Lota Moncada é atriz, poeta e tradutora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom, eu começo meu dia devagar! Além de escrever – fundamentalmente poesia, mas também prosa, contos e minicontos, já escrevi um par de peças de teatro – sou tradutora científica e literária. Não parece um pouco “nada a ver”? Acho ótimo, são mundos tão díspares, linguagens bastante afastadas, e isso significa, para mim, não apenas um desafio, mas a possibilidade de relaxar escrevendo poesia quando me canso de traduzir artigos, às vezes, muito longos e detalhados, mas quase sempre bastante “frios”.
Minha rotina matinal começa organizando, ou continuando, o trabalho que tenho que entregar com prazo fixo. Mas nada muito cedo e sempre depois de um café da manhã tranquilo. Também sou professora, de ELE e PLE (tenho uma pós em Linguística Aplicada pela Unicamp), mas desde que me aposentei deixei de ter que ir para a Faculdade ou Institutos de idiomas de manhã, trabalho em casa. O que é uma faca de dois gumes!
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Vou ter que separar os horários por campo lexical, ou por áreas de conhecimento. Pela manhã trabalho melhor com a tradução científica, parece que a cabeça está mais descansada, não é? À tarde também, mas pode variar. Já à noite…
Exemplifico com um poema meu:
a aurora
embora bela
desconheço
é no aconchego
da noite escura
que faço verso
(Lota Moncada)
Estou acostumada a trabalhar à noite, já que minha primeira profissão, antes mesmo de ser professora, foi a de atriz e durante 54 anos tenho mantido uma rotina mais noturna, coisa que, confesso, está mais difícil agora com a passagem do tempo! Mas, realmente, é difícil mudar esse hábito de criar à tardinha, à noite!
Quanto a ritual, não, não sou muito metódica. Só preciso de um pouco de paz e silêncio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Bem que gostaria de ter mais disciplina! Só com a tradução consigo, seja científica ou literária, deve ser porque detrás dela tem um “cliente” que solicita prazos. Já para a literatura, a poesia, em especial sou muito mais “folgada”, escrevo porque me é necessário, indispensável diria. Nada de metas! As metas são pressões que bloqueiam. Tento não me impor nada, afinal, escrevo porque gosto!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Bom como minha base é poesia não faço pesquisa antes de escrever. Às vezes, durante o trabalho com o poema sinto necessidade de pesquisar. Explico: se estou escrevendo um poema que fala do universo da música, por exemplo, sinto necessidade de buscar elementos lexicais que aprofundem o sentido, que sejam da área. Não conheço todas as expressões sobre o tema, ou as que conheço não tem o tempo certo, não me servem, e eu gosto, também, de aprender. Outro exemplo, esse poema se chama Amor em clave de dó, deixo só uma estrofe:
(…)
Afinal, no que virou esse amor?
Clamor sem harmonia,
plano, ladainha de acordes
sem arpejo, clave de dó,
arranjo binário, monofonia, bocejo?
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Hummm, travas da escrita, essas aparecem de vez em quando! É complicado porque se tenho um prazo para entregar, seja lá o que for, ou mandar para alguma editora, enfim, fico bem nervosa. Ainda bem que faço terapia (risos)! Procrastinar não é bem a minha praia. E se por acaso me dou uma folga (sou uma boa patroa!) trabalho o dobro depois para compensar. Pode não ser o melhor a fazer, mas… No mais, não tenho projetos longos a não ser na tradução, e nem sempre. Não acho que tenha fôlego, ou até vontade, para escrever um romance, uma novela, então, sem problemas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou bem chatinha, perfeccionista, o que é uma não-qualidade aborrecida. Tomo meu tempo! Embora eu seja agitada, enérgica e coisas assim, para escrever sou meio lenta. Escrevo, risco, rabisco, às vezes paro no meio de um verso e ponho “pra dormir” a poesia e eu! Às vezes, fica tudo inteiro, como quero.
Já na prosa, nos contos, especialmente nos minis, é pior! Sempre acho que não fica bom, que sobra, que falta, e se invocar, deixo de lado e começo outro! Os contos até que mostro sim, para uma ou duas pessoas. Já os poemas só quando vou publicar um livro, daí mostro todos de uma só vez.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A idéia básica escrevo numa moleskine que ganhei do meu filho, dedicada especialmente para fazer “aquilo que te faz muito bem: escrever”, e ele me conhece. Mas logo passo ao computador com o qual estou muito acostumada, e me facilita bastante a produção.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Da vida, da observação da natureza humana. Minha primeira profissão foi (e ainda é, porque o teatro não sai de dentro da alma), a de atriz e professora. Em ambas a observação é um hábito, mais do que isso, uma necessidade. É de observar o mundo, o ser humano, os animais, a natureza, a cidade, e toda a insanidade que, eventualmente, nos rodeia, que parto para a lida com a palavra.
Não sei, assim, perguntada de repente, não tenho uma resposta para a questão de me manter criativa. Tem momentos em que a criatividade vem com força de obrigação, e outras em que me abandona aos meus silêncios.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Bem, eu cresci! Seria bem estranho se ainda escrevesse como quando era criança (4, 5 anos!), e de fato, tudo muda! Mudei de países, várias vezes, nasci no Chile, me criei no Uruguai, vim com minha família morar no Brasil, onde atualmente moro, mas com mudanças, internas e externas, também, Curitiba primeiro, Rio de Janeiro, e agora, Porto Alegre, há 20 anos. No meio, teve 2 anos na França, 1 e meio no Chile, e mais uns 15 anos no Uruguai em duas etapas! São mudanças importantes, adaptações constantes, culturas muito distintas, e tudo isso vai influenciando os processos. Também a leitura, o trabalho como professora, o teatro, os estados de espírito… Atualmente minha escrita tende a ficar mais concisa, mais enxuta, e gosto muito disso.
Quanto à segunda questão, devo confessar que gosto dos meus textos e poemas, acho que diria: Vá em frente garota!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não sei se é a idade, ou as muitas “vidas” vividas, mas só pretendo continuar escrevendo, gravando meus CDs, e lendo os muitos autores bem mais novos, que ainda não pude ler! Não quero perder o trem do tempo!