Lisa Alves é escritora, autora de Arame Farpado.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo com muita cafeína para entender que já me retirei do universo dos sonhos. Parece clichê a história do café, porém li em algum lugar que o café tem a capacidade de estimular o lançamento de adrenalina na corrente sanguínea. Tudo bem que a ideia é usar a adrenalina para se fugir de um cachorro feroz ou de um incêndio, mas é que às vezes na escrita acontece muito mais que isso.
Minha rotina é uma conciliação com várias tarefas – algumas tarefas que sigo na ordem para não me perder (principalmente tratando-se de trabalho) e outras que são secundárias e podem ou não fazer parte do meu dia. Escrever faz parte delas e interfere na maioria.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Hoje em dia as manhãs me agradam mais. Antes eu criava melhor durante as madrugadas. Acho que depende de como eu estou no presente e a disponibilidade de horário. Teve uma época que só tinha tempo para escrever nas quartas-feiras durante meu horário de almoço.
Meu ritual é saber que tenho água ao alcance, uma caneca de café e internet à disposição para pesquisas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim. Contudo, grande parte do meu tempo é dedicado aos estudos, leituras diversas e trabalho.
Eu não tenho uma meta diária, porém sempre escrevo alguma coisa. Já tem uns bons anos que me dedico a um romance e finalização de um livro de contos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Cada trabalho tem um processo: um conto me exige um processo; um poema outro tipo de processo (há, até mesmo, uma variação de processos de um poema para outro). Poderia fazer um desenho básico do meu processo geral, mas não seria honesto. Escrevi uma vez sobre o processo de criação de um poema do meu livro – foi um processo exclusivo para o poema em questão.
Não é difícil começar pois geralmente as notas só surgem depois.
Esse movimento da pesquisa para a escrita acontece de forma flexível. Geralmente a pesquisa acontece durante o processo de escrita. No desenrolar da criação é que vejo a necessidade de pesquisa. Não é igual um trabalho acadêmico.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu geralmente respeito as travas e me dedico nesses períodos a diversos tipos de nutrimentos que me socorrem: cinema, teatro, leituras, novas experiencias tanto no campo artístico quanto de interação humana. Dar um tempo é necessário e para mim as travas surgem como um alarme. É como se algo aqui gritasse “Vá se alimentar, mulher!”
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tenho um número exato. Sei que sempre sinto que deveria ter revisado mais.
Tenho algumas pessoas de confiança que tem acesso aos meus textos. Mas não passo tudo que escrevo. Geralmente algum trabalho que me trouxe algum conflito ou que precisa de revisão.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu sou uma entusiasta da tecnologia.
Depende. Se eu tiver um insight e só tiver papel e caneta como ferramenta. Por que não usar? Hoje em dia utilizo muito o celular se não estou em casa. No meu celular tem um editor de texto que salva o trabalho em nuvem e quando chego em casa ligo o computador e o texto que escrevi está disponível para eu dar continuidade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As fontes são infinitas e o mundo está carregado delas. Geralmente minhas fontes têm sido o que me assombra. O mundo é um lugar bem estranho, por isso sempre digo que o mundo me inspira e sempre parece uma resposta vaga, mas não é. Gosto também do tempo presente, da vida presente – o que é uma parte do mundo. Sou muito ligada também com outras formas de expressão artística. Acho que ter sensibilidade e se conectar com essa memória coletiva artística do nosso tempo é fundamental.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muitas coisas mudaram, contudo, o principal foi perceber que a escrita é a porta de saída preponderante para a minha criatividade. Antes eu me perdia nesse sentido. Sempre me joguei em várias formas de expressão artísticas: já tentei música e teatro. Porém só a escrita tem vingado de fato. “Já tentei muitas coisas. De heroína a Jesus.”
Em relação aos primeiros escritos, sinceramente não interromperia. Acho que foi como deveria ter sido. Eu gosto das coisas tortas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto é um romance infanto-juvenil com a intenção de adaptá-lo para um jogo eletrônico em primeira pessoa.
Tem muitos livros que existem e ainda não li. Mas suspeito que não há um livro de História contado pelo povo e sobre o povo. Espero que no futuro os alunos estudem a história contada pelo seu povo e sobre seu povo e não sobre falsos heróis ou indivíduos da elite que nunca serviram a ninguém a não ser aos próprios interesses ou aos interesses de quem domina o jogo.