Lima Trindade é escritor, autor de Todo Sol mais o Espírito Santo (Ateliê Editorial) e Aceitaria Tudo (Mariposa Cartonera).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente ouço um pouco de música, alongo o corpo, faço café e leio. Isso dura no máximo duas horas, pois logo em seguida tenho de sair para a repartição e cumprir meu expediente como servidor público, que é a atividade que me dá sustento material, me possibilita escrever.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho um horário de preferência. Nem rituais. Sei que Caio Fernando Abreu acendia uma vela para Virginia Woolf antes de se debruçar sobre sua máquina de datilografar e investir energia na preparação de Onde andará Dulce Veiga. E Kerouac se encharcou de café e benzedrina nas três semanas em que verteu a primeira versão do On the road. Victor Hugo, por sua vez, redigia desnudo. E Hemingway, em pé, o papel sobre a mesa. Acho divertidas todas essas histórias. Mas o importante para mim é a conexão com o texto, que o momento possibilite tranquilidade suficiente para eu esquecer o mundo de fora e favoreça minha capacidade de concentração. Adoro beber vinho, cerveja, caipirinha e uma porrada de outros drinques. Porém, jamais para trabalhar. Drogas não estimulam minha criatividade.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias. Mesmo quando estou trabalhando num projeto longo como um romance. Há situações em que trabalho cinco ou seis dias na semana. Mas também posso passar uma semana sem acrescentar uma linha a um conto inacabado. Obedeço ao velho clichê do relógio interno. Combinado ao lugar-comum de que antes de digitar o ponto final de um trabalho a escrita nos toma por inteiro, e é como se estivéssemos escrevendo mesmo quando não estamos, mesmo quando dormimos, nos alimentamos ou dançamos num show de rock. Minha única meta é escrever um texto que eu venha a gostar de ler com o mesmo grau de prazer e exigência que nutro ao ler os autores que admiro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Varia muito. Cada texto me pede um processo diferente. Há trabalhos espontâneos em que escrevo sem visualizar nada à frente. Outros, como as novelas Supermercado da Solidão e O retrato ou um pouco de Henry James não faz mal a ninguém, exigiram rigoroso planejamento, pesquisa e reflexão. Creio que o verdadeiramente importante é eu me dispor para, entende? Não é relevante o tempo de duração, a extensão das páginas, o gênero em que se inserirá a obra, se venderá muito ou se será traduzido para outros países. É preciso encarar a página em branco e não respeitá-la demasiadamente. Se calçamos as luvas de boxe e o oponente nos assusta pelo tamanho, se o público deseja que beijemos a lona ou derrubemos o oponente por nocaute, são detalhes que precisam ser esquecidos em função da luta em si. É a escrita que importa. Não dá para adivinhar se o resultado nos será benéfico ou não. Se haverá reconhecimento em vida. Sequer se seremos publicados. Então, melhor não sofrer por isso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se tenho um prazo a cumprir, como é o caso de participações ocasionais em coletâneas temáticas de contos, e não quero me sentir bloqueado, vou me acercando do tema por meio de pesquisas em livros, filmes, jornais e tudo o que possa me ajudar a pensar questões vinculadas ao tema. Daí, escolho a questão que mais me incomoda, mais mexe comigo. E me pergunto: o que eu gostaria de dizer a esse respeito? Há algo? Qual a maneira mais efetiva de dramatizar o problema? Qual a minha maneira? E vou me perguntando e experimentando ao passo que me pergunto, e novas questões e perguntas vão se sobrepondo, e a escrita vai se amoldando até eu sentir que está fluindo.
Nessa fase de escrita eu não tenho medo de não agradar. O medo surge depois que o livro está publicado. Quanto aos projetos longos, são os que mais me estimulam.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Ah, são tantas que nem sei dizer. Não há um número exato. Se escrevo uma página hoje, amanhã, antes de continuar, reviso o material do dia anterior. Às vezes, no entanto, recuo mais ainda e reviso o capítulo todo. Noutras, o livro. (risos).
Tenho meus leitores beta. Todos eles, pessoas sérias, capacitadas e, principalmente, sinceras. Acho imprescindível.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador. A não ser que sejam notas, ideias soltas, coisas que ocorram em circunstâncias inesperadas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Essa é uma questão que nem a psicanálise pode responder. Não importa para mim de onde elas vêm, importa a ressonância delas em mim. Recebo inúmeras sugestões para livros, contos e poemas. Acho engraçado. Eu jamais sugeriria um assunto a outro artista. Pode parecer mistificação, mas acho que são os temas que nos escolhem. Quero dizer, não dá para ficar indiferente ao que acontece ao nosso redor. Quando escrevo uma história passada no século XIX, há algo nessa história que julgo ser novo e relevante para o presente momento e para minha visão de mundo.
O principal hábito para um escritor que deseja ser criativo é acompanhar a produção dos seus pares, tanto mortos quanto vivos, o máximo que ele puder. Se não for assim, arrisca-se a repetir o velho por ignorância e preguiça.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou é que possuo muito menos tempo livre para criar.
Eu diria: não se apresse. Curta o momento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho planos para quatro novos livros.
Adoraria ler uma biografia da Aracy de Almeida, a Dama do Encantado, escrita pelo João Carlos Rodrigues, Ruy Castro ou Fernando Morais.