Lindolfo Roberto Nascimento é escritor, dramaturgo e artista plástico.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa tarde. Sou notívago, e por conta disso, tenho acordado por volta de meio-dia.
- Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo de madrugada. O silêncio e a concentração ajudam na imersão. Na sala, escrevo após lavar a louça e tirar o lixo. Mas acontece muito também de escrever depois que tomo meus remédios e já estou na cama.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Acho importante a rotina de escrita, então ao começar um projeto, escrevo diariamente até terminá-lo, mas não tenho meta diária de laudas ou número de palavras, sobretudo nos últimos três anos, em que tenho escrito poemas. Como estabelecer meta? Talvez quando a Calcanhoto me contratar para a fábrica de poema (risos).
Mas falando sério: também escrevo para teatro e produzo artes plásticas. Sabe aquele papo do horizonte, que é móvel? – e de fato é, já que a Terra é indubitavelmente redonda – Pois então, acho que a meta pode ser vista dessa forma muitas vezes: um horizonte, que pode ser móvel para o bem da qualidade da obra. Só que, diferente do horizonte real, uma hora esse horizonte metafórico precisa ser alcançado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Me conecto muito com a ideia de experimento, então não vejo o processo de pesquisa apartado da produção em si. Gosto de descobrir, pesquisar, anotar tudoaomesmotempoagora. Em meu mais recente trabalho mesmo (o livro “Mandala Naïf”, lançado em dezembro último pela @desconcertoseditora), deixei indícios de um texto retirado, bem como uma ou outra impressão pessoal sobre os próprios poemas na redação dos mesmos. Claro que não existe fórmula universal para a arte, não acredito nisso. Acredito sim, que cada obra propõe uma ideia, uma equação própria. E é a partir dela que a obra se faz valer ou não. No caso deste meu livro, os indícios do processo se fizeram necessários pela ideia do “naïf” em torno de uma mandala de ideias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho depressão e ansiedade. A forma como lidei nos últimos anos com essas questões foi adotar um formato de escrita em que eu possa dar vazão às minhas questões de forma rápida, daí o poema. Não separo corpo de mente, ou razão de emoção, por isso acho importante que cada escritor – e artista, e ser humano em geral – desenvolva suas estratégias de sobrevivência e de produção. A minha, eu chamo de “Teoria da escassez”, e ela parte do princípio de fazer com o que se tem no momento, sem idealizações exageradas – Pois, como eu disse anteriormente, o horizonte será de alguma forma móvel -, então, por exemplo: ao invés de imaginar “a grande obra-prima que revolucionará a literatura mundial” e me paralisar por essa perspectiva aterrorizante, penso: o que,com meu repertório atual, com minhas condições material, física e mental, o que é possível fazer? É o que farei, seja um romance, seja uma dramaturgia, seja um poema, uma linha, ou uma anotação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Um romance exige sempre muito cuidado por conta de coerência, verossimilhança, entre outros fatores. Não a toa são projetos mais longos, escritos com mais detalhamento. Poemas eu releio algumas vezes porque preciso me certificar de que ao longo do tempo continuam fazendo determinado – ou algum – sentido. Mas a prática de partilha de textos mesmo faço quando se tratam de dramaturgias, muito por conta da prática teatral de criação coletiva: você pode até ser um dramaturgo de gabinete – e não me considero assim -, mas uma hora aquele texto irá para a cena, então é natural compartilhar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É uma coisa boba, mas não consigo levar a sério nada que escrevo a mão, logo, escrevo no computador, e quando estou sob efeito de calmante – acontece muito – escrevo no bloco de notas do celular, já na cama. Este estágio entre a vigília e o sono me é muito interessante, então ter o celular à mão é de grande valia. Sempre acordo com receio de ter postado algo nas redes sociais sem esse estado total de atenção, mas até hoje não aconteceu. Os textos, bons ou ruins, sempre estão lá no bloco de notas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Gosto de estar atento ao mundo, pois o artista é o cronista, o crítico e o fotógrafo de seu tempo; gosto de estar atento a mim, pois estou inserido e indissociável ao meu tempo; me atento aos meu pares artistas, pelo sim e pelo não, pela troca e para entender o que evitar; e claro: expandir o repertório é sempre importante. Filmes, exposições, música, novas leituras, tudo isso é importante. Não sou acadêmico (apesar de ter duas graduações), mas acho importante também o contato com a academia. A academia é um grande mostruário, que vira e mexe nos aponta muitas coisas importantes. Arte também é a atualmente tão combatida ciência – apesar de ser muito mais que “apenas” ciência.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou foi que me tornei mais confiante. Quando comecei tinha dúvidas quanto à minha capacidade de escrever. Acho que muita gente no começo tem. Mas o importante é continuar. Algumas coisas de quando comecei são um tanto imaturas, mas é o que eu era, então qual o problema? Sabe-se lá como me sentirei no futuro em relação ao que escevo hoje… O que eu diria pra mim mesmo é: “Confia e vai sem medo”. As piores críticas que recebi foram de pessoas detestáveis, então me valho do clichê e acho que estou no caminho certo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um dia quero escrever um livro de ficção científica. Alguma coisa com cara de distopia hollywoodiana. Talvez até um livro infantil também, mas não creio que isso seja possível pra mim antes de ser pai.
Agora, o que eu gostaria de ler e ainda não existe é difícil dizer! Ainda não aprendi a desejar o que não existe. Mas assim que conseguir, volto e conto pra vocês!