Leticia Wierzchowski é escritora.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Ter vários projetos não é uma questão de preferência – é mais necessidade. Quando você vive da palavra – ou seja, não tem um salário fixo – fica difícil negar um trabalho, como será o amanhã? Então, eventualmente, estou sim equilibrando vários projetos. Geralmente, isso me deixa animada e consigo dividir bem meu tempo. E meu tempo sempre é divivido entre a minha ficção, as aulas e os outros projetos.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Falando de literatura, eu costumo organizar um pouco as ideias antes de escrever. Acredito – aprendi isso com o tempo – que as histórias nos ensinam a contá-las, portanto é preciso velar, observar, estar atendo à história e aos personagens antes de começar a escrever. Romances históricos eu geralmente pesquiso bastante antes de começar, por motivos óbvios. Organizo as pesquisas e documentos para depois poder acessá-los com mais facilidade e, quando tenho a história e o contexto histórico claros em mim, finalmente começo a escrever.
Olha, sobre a segunda pergunta – para mim, sem dúvida, a primeira página é a mais difícil de todas. Aos poucos, você avança e passa a arrebentação, então a história começa a fluir.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu sigo uma rotina – separo sempre uma parte do meu dia para o romance em andamento, e divido este tempo em três: revisão, escrita e preparação das cenas que farei no dia seguinte. E eu preciso sim de silêncio. Posso escrever com quase nada, mas não prescindo de uma porta fechada.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Depois de 32 livros publicados – e alguns na gaveta – você aprende a lidar com as dificuldades. Eu gosto de escrever ficção, amo mesmo – a procrastinação, neste caso, nem existe porque escrevo com vontade quando tenho uma história nas mãos. E sobre travar, sobre estiagem criativa, aprendi que organizar sempre o que farei amanhã é um modo de não travar. Quando você não sabe o que vai escrever, é como se jogar de um penhasco todo o dia sem paraquedas. Eu resolvi isso com planejamento cotidiano.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Eu tenho alguns orgulhos pessoais, mas claro que cada livro representa uma parte de mim, do tempo em que foi escrito e de quem eu era naquele tempo. O livro mais trabalhoso que já fiz foi, sem dúvida, Uma ponte para Terebin, no qual reconstituo a história da minha família na Polônia ocupada pelo Reich e a história do meu avô, que imigrou pro Brasil em 1934, e depois lutou com a Primeira Divisão Blindada Polonesa na campanha europeia que começou com o desembarque da Normandia. Foi uma trabalheira, pesquisas em várias linguas, tive de contratar tradutores. Mas também foi um orgulho – deixo para as próximas gerações da minha família um testemunho do passado que os construiu. Também tive orgulho de mostrar a atuação dos poloneses na guerra, que é pouco conhecida na América.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Os temas surgem, às vezes até mesmo por necessidade pessoal. Quando escrevi Travessia, a história de Garibaldi e Anita (me orgulho muito deste livro) eu estava mesmo precisando de coragem para recomeçar a vida após o divórcio de um longo casamento – bem, encontrei esta coragem no convívio cotidiano com Anita e Giuseppe.
Sobre a segunda pergunta – eu acredito, como diz Pamuk, que o escritor deve ter duas personas dentro de si: uma movida pelo fogo da inspiração; outra, mais cerebral, que analisa a história e sua construção, este seria o leitor ideal que me habita e puxa a minha orelha quando escrevo mal, quando não sou clara ou não dou pistas suficientes para que o que desejo criar possa ser criado pelo leitor.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu não sou tímida com aquilo que está em andamento – mostro muito pequenos trechos para os meus alunos, às vezes até para ensinar como solucionar um problema ou outro. Escrever é como jogar xadrez com você mesmo. Sobre meus leitores primeiros, isso depende da história. Escolho-os conforme o romance– se eu tiver um personagem advogado, peço para um amigo da área ler o livro. Mas sempre escolho 3 pessoas e, se 2 apontarem a mesma questão, sei que tenho um problema para resolver.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Lembro perfeitamente – eu tinha uma confecção, todos já tinham ido pra casa e precisava esperar uma vendedora, que sequer apareceu. Mas a espera me levou a colocar uma folha na máquina de escrever e começar uma história. Naturalmente, eu teria lido um romance, mas aquele dia deixara o meu sobre a cama na pressa de sair.
Foi uma epifania – fazer roupas para quê? Eu podia criar uma pessoa, uma cidade, um mundo? Nunca mais parei. Virou um objetivo de vida. E, olhe, ouvi muitas coisas no começo – sabia que era um árduo caminho, mas não me arrrependo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Acho curioso você perguntar se uma autora me influenciou – e não um autor, no genérico. Eu não acredito em literatura de gênero. Estilo próprio é uma caminhada, evidentemente, mas eu sempre fiz isso com muita alegria, eu sempre amei escrever histórias, fazer ficção. Não foi sofrido. E os autores que me inspiraram lá no começo eram todos homens, veja só – literatura não tem sexo. Posso citar o Tabajara Ruas, que, além de baita escritor, foi um bom amigo que me aconselhou muito no começo. Aprendi com o Assis Brasil. E depois foram as muitas leituras – todas soltas, eu vivia enfiada em bibliotecas lendo o que me desse na veneta. Essa liberdade de escrever/ler o que eu quero é que me seduz e me insufla vida todos os dias.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Shalimar, o equilibrista, do Salman Rusdhie, é um dos livros que mais recomendo ultimamente.