Lielson Zeni é editor assistente na DarkSide Books e doutorando na UFRJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
os dois eixos que estruturam o gráfico do meu dia é meu trabalho de editor/revisor e os gatos. acordo normalmente cedo, preparo o café, dou comida pros gatos (e troco a areia dos bichos) e sento pra trabalhar – começo pelas respostas de e-mail, leitura de newsletters e jornais; paro pra almoçar (que eu mesmo faço a maioria das vezes), almoço com minha companheira, e volto pra sessão da tarde. eu trabalho como editor assistente na DarkSide remoto, ou seja, dou plantão por 6 horas diárias na minha casa. entremeio entre esse turno, às vezes antes às vezes depois, leituras gerais de meu interesse, leituras específicas pro doutorado, escrita de artigos acadêmicos, roteiros de quadrinhos, contos (que tenho feito muito pouco, infelizmente) e textos sobre quadrinhos para o Balbúrdia. ainda tento entender como vou fazer com a escrita da tese, quantas horas por dia vou dedicar a ela, se algum dos outros projetos vai ter de parar pra escrevê-la, enfim, quero tornar a escrita da tese rotina. quem sabe assim não aprendo a escrever ficção e ensaio como rotina também (olha, eu duvido, mas não tá morto quem peleia)
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
não apenas para escrita, mas em geral, trabalho melhor pela manhã. acredito que em breve vou me tornar aquele velhote que acorda 5 da manhã, faz café, assa pão de queijo e ouve os grilos da madrugada enquanto caminha pela casa enrolado no cobertor que dormiu.
associo muito os rituais à introdução ou chamado ao sagrado e, como não acho que a escrita que faço seja sagrada de maneira alguma – a considero bastante humana, na real -, por isso, nada de rituais pra mim.
existe, claro, manias: não começo uma peça de ficção sem saber que estilo e que estrutura vou usar; existe, claro, compreensão de como a cabeça funciona: se vou resenhar um livro, é bom esboçar algo próximo ao fim da primeira leitura e deixar fermentar. pode ser necessário reler, comparar, cruzar informações refazer o texto todo, e até às vezes, só colocar as vírgulas no lugar e tudo está correto. mas nada disso é ritual para mim, se trata de compreender o que é mais produtivo e mais satisfatório.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
já escrevi todo dia, com tempo determinado e foi assim que terminei a dissertação de mestrado, eu acordava muito cedo e escrevia até o horário de sair pro trabalho e a leitura do ônibus era algo pra dissertação também. mas era um período de recessão de tempo extremo, pois não podia largar o trabalho e me recusava a largar o mestrado. na mesma época, um pouco antes, escrevi Lado B (uma novelinha ou um contão, ainda não sei bem) e, nesse caso, escrevi muito rápido, em intervalos regulares cada um dos capítulos (cada um é num estilo diferente), mas levei muito tempo pra encontrar a estrutura dele. então, me parece que entrega total, regulação por horas ou meta de palavras/páginas, realmente, vai variar de caso pra caso.
já trabalhei também como roteirista de audiovisual (escrevia videoaula) e ali eu tinha prazos fixos pra acabar o roteiro e nunca atrasei nenhum. por outro lado, jamais consegui acabar qualquer prosa de ficção pra concurso. eu tenho uma vontade de escrita constante, mas nem sempre consigo me organizar pra ela. tenho períodos em que insisto em manter um blog pessoal ativo e com material constante (justamente pra manter a atividade de escrita), com metas de quantidade de texto semanal e tudo, mas geralmente a urgência das obrigações me atropela.
há muito quero começar uma história fascicular via newsletter, por exemplo, mas sei que se não adiantar algo dela antes, vou acabar por não cumprir. e sempre que envolve a expectativa de um além-de-mim, fico preocupado. textos de parceria costumam ter prioridade na minha escala de coisas a fazer, por exemplo.
pra resumir, hoje, enquanto te respondo estas perguntas, penso em um artigo acadêmico pra revista (abri mão de fazer por conta de não me organizar o suficiente), texto de matéria pro Balbúrdia (fiz), essa ideia da newsletter (tenho o argumento principal, mas talvez vire outra formato. coisas aconteceram), um projeto reajustado de doutorado (tenho uma ideia, confio nela, mas pode não dar certo), em voltar a produzir o blog pessoal (temo em não dar conta, por isso não começo – o engraçado, porém, é que ninguém espera por isso), em um roteiro de quadrinhos para revista independente (pronto, revisado e na mão do desenhista), além, de um roteiro de longa audiovisual (que está em longo processo de escrita com um camarada).
esta entrevista, por exemplo, fui respondendo durante um dia e voltei para revisar mais tarde, antes de enviar em vários outros dias. cada vez que sento pra respondê-la, revejo o que escrevi antes e modifico, acrescento, edito. acho que meu método é sempre esse pra tudo. quando o prazo esguelha ou paro de mexer é que cheguei até onde podia.
se você pensar, é estúpido não escrever aos poucos, porque dilui seu problema. se você fizer um parágrafo todo o dia, vai ter 365 parágrafos no final do ano o que já conforma certo volume e até se parece com um livro. sério, gente, um parágrafo, bora? (inclusive, comecei a fazer isso só porque respondia essas perguntas – valeu!)
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
eu só consigo começar se souber qual estilo e estrutura vou usar praquele texto. pode até ser que comece e perceba que aquilo não funciona como deveria e volto tudo pra começar de novo, mas a minha pesquisa corre em duas direções: pesquisa de estilo e forma e pesquisa de tema e cenário. pode até ser que não pesquise pra segunda, quando for algo próximo, mas a primeira é sempre muito longa e bastante prazerosa. pra mim, a redação depois de decidir qual estilo e qual estrutura, é só preencher. porque a escolha de cada frase e cada palavra, coisas que valorizo, são direcionadas por essa estética a priori.
a pesquisa temática, digamos, pode surgir durante a redação. quando eu percebo que quero dizer algo e uma pesquisa sobre aquilo poderia me ajudar, escrevo em CAIXA ALTA PESQUISAR HISTÓRIA DOS QUITUTES CONGELADOS E INCLUIR AQUI. às vezes, eu paro mesmo a escrita e fico na pesquisa dos temas, o que, invariavelmente, me leva a outros rumos para o texto.
é, eu sei é meio uma bagunça minha organização.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
essa talvez seja a questão mais difícil de responder. eu não sei como lido. é um processo maluco em que, algum momento a urgência supera qualquer bloqueio. seja essa urgência um prazo, a expectativa de outra pessoa parceira desse trabalho, seja minha própria culpa em não dar conta. tem um dia que o videogame, as notícias e os filmes podem mesmo esperar que eu termine o que precisa ser escrito.
o medo de não corresponder só me ocorre depois que tudo está pronto. por exemplo, tenho um roteiro de quadrinho longo com desenhista e já sabemos como será lançado e tudo. nesse ponto, eu sinto que tem coisas ali que estão obscuras demais e outras óbvias demais. que perdi a mão desse equilíbrio, que nem todos os diálogos estão tão bons, e tal.
como escrevo também roteiro de cinema e textos acadêmicos, estou acostumado a projetos longos de escrita que sequer veem a luz da produção/publicação. tem dias que te enche, com certeza, que dá vontade de jamais escrever nada desse tipo, até surgir uma ideia, um convite ou mesmo uma necessidade profissional ou acadêmica. e o entendimento que a gente não é tão importante assim, que escrever não te faz melhor que nada, nem pior.
estou fora do chororô romântico do gênio sofrido e também do técnico em escrita que faz tudo com sua cabeça racional. nada disso é muito divertido ou engraçado. não sei porque alguém acha que precisa ser escritor e precisa sofrer pra isso.
a vida é massa, pena que é de verdade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
reviso muito. sou revisor e editor de texto de profissão e não desisto nunca de reler e repensar o texto. aliás, abomino poucas coisas mais do que a noção de que um texto não deve ser revisado ou revisto ou relido por seu autor. essa ideia romântica realmente me irrita e não há texto que não mereça ser revisado ou repensado pelo próprio autor. em textos maiores, costumo, quando volto ao contato com ele, a reler do princípio, pra pegar estilo, ritmo e encadeamento de ideias e já alterar conforme leio, ainda que trocas mínimas de palavras e exclusões de vírgula.
sempre discuto ideias com amigos, além dos textos prontos também. as leituras externas são muito, muito importantes. é questão de perspectiva: ao se estar muito próximo, não há como ver o todo. o que também me leva a sempre ter um revisor que não sou eu pros meus textos, porque, aparentemente, quem escreve não consegue um bom trabalho de revisão em sua própria escrita. é como se você perdesse os óculos pra revisar o próprio texto, não sei o que passa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
tenho cadernos pra anotar ideias e referências, mas, quase sempre, faço tudo no computador. como dedico muito do meu tempo a pensar na estrutura, desenho esses esquemas nos cadernos também. uso os cadernos só se tenho que escrever algo e estou em trânsito, sem computador ou em dificuldade pra usar um, aí, não consigo me adaptar a escrever no celular e prefiro a cadernetinha.
claro que o computador, esse misto de shopping center particular com centro de prazeres diversos pode ser um elemento alienador e te fazer fugir de um texto mais bronca, daqueles que está difícil encontrar a solução. mas aí que tá: procrastinar na internet a escrita de um texto, se não envolver muito tempo, pode ser uma forma de mudar sua paisagem mental e achar soluções pros labirintinhos que tuas palavras construíram. também é uma boa forma de evitar encontrar pessoas e cultivar dores lombares.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
acho que penso em histórias o tempo todo. sério, não sei se é uma espécie de mimesemania que debanda pra witzelsucht por vezes ou um ato consciente de pensar narrativamente tudo. imagino o tempo todo situações que acontecem comigo seriam marcadas como inverossímeis em uma sala de roteiristas (acontece com todo mundo, só testar a percepção).
tenho interesse ativo em histórias e em pontos de vistas diferentes. sempre penso de que outra forma isso poderia ser feito e tal. acho que as ideias que tenho são de uma vontade ativa de ir atrás de algo novo, de fazer um pouquinho diferente, de imitar disfarçando o igual.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
eu diria, sem dúvida: “piá, não se leve tão a sério. deixa o humor te berrar umas coisas; não pense que vai mudar o mundo porque você escreve ou que todo mundo vai se interessar.”
a pretensão reduziu e a insegurança reduziu; tenho menos certezas e mais perguntas; também tenho mais leituras, já vi como escritores já resolveram algumas situações formais, estudei, esqueci, relembrei, esqueci de novo. tá bem mais divertido também. pra mim, pelo menos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
tem um projeto que eu não sei qual é, e ainda não comecei. tão logo eu descubra, ache uma forma e uma graça em fazer, faço.
tento escrever os livros que gostaria de ler. infelizmente, sei todos os truques e só tomo spoiler.
e adoraria ler o livro que o James Joyce faria após o Finegans Wake, mas ele optou por morrer em vez de escrever.