Liana Ferraz é escritora, doutora em Artes da cena pela Unicamp.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho buscado uma relação mais saudável com a manhã. Sempre fui muito notívaga e gosto mais de dormir de dia do que de noite. Tem sido uma grata surpresa acordar cedo e começar o dia com práticas mais introspectivas como leitura, yoga ou caminhada e um café preto sem pressa. Descobri que não consigo trabalhar muito cedo, mas levantar e organizar das 7 às 8:30 para práticas reflexivas tem ajudado muito na criatividade e, consequentemente, na escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu não tenho muito essa, não. Nem tenho escolha. Eu não vivo da escrita, além do fato de ser mãe e curtir muito esse papel da maternidade, gosto de fazer mil coisas ao mesmo tempo. Não consigo organizar nem tempo e nem espaço pra escrita de forma sistematizada e, por isso, nem consigo dizer se trabalho (como escritora) melhor de tarde, de madrugada, de noite, etc. Escrevo quando posso. Escrevo todos os dias textos para outras finalidades que não sejam relacionadas à publicação. Por exemplo, sentar e escrever frases, brincar com palavras, inventar novos significados, rabiscar papel. Isso é compromisso diário. Por outro lado, estou escrevendo um livro novo num formato inédito pra mim, pois não tem nem poemas nem textos muito curtos. São crônicas e contos. Eu trabalho nesse livro o tempo todo…em pensamento. Fico gestando os textos e separo 1 hora em que aviso minha família: não me interrompa por nada, vou escrever. Ponho meus fones de ouvido com música e escrevo. Reviso uma vez. Levanto e sigo o dia. Até engravidar do próximo texto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha meta de escrita diária está em ser lida por uma quantidade x de pessoas. Uso o Instagram pra isso. Se eu consigo atingir tal meta (que é alta, no mínimo 30 mil pessoas) não escrevo nem publico mais e volto para o livro. Se não consigo, escrevo de novo. Eu estou sempre escrevendo um livro. Essa também é outra estratégia. Estou com um pronto inédito e outro quase pronto. Os livros eu escrevo, como disse acima, num fluxo muito rápido depois de muito tempo gestando a obra.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu adoro começar. O papel em branco é meu momento feliz. Não gosto de organização prévia em notas, post its, nada disso. Eu fico com o texto na minha cabeça com todos os riscos que isso tem. Já perdi o sono tentando lembrar uma ideia ótima que tinha tido pra um conto. Será que era ótima mesmo? Acho que não. Ou, se era, voltou em forma de outra coisa, mais complexa e depurada. Não tenho medo de esquecer. Confio mais na minha intuição do que nas anotações. Eu sou atriz e estou em pesquisa o tempo todo. Aprendi que esse estado constante de observação é premissa pra ser artista. Eu pesquiso tudo o tempo todo. Não me movo da pesquisa pra escrita. Eu escrevo pesquisando as possibilidades das palavras, das combinações, da composição, do fluxo sonoro, do ritmo. Não consigo separar uma coisa da outra. Não tenho burocracia nenhuma.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que já me entendi. Se eu travo, começo a rabiscar no papel ou a escrever bobamente um texto qualquer. Criatividade é músculo. Tenho resistência nessa musculatura. Travar é um movimento de ego. Travar o quê? A suposta genialidade? Desaprender a escrever eu não desaprendi, então não tem trava, só escrever desprovida de expectativas. Eu não tenho medo de não corresponder às expectativas até o momento em que vejo meu livro nas mãos de alguém. Aí eu tremo. Mas nem é mais comigo, então…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso uma vez. E depois é que com a revisora. Mostro só pra que vai publicar comigo: editora, revisora, ilustradora.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador! Drive! Nuvem! Eu amo. Meus rascunhos são meus textos, se eu tivesse que passar depois para o computador, perderia o que mais gosto: a voz do texto. Voz é risco. A gente fala e joga pro mundo sem muita chance de revisar. Essa é minha pesquisa. Para o instagram, esse mar tecnológico delirante, eu tenho feito à mão. Aquarelo, escrevo e fotografo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm do fato de que eu não me conformo com a brevidade da vida e com a chatice da gente ter que ser uma só pessoa. Pra me manter criativa: ler muito e não ir enferrujando achando que “no meu tempo…”. Amo literatura contemporânea, amo ouvir e dançar músicas que estão aí sendo atacadas pela arrogância do erudito-bolha. Eu tenho uma playlist que tem Mozart e Pabllo Vitar. Me sinto inspirada. E cada texto vai ter uma paleta, um ritmo, uma sonoridade. Não quero negar a vida pra escrever. Eu gosto, faz parte de mim e ótimo!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não ouça homens pedantes. Eles não sabem de nada do que você busca. Ouça suas amigas e amigos de 16 anos. Você não está escrevendo para um “passado de glória”.
Acho que é isso que mudou: escrevo hoje, para hoje.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não tenho nenhum projeto que eu ainda não tenha começado. Mas tenho os que ainda não deram certo (rs). Meu maior projeto é ser publicada por uma editora com alcance nacional e poder ser lida por pessoas que não me leram ainda. Esse projeto tá em andamento e vai acontecer em breve.
Acho que todos os livros já existem. Mas talvez estejam guardados nas gavetinhas. Eu quero ler os livros das gavetas das mulheres.