Luana Claro é graduanda em Letras pela Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia sempre meio correndo para não me atrasar para o trabalho. Sendo sincera em relação a isso, existe um roteiro básico que eu tenho que cumprir, e a escrita não está entre as ações listadas nesse roteiro.
Tudo que eu disse até então se relaciona com a segunda pergunta também: não tenho rotina matinal de escrita. Quer dizer, eu sempre tenho pouquíssimo tempo pela manhã durante semana, então acaba não dando tempo. Acho que em relação a isso meu único hábito é sempre a leitura, já que vou para o trabalho todas as manhãs lendo. Acredito que a leitura é, também, um hábito de escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Diria que a escrita acadêmica acontece mais facilmente durante a tarde e a noite e a literária, à noite. Mas não é uma regra. Esses períodos são o tempo que eu geralmente tenho disponível para a escrita, na verdade.
Não tenho ritual de preparação para a escrita literária, tenho inclusive tentado pensar nos últimos tempos nisso. Para a escrita acadêmica, há algo que não é exatamente um ritual, mas quase um pressuposto: tento me desligar de qualquer outra coisa que não seja a própria escrita e a bibliografia utilizada. Fico longe de celular, televisão, qualquer coisa assim, que possa me distrair. Para mim, isso é de absoluta importância, porque não consigo ficar me “desligando” do que estou escrevendo toda hora sem me perder.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados e gostaria de mudar isso, porque é difícil retomar, às vezes. Acho importante e facilitador ter contato diariamente com a escrita, nem que seja só para fazer uma revisão em algo que já está escrito. Como não escrevo todos os dias, não tenho uma meta de escrita também. Ao mesmo tempo, não gostaria de endurecer meu processo e de me impor metas muito rígidas. Mas queria me sentir mais produtiva quanto à escrita, o que é um pouco contraditório, mas todos somos um pouco.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Convém falar separadamente sobre a escrita literária e a acadêmica, nesse caso. No primeiro caso, a leitura é o primeiro passo. Parece que lendo, o que eu preciso e quero escrever surge mais facilmente. Mas não é um processo fácil. Depois de ler, há vezes em que fico pensando na ideia por dias, para depois escrevê-la e depois revisar o texto até sentir que não aguento mais revisar aquele texto. No segundo caso, preciso ler e se possível, caso tenha tempo, fichar a bibliografia mais importante. Depois, é bastante tranquilo começar, não costumo ter problemas com isso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Na escrita acadêmica é mais difícil que me ocorram travas. Já na escrita literária, já aconteceu muitas vezes. Um exemplo: tenho tentado concluir meu segundo livro de poemas há meses e creio que esse seja o meu projeto mais longo até então (um ano e dois meses). O primeiro livro pareceu muito mais espontâneo nesse sentido. Mas associo essa demora a um trabalho formal mais elaborado, o que, para mim, significa amadurecimento. Porém, o sentimento de frustração às vezes é inevitável. E isso vem mais de mim do que dos outros, pelo menos até então. A ansiedade de trabalhar com projetos longos é outro problema, porque eu fico me atormentando por querer ver tudo pronto. Um projeto longo é quase uma questão de fé e para acreditar é necessário ter paciência. Na teoria é mais fácil do que na prática, e eu não sei bem ainda como posso proceder para lidar com esses sentimentos. Ler também é sempre um bom caminho para superar as travas de escrita. Inclusive tenho alguns livros que, sempre que leio, me “colocam” para escrever. É meio estranho e incrível ao mesmo tempo.
Na escrita acadêmica, creio que seja uma questão de dimensionar a pesquisa, delimitá-la, de forma que seja adequada ao tempo disponível, o que também não é uma tarefa fácil. Quando estava fazendo minha pesquisa de iniciação científica achava sempre que o tempo era pouco, talvez porque tenha selecionado um corpus muito grande, com muitos poemas. Então, para a escrita literária, tudo leva sempre muito tempo e para a acadêmica, há sempre pouco tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os textos literários, um sem-número de vezes. Antes, revisava menos vezes. Também considero essa mudança um sinal de amadurecimento. Já os textos acadêmicos sempre revisei muito, a quantidade de vezes que o prazo me permitia.
Não costumo mostrar textos acadêmicos para outras pessoas. Já os literários, sim. Tenho um grupo de pessoas atualmente que têm acesso ao livro ainda não terminado e algumas conversas me influenciaram muito e me fizeram enxergar de forma diferente. Acho incrível o efeito que isso teve: pode-se dizer que eu até mesmo “superei” uma das travas que tive. Uma conversa e, na primeira oportunidade, escrevi o que tentava há tempos e nunca conseguia.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mãoou no computador?
Como passo muito tempo fora de casa, acabo quase não usando o computador, a não ser aos finais de semana. Não tenho o costume de levá-lo comigo. Entretanto, também não escrevo meus poemas à mão e sendo sincera, nunca tive esse hábito. Tentei, algumas vezes, mas acho que estou acostumada demais a escrever no bloco de notas do celular. É meu jeito de anotar as minhas ideias que, de repente, surgem quando estou no transporte público, por exemplo. Acabou se tornando, assim, meu jeito de escrever. De tempos em tempos escrevo o conteúdo das notas do celular em um arquivo armazenado em nuvem, para não correr o risco de perder tudo. Minha relação com tecnologia é bastante… Normal? Não sei. A tecnologia não costuma atrapalhar meu processo de escrita e sim facilitá-lo, tendo em vista o caso do bloco de notas do celular. No ônibus, de pé, eu nunca conseguiria escrever à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm sempre das leituras que eu faço. Ler é um hábito que eu nunca abandono e eu procuro ler de tudo, porque tudo pode ser material, tudo pode me fazer rever a forma como enxergo determinado detalhe do mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou minha escrita acadêmica ao longo do tempo foi a prática e também as referências que fui acumulando, provavelmente. Já o que mudou minha escrita literária foi a leitura, porque tive mais referências também e, surpreendentemente, a pesquisa, já que estudei também poesia. Perceber os artifícios utilizados por outros autores em seus poemas me fez pensar, cada vez mais, no que eu podia aplicar aos meus, por exemplo.
Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos eu diria: calma com isso aí.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que eu gostaria de escrever um romance. Tenho até uma ideia possível, mas na minha realidade, é muito difícil acontecer agora, mais por uma questão de tempo. Gostaria também de terminar meu segundo livro de poemas em breve, pois estou ficando um pouco, digamos, agoniada.
Eu não sei que livro gostaria de ler. Ele deve já existir e deve estar me esperando em algum lugar. Um livro que mudou minha vida dos últimos tempos falava, entre outras coisas, de objetos biográficos. Talvez um livro que fale sobre objetos biográficos, memória. Eu gosto muito desse assunto e não me canso dele. Esse livro com certeza já deve existir.