Lorraine Ramos Assis é fotógrafa e colagista, estudante de Sociologia na UFF.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal é estar, de modo imprescindível, com a cara lavada e sem pendências para poder escrever. Antigamente eu tinha o péssimo hábito de não fomentar o estômago para começar a concretizar meus trabalhos, mas isso nunca deu certo. Um autor (ou qualquer indivíduo) necessita ter suas forças vitais reguladas para um bom exercício. No momento eu estou arrumando a nova casa , mas não paro de produzir ou pensar no fazer da produção.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu não tenho hora do dia ou uma rotina em que me sinto melhor para trabalhar, pois tudo depende do mínimo ruído possível para exercer o meu trabalho.
Meu ritual de preparação para escrita normalmente é impulsivo, mas eu me organizo em meio aos “caos” das ideias em que me vêm à cabeça. Se estou em uma vibe efusiva, melancólica, enraivecida, coloco-me em uma sonoridade em que me transporto para uma performance interna, e a organização linguística começa a ganhar corpo. O esquema, então, vem ao papel ou ao computador. A música, o cinema e as artes plástivas são uma companhia inestimável para o processamento da escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tenho uma sistematização, mas ao mesmo tempo eu não tenho. Exemplo das vezes em que, no campo prático, não há uma ordem semanal ou diária para o fazer da escrita. Contudo, eu simplesmente tenho um pressentimento – normalmente a partir da erupções das emoções e de discursos de opinião de determinada temática – de que devo fazer nesse dia e nessa hora (aleatórios), uma vez que eu sinto uma adrenalina, um tipo de pulsão que me direciona ao conteúdo, sentimento, estética e organização do pensamento e da linguagem. A minha meta é determinada pelas minhas ideias. É mais prefixada por causa da mensagem e de poeticamente externalizar o que me assola, o que me cativa, o que me dá uma vontade que é determinante para a narrativa artística.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é multidisciplinar, posto que sou como um pescador continental em busca de novas superfícies para experimentação da vida (rs). Eu procuro em sites de pesquisa acadêmica, veículos jornalísticos, sites literários, jornais políticos (especialmente os independentes) blogs antigos de minha adolescência visando um ato reflexivo de mudanças interinas para inspiração e um exercício terapêutico. Compilando essas notas, não é nuito difícil para mim, pois como sempre estou fazendo várias coisas ao mesmo tempo, o quebra cabeça associa as coisas rapidamente e os ressignifica, assim criando novos ambientes ou revivendo-os para elucidar uma crítica ou externar as sensações do passado e do presente da minha intimidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tudo está no cerne de pulsão e articulação entre todos os elementos que estão no meu processo criativo. A minha identidade e a desarticulação do retrógrado, do não explorado, pois sinto que há muito o que ser modificado na realidade e em como devemos expressar-nos no senso crítico e de nossa intimidade.
O medo de corresponder às expectativas dos outros é um medo comparado a de uma criança com medo do escuro. Ela escuta tanto os terceiros que não está preparada para uma situação que facilmente pode ser resolvida no acender das luzes, ou da quebra do medo do desconhecido (muitas vezes ilusório). É claro que é um processo que não é rápido, mas deve estar corriqueiramente em nossa instrospecção. Um escritor nunca deve ter medo de falhar, de ter sua fala mal interpretada no dia que irá, de modo responsável, dizer o que realmente quis expressar. Focamos tanto na projeção dos que os outros acham que somos ou o que deveríamos ser, que esquecemos do futuro e da superficialidade de um imaginário inalcançável que somente irá sabotar o artista. Um artista sempre deve ter uma estratégia comunicativa para com seu público, demonstrando estar aberto para suas fragilidades, mas ainda se autopreservar. Ao menos eu faço isso quando tenho uma precaução desproporcional em projetos longos ou no bloqueio criativo. Eu escrevo de modo cru para que a realidade crua seja avistada e eu não tenha que lidar com a procrastinação. Eu retiro ela na conversão dos sentimentos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu sempre os reviso até ficar com minhas pálpebras latejadas. Sou minimalista na hora da revisão para não ocorrer erro no momento de submeter para o corpo editoral. Ainda estou tentando pegar um meio termo (rs). Às vezes, sim, às vezes, não. Costumo mostrar mais para meu companheiro, Daniel Russell Ribas, que é cronista.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador ou no bloco de notas de meu dispositivo quando a inspiração vem de modo sinuoso em um ambiente em que não me é possibilitado trabalhar em cima da ideia. Antigamente eu tinha o hábito de escrever em um caderno, mas eu tenho preferência por dispositivos tecnológicos mesmo que somente escrevendo por rascunhos que, aliás, é o que costumo fazer nesses últimos dias. Cadernos são para minhas colagens.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias não têm muito mistério. Quem conhece meu trabalho não tem um sentimento atípico do que vê pois são elementos que por mais que não sejam sempre inseridos num único escrito, terá um enfoque de algum deles sem falta. São signos da subjetividade e de uma estrutura sociopolítica que desconcerta, que faz um teste com o leitor para saber e conhecer suas particularidades que estão numa zona de familiariedade que não conseguem sair. A famosa “zona de conforto”. Retiro de tudo que é lugar, desde fixar meu olhar e resgatar memórias de um objeto; uma leitura complementar de qualquer gênero textual que me dê inspiração; as casualidades do dia a dia e do exercício sensorial para o fazer criativo não ter receios de se mostrar e desenvolver.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sim, demasiadamente. Há dois anos, eu escrevia majoritariamente prosas poéticas, e não fazia pesquisas mais extensas, tanto na terminologia quanto no objeto de pesquisa do tema. Escrevia mais para mim mesma e para os meus contatos mais próximos. Hoje em dia, eu me aventuro mais em versos livres, pesquiso mais sobre vanguardas literárias. Ultimamente tenho me inspirado em mesclar a cinematografia com a literatura (tenho visto recentemente os filmes do Arnaldo Jabor e David Lynch, que têm me sido de boa serventia), e pegado alguns artistas independentes ou mais conhecidos como fonte de inspiração, a exemplo de William Burroughs e Susan Hinton. Também tenho minhas queridinhas contraditórias: a literatura soviética e a beatnik.
Eu diria para o meu eu do passado para ser mais perfeccionista.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho um projeto fotográfico-colagista-literário com uma parceira que ainda está na minha espera para a captação das fotos analógicas de minha Pentax, e a vida está me atrasando, infelizmente. Espero finalizar ainda esse mês, e creio que irei. Não irei dar “spoilers”, mas será bastante atmosférico e crítico ao redor de temas como condições psíquicas, sociabilidade feminina e consequentemente os abusos sofridos. Terá um toque sombrio sem papas na língua, que é o que costumo fazer nas minhas produções. Há outro projeto, mas dessa vez individual, que é o meu primeiro romance, abordando conflitos geracionais e as consequências das heranças do passado de cada personagem incidindo na outra geração. O storytelling terá gêneros fluídos e com temporalidades diversas. Mas isso é uma conversa para daqui alguns anos.
Eu gostaria de ler um livro que fosse uma compilação de autocrítica de cada escritor que foi acusado de algum desvio comportamental-moral para com outra pessoa.