Lucas Grosso é escritor, autor de “Nada” (Patuá, 2019).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu sou professor na rede pública, e nesse 2019 trabalho de tarde, de forma que costumo usar as manhãs para escrever, pesquisar aulas, ler jornais… Do horário de despertar até o horário de sair é um período com alguma abertura à possibilidades.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu costumo escrever os meus poemas que gosto mais de manhã, e as prosas, à noite. Mas não é propriamente uma regra. Talvez a poesia seja algo que exige isso, você acabar de acordar, estar concentrado em ver o mundo e recriar ele com palavras. Mas não diria que tenho ritual de escrita; um ritual de cotidiano, talvez.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Fui aluno da Angélica Freitas num breve, mas poderoso, curso de escrita criativa em 2017, e lá a mensagem que ela passou é: escreva todo o dia. Mesmo que só uma frase. É o que eu tento fazer. Há dias que sai uma frase, mas uma frase forte, uma raiz para um texto maior, e em outros redijo toda uma lauda e… ela fica execrável… Mas não tenho metas, tenho projetos, e neles me concentro sem pressa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Aprendi uns processos com a Angélica; o que ela nos disse, principalmente, é: variar as técnicas. Às vezes o processo de escrita surge de uma frase. De algum conjunto de palavras que, num mesmo período soam estranhas ou de uma listagem de palavras parecidas, de uma “resposta/diálogo” a algum autor ou poema… Várias técnicas. Então eu escrevo, eventualmente publico no blog, ou deixo o texto guardado para algum momento posterior. E procuro sempre estar aberto à reescrever um texto, mudar ou apagar ele; as pesquisas sempre mudam a forma como vejo o que escrevo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sendo a escrita minha fonte de renda, lido com os blocos mais ou menos bem. Já fiquei um ou dois meses sem escrever quase nada de que gostasse, mas não vi grande questão nisso, talvez, por desprendimento ao ato de escrever. Não quero publicar para fazer volume na minha bibliografia, então, não tenho muita pressa em escrever muito, não fico cobrando tanto estar em produção constante. Me preocupa mais escrever algo bom, mesmo que isso seja curto e demore a surgir.
Acho que já tive essa preocupação quando tinha interesse de enviar poemas para concursos e revistas, mas me desiludi com muitos que são só uma forma de alguém arranjar 30 autores pagantes para lançar um livro. Então, prazos e atrasos não me preocupam.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Leio meus textos várias e várias vezes, e em alguns eu não me sinto absolutamente capaz de mudar qualquer coisa (porque o texto está bom, ou porque ele está horrível). A Angélica ensinou: não leia o que você escreve imediatamente. Dê tempo a si mesmo. É o que eu procuro fazer.
Já minha primeira leitora é minha esposa, Patricia Anunciada, do canal Letras Pretas. Ela é uma pesquisadora e autora negra-brasileira, então lê o que escrevo com muito tato e crítica, é meu contraponto cultural.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minhas prosas quase sempre surgem direto no computador. Ou porque sempre tive uma caligrafia complicada, ou porque penso em coisas demais numa prosa, prosas surgem das teclas; da caneta os dedos doem e não acompanham o cérebro. As poesias surgem das mais variadas técnicas. Às vezes escritas à mão num caderno, numa quarta capa de livro, escritas com lápis de olho, às vezes no computador, às vezes numa cronologia de rede social, bloco de notas do celular… Também, já gravei alguns poemas com o celular porque pensei neles na rua e, só depois escrevi. Angélica me ensinou: varie as técnicas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei de onde vêm.
Atualmente (julho/2019) tenho me concentrado em escrever poesias, e vejo minhas poesias como investigação do real. Mas acredito que isso funcione com a prosa, também. No meu caso, saio para andar pela rua, vou ao trabalho, ouço algum papo-furado de aluno… Surge um gatilho! Tentar responder, reescrever ou pastichear um autor também rende frutos interessantes. Talvez, o principal ponto seja ser flexível com as ideias, mesmo a uma que pareça meio estúpida.
Suponho que alguns escritores mais incipientes se preocupem demais com ideias e menos com a forma como trabalhar com elas. Penso aqui no Donizete Galvão, autor cuja poesia li, ainda, muito pouco – mas uma que li foi marcante. Ele fala que a linguiça é a carne e a dor do animal que morre e que quando comemos linguiça comemos carne e dor. Algo extremamente simples, mas extremamente preciso.
Talvez as ideias não venham, elas já estejam aqui. Para perceber isso, acho que o único modo é a primeira exigência escritora: ler, ler e ler. E depois de ler, tentar falar sobre algo 99 vezes diferentes, igual o Raymond Queneau.
Mas falar é fácil. Mas não sei se já consegui fazer isso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que percebi que mais mudou no meu processo foi a crítica. Hoje sou mais crítico, mais criterioso com o que coloco no papel. Antes minha escrita era uma repetição de fórmulas do passado, tanto em enredo quanto em linguagem. Hoje sei que estou a buscar uma linguagem própria. Daí surge a dificuldade.
Já da parte do “Se”, o único “Se” que gosto é o da música “If” do Bread. Se pudesse voltar ao passado não voltaria. Do ponto de vista Físico ia criar um paradoxo temporal. Do ponto de vista retórico, prefiro pensar no que ainda preciso aprender.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Vou lançar dia 27 meu livro de poesias Nada, pela Patuá. E além dele, tenho já dois livros de poemas em plano, o Hinário Ateu em preparação e o Vasos de pimenta e infância em redação. Esses dois sem prazo de conclusão. Á médio e longo prazo, talvez eu encerre a carreira de poeta, e comece a de romancista (o gênero que estudei no mestrado). Já no futuro, penso em escrever uma Comédia Humana do século XXI.
Dos livros… Queria ler mais livros que não fossem sobre escritores brancos tendo problemas sexo-existenciais em meio a uma linguagem irônica-sarcástica.