Como eu escrevo

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Como escreve Lia T. Medeiros

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Lia T. Medeiros é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Gosto de começar o dia lavando meu rosto e tomando um bom banho, só após isso sinto que pude começar com o pé direito. Logo após eu desço para tomar café da manhã, e assim os meus rituais estão completos. Fora isso eu não tenho uma rotina matinal, sigo muito de acordo com o que eu sentir que devo fazer. Seja escrever, desenhar, fazer um pouco de exercício ou até mesmo procrastinar, afinal, procrastinar também faz parte dos processos criativos, infeliz ou felizmente. Acho que também é importante reconhecer limites e se dar um tempo para descansar, longe dos projetos, mas depois de um tempo a gente tem que parar de empurrar as coisas com a barriga e colocar a mão na massa.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Costumo escrever pela manhã. É a hora do dia que me sinto mais bem disposta, e normalmente deixo meus outros afazeres do dia para a parte da tarde. Eu estudo e danço à noite, então é um período em que não tenho muito tempo livre. Por isso a manhã quase sempre é a melhor amiga da minha escrita. Antes de começar a escrever, eu normalmente leio o que escrevi nos últimos dias, na verdade passo mais tempo nisso do que gostaria de admitir, rindo e me divertindo com meus próprios personagens. Acho que se me sinto cativada pela minha própria escrita é um bom sinal. Algo importante na preparação é estar sentada com as costas retas, eu tenho buscado manter uma boa postura, o que é um pouco difícil ao trabalhar na frente do computador.

Normalmente costumo escrever enquanto ouço algum vídeo no youtube ou uma série, deixo-os tocando de fundo, de forma a não me sentir tão sozinha no ambiente. Isso me ajuda a estar mais imersa na minha escrita, embora eu acredite que deveria ter o efeito contrário. Não consigo escrever ouvindo música, por exemplo, porque começo a divagar e imaginar novas histórias. A música tem boa parte no meu processo de criar histórias, já que a maioria das cenas de meus livros surge nos momentos em que estou caminhando na rua ou no ônibus e escutando minhas musicas favoritas, mas na hora de escrever ela me deixa dispersa e sinto mais vontade de dançar e imaginar coisas novas do que de escrever.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Eu me esforço muito para escrever todos os dias. Para me manter mais produtiva eu criei metas diárias de palavras: Todos os dias devo escrever no mínimo 500 palavras, e sempre documento meu progresso no instagram. Tive essa ideia de documentar inspirada pela minha amiga, Raquel Soares, que criou o ´´diário de escrita“, uma série de vlogs no seu canal no youtube (Palavras Salgadas, se alguém quiser dar uma olhadinha). Vendo essa ideia dela, criei meu próprio diário de escrita, e ouso dizer que muitas pessoas me elogiam pela minha produtividade e dizem se sentir inspiradas a escrever. Eu me orgulho bastante disso, e espero sempre inspirar pessoas a serem criativas e a escreverem; afinal, a escrita é o que eu mais amo fazer.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Meu processo de escrita é um tanto incomum, e algumas pessoas podem torcer o nariz para ele, mas eu acredito que é o que funcione melhor pra mim. Tenho quatro livros em andamento, e, veja bem, eu me sinto culpada se deixar um deles de lado. Por isso eu criei uma espécie de rodizio que faço entre os quatro. Cada semana me foco em um deles, trabalhando com as minhas metas de palavras diárias. E para mim isso funciona, todos eles tem seu avanço e sempre estou inspirada, pois variar entre os quatro universos me dá tempo para descansar de cada uma das histórias e ter ideias novas.

Quando eu escrevi minha novela de estréia, ´´O florescer dos imortais“, eu trabalhava um pouco diferente, pois estava escrevendo com o auxílio de um de meus professores da faculdade, Luís Antônio de Assis Brasil, e toda a semana eu terminava um capítulo e levava para ele ler e me dar sua opinião. Acho que isso quer dizer que também trabalho bem com prazos, pois isso me ajudou a escrever a novela em menos de um ano. Algumas pessoas me acham um monstro, eu escrevo bastante e muito rápido, mas é que escrever histórias pra mim é costume de uma vida inteira.

Sobre a pesquisa, quando eu preciso necessariamente estudar um tema para escrever uma nova história, eu pesquiso antes de começar a escrita, seja na internet ou em livros. Uma de minhas histórias se passa em um antigo manicômio, por isso fiz uma longa pesquisa repleta de anotações antes de começar a escrevê-la. Eu costumo anotar tudo o que quero que aconteça na história antes de escrever, faço isso normalmente manualmente em algum caderno. Uma curiosidade é que imagino sempre claramente o inicio e o fim da história, mas o meio surge espontaneamente enquanto escrevo. Eu não sou nada pragmática quando se trata da escrita, deixo tudo fluir muito de acordo com como me sinto e com como acho que os personagens se sentiriam. Digo que sou fiel às minhas criações por causa disso. Há quem banalize os processos espontâneos na escrita, mas eu acredito de certa forma que toda a criatividade é espontânea. E que tudo bem deixar fluir, assim como tudo bem ser pragmático. Não tem certo ou errado no criar, você apenas cria.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Acho que a procrastinação faz parte, mas que quando você procrastina mais do que trabalha, há um problema. Eu evito a procrastinação mantendo minha rotina e minhas metas de palavras diárias. E isso tem funcionado por muito tempo. Reconheço também que eu sou privilegiada, porque quase nunca tenho bloqueios criativos. A rotina que mantenho me permite descansar e amadurecer ideias sempre, e isso é ótimo pro meu processo de escrita.

Sobre expectativas, eu penso que escrevo mais para mim do que para os outros, mas que o importante é tocar pessoas, e ajudar elas de alguma forma. A arte existe pra tornar a vida mais leve, pra afastar o desespero e a tristeza do mundo. Enquanto eu amar escrever, vou continuar, e mesmo que não me torne a maior escritora do mundo, eu reconheço que já estou realizando meu sonho só por ter a oportunidade de publicar o que escrevo. Enquanto eu amar escrever, sei que minhas palavras vão chegar ao coração de outras pessoas, e isso é tudo pra mim, por isso eu procuro não pensar se estou correspondendo às expectativas e nesse tipo de coisa. Isso só faz mal e não contribui em nada. Nem todos tem essa facilidade que eu tenho, mas a minha dica é procurar pensar em quantos leitores já foram tocados pelo que você escreveu, no quanto você cresceu desde que começou, e buscar continuar olhando para isso.

Sobre a ansiedade de fazer trabalhos longos, ela as vezes ainda me pega. Um de meus livros eu comecei a escrever muito nova, e por me sentir ansiosa acabei o reescrevendo umas nove vezes, pois nunca achava que estava bom o suficiente. Ainda estou aprendendo a desencanar disso, eu consegui finalizar esse livro e o publicarei em breve. Tento não trazer a tona esse hábito de evitar terminar minhas criações, mas ainda é difícil.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Eu costumo reescrever muita coisa que eu escrevo, o que eu acredito que é uma forma de revisão. Mas revisar mesmo acredito que faço duas ou três vezes bem atentamente. Costumo mostrar o que escrevo sempre pro meu namorado, que me ajuda dando sua opinião. Raramente eu mostro para outras pessoas.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Eu sempre tive o costume de escrever à mão e meus primeiros rascunhos normalmente são assim. Só agora estou começando a me familiarizar mais em escrever direto no computador, mas não dispenso meus cadernos, acho bem mais confortável começar por eles. Já escrevi livros inteiros apenas à mão e confesso que passar tudo a limpo depois foi um trabalho bem difícil. Mas me ajudou a revisar e isso facilitou muito o meu trabalho.

Os textos que posto no instagram normalmente surgem nas notas do celular, pois sempre o tenho a mão e isso me permite anotar as ideias bem rápido, e deixar amadurecendo aos poucos. Eu levo dias pra finalizar um texto, pois as vezes começo e a ideia não flui, vai fluindo com o passar dos dias.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Acho que eu sempre fui muito criativa e por isso me acostumei a viver dessa forma e criando, as ideias surgem em todos os momentos e de forma muito aleatória, eu posso criar uma história inteira a partir de uma única frase ou escutando música no ônibus indo para a faculdade. Falando em faculdade, eu estudo Escrita Criativa na PUCRS, e esse curso foi um grande fator para me fazer sair da minha zona de conforto na escrita, o que me ajudou a criar muito mais coisas. Muitas histórias surgiram de exercícios de aula e eu acho que é justamente uma boa maneira de se manter criativo: Exercitar, buscar coisas novas e inspirações novas sempre, estudar outros autores e seus processos e ver o que melhor se aplica para nós.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Eu amadureci muito a minha escrita ao longo dos anos e enquanto crescia, mas o fundamental para as maiores diferenças de fato se deu por eu estudar e sempre ter contato com a escrita, fosse na faculdade ou fosse lendo novos livros. Ler é uma parte muito importante de ser um escritor, afinal todo livro é um objeto de estudo para nós. Eu acho isso indispensável.

Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, eu não mudaria nada, pois acho que é tudo parte do processo. Se eu os escrevi foi para que pudesse chegar onde estou hoje. Eu diria para seguir em frente e para não desistir. Diria à pequena Lia ´´Ei, eu não me esqueci de você, você vai sim realizar o seu sonho e a vida vai ser bem melhor do que é agora.“. Esse é o meu sonho, e por ele eu faria tudo de novo.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Gostaria de terminar meu projeto principal, que é uma trilogia de fantasia. O primeiro livro foi finalizado esse ano, mas ainda estou com dificuldades em começar o segundo. Eu espero conseguir ver esses três livros prontos em breve, pois além de trazerem um protagonista bipolar como eu, coisa que nunca vi, abordam muitas outras questões sensíveis que também considero importantes. Gostaria de mais livros sensíveis dessa forma, e acredito poder criar alguns deles, ajudando pessoas a entenderem mais questões sobre saúde mental e transtornos de humor. Se eu tivesse lido um personagem bipolar quando criança, tenho certeza que não teria me sentido tão anormal minha vida toda, queria ter tido esse acolhimento. Espero poder fazer esse papel por outras pessoas, sejam elas já adultas ou crianças.

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    José Nunes é editor da Colenda.

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