensação de que nunca mais vai conseguir escrever nenhuma.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever o ‘’primeiro tiro’’ é fácil. Não costumo me criticar muito na primeira escrita. Deixo que saia da maneira mais espontânea possível. Difícil é lapidar. Gosto de escrever e ‘’esquecer’’ o escrito. Deixar para outro momento, me surpreender com o que vou ler depois.
Creio que quando me sinto menos inspirado e até angustiado por não me ocorrer nada digno de ser escrito, que me volto para os escritos já feitos. Aí posso olhar para eles criticamente, como se fossem de outra pessoa e ‘’arrumá-los’’. Quando estou mais crítico com os escritos dificilmente sai algo novo, por outro lado, é nesse período que os ‘’primeiros tiros’’ de escrita se consolidam e/ou lhes dou outra forma.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Como sou editor, eu estou lidando sempre com vários livros ao mesmo tempo (sejam de psicanálise ou os de poesia, meus ou dos outros) e portanto lidando com prazos. Não me vejo como um procrastinador. A nível pessoal, o meu maior risco é começar outro projeto sem ter levado adiante um anterior. Talvez, a procrastinação seja essa. Mas muitas vezes atraso um projeto meu porque estou dando conta do livro dos outros…
Estava, e estou, determinado a publicar uma sequência de ensaios sobre as teorias de Christopher Bollas. Mas me envolvi em traduzir textos de Sándor Ferenczi…e então com eventos de divulgação do livro fruto dessa tradução, eventos de divulgação do livro infantil ‘’A careca do galo’’, da Série Escrita Psicanalítica, e todos os outros envolvimentos com o consultório, com edição, demandas de publicações em revista, vida familiar, etc. E lá se vai quase um ano sem encostar nos ensaios acerca das obras Christopher Bollas, de outro livro infantil…
Não posso dizer o mesmo sobre a poesia. Estou com um novo livro bem encaminhado há mais de ano. Há nome e pelo menos 80% dele estruturado. Se me dedicasse bastante nele não faltaria muito. Mas quero guardá-lo por mais tempo. Poder trabalhar ele em termos de divulgação no momento oportuno.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso ao máximo de acordo com o que o coração aguenta. Quando já se revisou bastante começa a ficar sofrido. Por isso gosto de dar uma distância entre a primeira escrita e uma primeira revisão crítica. Ela tende a ser mais proveitosa. A revisão em seguida costuma ter muitos ‘’pontos cegos’’. Não conseguimos enxergar o material com a devida distância e ou se revisa mal, ou se distorce o que havia de bom no original sem poder recuperar depois.
Sempre mostro, pelo menos para duas pessoas. A escolha depende do material em questão. A leitura crítica de um colega é o que ajuda a enxergarmos algo que não estamos conseguindo ver sozinhos. Nosso inconsciente sempre nos trai, nos oculta a visão completa de nossas produções.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não tenho preferência de meios para escrever poesia. O que estiver mais perto de meu alcance é o que será usado. Gosto da ideia de transcrever para o PC o que estava no papel, me ajuda a pensar o ritmo. Minha primeira escrita autoral é de canções e o formato sempre foi papel e violão. O papel me parece muito maleável e ajuda a pensar o ritmo.
Então, em um primeiro momento, fazia sempre primeiro a mão. Já, para escrever ensaios, o computador se torna mais maleável. Algo que está no meio e deveria estar no começo ou no fim é mais facilmente transportado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A chave me parece cultivar o brincar que há na criança que eu fui e que vive dentro de mim. Cultivo a curiosidade, a imaginação. Ler, sempre ler. Fazer coisas pouco valorizados dentro do viés capitalista da sociedade. Apenas se permitir a não ser necessariamente produtivo. Não ter um compromisso em ser produtivo me faz ser produtivo. E, deixar-se afetar. Murilo Mendes disse que o que fez ser poeta não foi a leitura, os estudos, ainda que os tivesse, foi ter avistado o cometa Halley. As sensações e os pensamentos que teve naquele momento. Acho que foi o mais sincero (ou o mais lúcido) de todos ao apontar este momento como uma influência maior em relação a suas leituras.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sei. Sinto que não tenho um método dominado. Parece que me aborreço toda vez que pareço encontrar algo que poderia ser chamado de método. É como se um método tivesse prazo de validade. Como se eu encontrasse uma maneira de criar e a esgotasse ao máximo e aí entrasse em um período de terrível seca até encontrar uma nova maneira. O momento em que um método se consolida talvez seja o momento em que paro de acreditar nele, começo a me sentir repetitivo, e paro. A desacomodação é o que me faz criar.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não sei. Acho que geralmente faço o que me ocorre. Até uma editora eu fundei! Minha paixão não me deixa não fazer. Eu gostaria de me experimentar em outras artes, o teatro, artes plásticas. Às vezes me imagino voltado para a música…do ponto de vista da escrita, vou fazendo conforme minhas pernas caminham. Queria ser um escritor melhor, assim, genericamente… só isso.