Letícia Torres é poeta.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordar. Essa é a hora mais desafiadora do dia, o que imagino precisar fazer se empilha em minha cabeça quase a me paralisar. Penso inclusive que essa longuíssima lista de afazeres se sustenta na forma como uma mulher é programada (uma boa estratégia para nos prender) – passamos pelos cômodos da casa escorregando a mão sobre a poeira enquanto decidimos o que será cozido e como pagaremos a hora que faltou trabalhar. Então prefiro acordar sozinha e para não sucumbir, vou à cafeína + música instrumental. A música é o que tenho de convicto em minha rotina.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Após esse delicado momento de retorno ao mundo, começo a trabalhar no que estiver em pauta – e produzo melhor embaixo do sol, gosto da luz do dia para ampliar o que sinto. Não marco encontro com a escrita, repito hábitos para sanar as perdas, sequer pressinto quando meus melhores textos chegarão, aliás, gosto das palavras que ladeiam o sono, as que vêm antes ou depois do adormecer/acordar, naquele transe onde se deixa um pouco de si – por isso perco-as com frequência. Esqueço as palavras. Sou escritora porque esqueço as palavras.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Corto alho, escolho cajus, falsifico amores escrevendo. Penduro roupas, refaço famílias, encho pneus escrevendo. Corto poemas, desço escadas, mudo a temperatura do chuveiro escrevendo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Basta papel, lápis e espanto. Escrevo para ser absolvida por mim mesma, então é um processo sem começo, meio ou fim. A poesia me comunica com o que há de mais estranho, é o movimento que traz isso. A ideia pode surgir a partir da dificuldade, do impedimento que os relacionamentos – e a falta deles – nos dá, da maneira como a minha inadequação dialoga com o mundo, do que não aconteceu.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não temo a procrastinação porque escrever é minha latência. Tampouco tenho pressa para publicar, ou melhor, não tinha. O hoje nos impele à urgência, há uma imprensa em nossas mãos aberta por 24h.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso os meus textos mil vezes antes de liberá-los e depois, quando posso editá-los, vou apurando – mexo ainda quente, depois constato que não são mais meus (se é que um dia foram). Troco pensamentos em ritmo diário com a poeta Eveline Sin (@eveline_sin) e quando tenho dúvidas sobre algum trecho, é a ela que recorro – juntas temos três projetos lindos e secretos, no tempo de um feixe de luz há de sair.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto de escrever à mão com canetas porosas pretas e em papéis sem pauta (para achar o que está nas entrelinhas). Contudo tento me adaptar cada vez mais aos dispositivos eletrônicos, pois costumava não ir além da gaveta de letras abandonadas, como se uma vez sentidas as palavras já tivessem cumprido o seu papel. Apreender os pensamentos, e estudar métodos para isso, tem sido um processo minucioso – me aprofundar no que não está acontecendo “agora” em meu coração sempre foi disputa com o mundo. Tenho cegueira para futuros, quero o momento onde começo a me apaixonar, a antecedência anunciada pelo que ainda não sei entender. E depois quero o próximo antes.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias vêm do que não consigo alcançar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando comecei a escrever fazia muitas perguntas, percebo que agora as mantenho num feitio mais resignado, porém continuam lá. Toda palavra é um pedido.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou ansiosa para ler um livro de poesias que sairá em breve pelo selo editorial @do_burro (vulgo @danielminchoni) chamado CRAVO. Procurem saber <3.