Lílian Almeida é escritora, poeta e professora na Universidade do Estado Bahia.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal é voltada para o autocuidado. A manhã é a parte do dia em que costumo me cuidar, meditar, cuidar da minha alimentação. Depois disso, tenho mais disposição para as demandas mais exigentes do cotidiano.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Atualmente tenho escrito mais à noite ou à tarde. Já tive rituais para a escrita, como sentar para escrever sempre depois de meditar, pela manhã. Foi bastante produtivo, mas, à época, eu não estava trabalhando, então tinha muito mais tempo livre para a escrita. Atualmente não tenho rituais. A escrita, sem rituais, para mim, é uma subida à superfície para respirar. A sucessão dos dias muitas vezes é asfixiante, então qualquer intervalo para flagrar e forjar beleza no cotidiano é renovação. Estou voltando a escrever de forma mais disciplinada pela manhã. Para mim, o avanço do dia traz uma sobrecarga de tarefas e informações que prejudicam o compromisso com a escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como de certa forma adiantei acima, atualmente escrevo um pouco quase que diariamente. Se não escrevo todos os dias, fico “cozinhando” uma imagem dentro de mim até o momento da tentativa de traduzi-la em palavras. Dessa forma, não construo metas de escrita. Ainda não me dispus a vivenciar essa forma de lidar com o texto. Na minha vida profissional lido com prazos e cobranças. A escrita literária para mim ainda é uma seara de liberdades, não pretendo que ela me lembre a lógica profissional em que estou inserida. Eventualmente, se tenho o propósito de submeter um texto, um projeto, a um concurso ou afim, aí, sim, estabeleço metas e prazos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Creio que já fui antecipando um pouco do meu processo de escrita nas respostas anteriores. Escrevo sempre que encontro as palavras para traduzir o que primeiro gesto dentro de mim. Nesse processo gestacional, não tenho rituais ou uma estrutura rígida. Começo guardando a ideia, mentalmente ou por escrito, e procurando a forma de expressar o que me mobiliza para a escrita, que, no meu caso, pode ser em prosa ou em verso. Quando preciso pesquisar sobre o que vou escrever, o faço obstinadamente e vou recompondo minha ideia primeira a partir do que descubro. Às vezes, em paralelo, já esboço o texto, que vai mudando com o avançar da pesquisa. Às vezes, levanto as informações e só depois procuro a forma de trazer verossimilhança ao que vou escrever. Eu costumo confiar na intuição e ir seguindo o fluxo, isso me tira de um padrão fixo na forma de trabalhar o texto literário.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já passei períodos de vazio criativo, não conseguia escrever nada que eu considerasse passível de algum trabalho artístico. Não costumo me inquietar. Há algo em mim que acredita que passará, e, até agora, tem passado. Nessas fases eu foco nas coisas mais simples e aparentemente banais. Tento enxergar poesia nas coisas mais primárias da vida. É um exercício para a percepção, muito mais do que para a escrita. Em mim, a escrita nasce do sentir profundamente. Então esse é um exercício para não perder esse sentir.
Ainda não encontrei um modo de lidar com a procrastinação. Se não estou numa fase de motivação em um determinado gênero, ele não acontece, pois vou adiando e não faço. Se estou numa fase muito produtiva de poemas, por exemplo, não consigo dar seguimento a contos que já escrevi e que preciso lapidar Minha experiência, até o momento, não contempla a escrita de romance, que é um projeto de longa duração. Escrevo contos e poemas, mas sem a ideia pré-estabelecida de um livro. Até então o livro se faz, na minha experiência, a partir de algum fio condutor que unirá a produção de um determinado período. No meu livro de estreia, Todas as cartas de amor, fui compondo as cartas, sem pensar que seria um livro. Depois de algumas já escritas, percebi que a personagem tinha mais para contar e viver.
Quanto a corresponder às expectativas, pra mim, tornar um texto público é abrir espaço para ser ou não ser aceito. Não há escapatória. Definir para mim quais são as minhas expectativas com um texto meu me parece ser um caminho amoroso comigo mesma, pois as pessoas têm as suas próprias expectativas e entre elas e o texto pode haver convergência ou não.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Essa parte do trabalho literário é como Sísifo, sempre reviso e sempre acho que preciso mudar alguma palavra, uma pontuação… alguma coisa. Costumo não estar satisfeita mesmo depois que os publico, fico com a sensação de que poderia ter esperado um pouco mais para alguma lacuna se revelar. Geralmente mostro os meus textos a amigos e, mesmo sendo amigos, peço que sejam muito realistas e críticos quanto ao que escrevo. Creio que eles costumam ser.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é ambivalente, às vezes amor, às vezes aversão. Uso tanto o computador quanto escrita à mão em papel. Se é um poema que estou escrevendo, o papel costuma me servir bem. Mas se a ideia é para um conto, apenas registro no papel o argumento, alguma característica de personagem, coisas básicas que vão ser desenvolvidas depois no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da vida que me chega das mais distintas formas e de como eu a sinto; vem muito das dores, das inquietações de existir.
Gosto de observar a vida, desde as coisas mais simples, como um vagalume, até as pessoas, o que me mantém em estado de percepção do outro e de mim e de como isso reverbera em mim, mas não é garantia de escrita. Várias vezes não consigo transformar percepção e sentimento em palavras.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Creio que a ingenuidade com que eu via a palavra. Hoje eu a desnudo
mais, busco mais fundo as significações, as sonoridades, os pesos ou levezas
que podem existir num vocábulo e me sirvo disso como quem procura o melhor alimento para um banquete.
Se pudesse voltar no tempo, tomaria de empréstimo os versos de Drummond: Chega
mais perto e contempla as palavras./ Cada uma/ tem mil faces secretas sob a
face neutra/
e te pergunta, sem interesse pela resposta,/ pobre
ou terrível que lhe deres:/ Trouxeste a chave? // Repara:/ ermas de melodia e
conceito/ elas se refugiaram na noite, as palavras./ Ainda úmidas e impregnadas
de sono,/ rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.” É preciso tempo
para criar a chave e a abertura.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há várias ideias orbitando minha cabeça, mas a correria cotidiana tem sequestrado o tempo para executá-las. Quero seguir conhecendo autoras/es que não li ainda.