Luanda Julião é doutoranda em filosofia e escritora, autora de A Ária das Águas.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
As minhas manhãs são bem corridas. Eu dou aulas numa escola pública, então todos os dias eu acordo bem cedo, entre 5h e 5h30 da manhã. Tomo um banho e faço o meu desjejum bem rápido. Antes de eu sair para o trabalho, eu costumo dar uma olhada nas notícias pelo celular ou no noticiário na tevê. E no carro, enquanto dirijo até a escola, também escuto as notícias no rádio. Dou aula na parte da manhã e tenho normalmente eu tenho as tardes livres. É nesse período e à noite que eu tenho tempo para ler e escrever. Tento escrever um pouco todos os dias, mas não é sempre que isso ocorre. Tem dias que eu escrevo, tem dias que não. Mas ler eu leio todos os dias. Leitura para preparar aula, para terminar de escrever a minha tese de doutorado e livros que eu leio simplesmente por prazer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre gostei de escrever durante a madrugada por causa do frescor e do silêncio, mas devido a minha rotina profissional -eu sou professora – isso hoje é praticamente inviável. Hoje me considero uma pessoa diurna. Faço tudo durante o dia e durmo cedo.
Quando estou escrevendo gosto do silêncio, do local organizado. Deixo o celular no modo avião para não me distrair com as notificações.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tento escrever um pouco todos os dias, nem sempre isso é possível. Atualmente estou envolvida com a redação da minha tese e um livro de contos, o que me obriga a escrever todos os dias.
Não tenho meta e também não gosto de me impor uma, até porque têm dias que a escrita flui maravilhosamente e outros dias ela trava.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu até faço um planejamento ou um esboço prévio dos personagens e do enredo, do tipo de história que eu vou escrever e se ela será narrada em primeira ou terceira pessoa, mas esse planejamento quase nunca funciona, ou melhor, não sai como eu planejei de antemão, Conforme vou desenvolvendo o meu texto os personagens vão pouco a pouco ganhando contornos e não de uma vez só. Eles são construídos na duração da criação, conforme a elaboração do texto vai ganhando forma e progredindo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tento não me pressionar quando eu travo. Travar é algo normal quando você é artista. Até porque eu penso que escrever é uma dinâmica totalmente avessa à lógica industrial e à produção em série. Quando eu travo, eu me distancio do texto, fico uns dias sem pegar nele, até pra eu conseguir enxergá-lo de outra forma e fazer com que a escrita volte a fluir com naturalidade e no seu tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso duas ou três vezes. Tenho dificuldades com as revisões, porque normalmente quero mudar os nomes dos personagens, cortar diálogos, inserir diálogos, trocar a posição dos capítulos. É uma loucura. Com o passar dos anos percebi que um texto pode ser infindável, por isso é preciso abandoná-lo, desapegar-se dele depois de pronto. Se antes no processo de revisão eu fica meses alterando e reescrevendo coisas, hoje tento me concentrar na parte gramatical e estilística.
Sempre fui muito tímida, por isso demorei muito para mostrar os meus textos para amigos e familiares. Hoje mostro algumas passagens para aqueles amigos mais curiosos em saber o que eu estou escrevendo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu faço muitas notas e esboços num caderno ou num bloco de anotações que eu carrego pra cima e pra baixo na minha bolsa para anotar coisas que me vem à mente quando eu não estou escrevendo. Depois escrevo no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De gente real, das histórias que eu escuto dos meus alunos, dos meus amigos, dos noticiários, da internet, de tudo aquilo que me prende a atenção e fica buzinando na minha mente. E da filosofia também. Um conceito desenvolvido por um filósofo pode ser desenvolvido em imagens literárias.
Tudo o que envolve a arte me atrai e sem dúvidas isso me ajuda a me manter criativa. Leio de tudo, ouço de tudo, assisto todos os tipos de filmes. Acho que viajar também me ajuda na criatividade. Moro em São Paulo e não gosto de ficar muito tempo sem ir para o interior ou para o litoral. O contato com a natureza também me ajuda bastante. Me ajuda a me desconectar do óbvio.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando eu comecei a escrever, ainda muito jovem, eu era desorganizada, não sabia ainda o meu estilo, as ideias desenvolvidas por mim eram muito confusas, desconexas e além de tudo, eu era muito ansiosa. O texto, a obra final não é nos dada de uma vez só, ela vai amadurecendo pouco a pouco, exige esforço e perseverança. Se eu pudesse refazer os meus textos da juventude eu mudaria tudo, absolutamente tudo nele.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever outro roteiro de longa-metragem, cujo tema ainda não está bem definido, mas que abordasse as mazelas e defasagem das escolas públicas no Brasil. Esse projeto tem sido adiado há anos, por falta de tempo. Os afazeres cotidianos e outros projetos me impedem no momento.
Um livro que eu gostaria de ler e ainda não existe? Tem tantos títulos nas livrarias que tenho medo de arriscar um palpite aqui e o livro já existir e eu não ter conhecimento dele ainda. Mas vamos lá: o primeiro seria um livro no estilo O apanhador no campo de centeio, mas com um personagem-adolescente brasileiro de classe média baixa. O segundo seria um livro de filosofia brasileira, até pra desmitificar essa ideia de que só os europeus filosofam.