Letícia Simões é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Estou respondendo a esse questionário em meio ao período da pandemia. Isso alterou de tal forma isso ao qual chamamos vida que sequer tenho lembranças da minha rotina anterior. Aliás: meu cotidiano da prévia vida era muito pautado pela espécie de trabalho ao qual eu estava dedicada no momento. Se fosse um trabalho no audiovisual em que precisasse sair de casa, as manhãs eram reservadas para ler, caminhar, meditar. Pelo resto do dia, eu estava trancada em um escritório. Se eu estivesse trabalhando em casa, digamos, com um roteiro, prefiro usar a manhã para despertar e cair diante do computador. Escrever pela manhã é sempre melhor, para mim.
Contudo, diante do isolamento social, aprendi a conviver com o dilema da noite, quando o peso de decisões passadas e futuras se acomodam sobre os ombros. A minha forma de lidar foi preenchendo-a de dilemas: uso as tardes e noites para trabalhar, seja escrevendo, seja filmando, seja montando. As manhãs estão reservadas para atiçar o corpo e a mente. Gosto muito de preparar o meu café da manhã: sinto-me útil, para além do trabalho. Movo as mãos para além de um teclado. É importante.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Antigamente, costumava escrever melhor pelas manhãs, inclusive em horários bem tempranos – como o início do dia. Silêncio, acompanhar mais uma volta do planeta: tudo isso ativa meu cérebro. Atualmente, me disciplinei para escrever à tarde e à noite, justamente para não enlouquecer. Meu ritual é olhar para o bloco de notas vazio e saber que preciso preenchê-lo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Períodos concentrados. Deveria ter uma meta e deveria escrever um pouco todos os dias. Contudo, equilibrar igualmente as porções do cérebro divididas entre trabalhar com escrita audiovisual e escrita literária se tem mostrado um pouco difícil.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu adoro notas, sou fascinada por notas e as venero como parte fundamental do processo de escrita. Observar e anotar. Sou fanática pelo bloco de notas do computador, onde anoto tudo o que ouço, que leio, que canto. Uma idéia. Um sonho. Enfim. Anotar também é escrever; portanto, passar de um a outro me parece, efetivamente, o verdadeiro processo da escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Formas de forçar a escrita: ler. Ler muito, ler sempre. Ir atrás de oficinas de poesia, em que você seja obrigado a escrever semanalmente para entregar algo. O impulso de escrever para outras pessoas, saber que elas irão lê-las. Eu mantenho um projeto há 7 anos chamado “O Diário”, em que escrevo para um grupo de pessoas (começou com 13, hoje estamos em 55) acerca do andar da carruagem comezinha. Apenas essa obrigação já me faz observar o mundo de dedos mais atentos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Anos, anos a fio. Costumo dizer que eu preciso amadurecer para alcançar os poemas; os anos precisam caminhar para chegar até o sentido exato das palavras. Pouquíssimas vezes eu mostro durante o processo de amadurecimento; quando começo a ter passos de certeza, começam os testes.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O que houver à mão. Computador, telefone, papel e caneta, verso de livro, guardanapo, palma da mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
A observação do mundo e suas pessoas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo dos anos, fui tomando maior consciência do ato de escrever: os dedos que tocam um teclado ou seguram uma caneta e formam palavras. A consciência das palavras em si, seus significados tantos e a proposta de distorcer esses significados, às vezes. Esse processo de tomada de consciência pode ser aterrador, por vezes. Mais nova, o impulso dominava a tudo: era uma constante sensação de busca, busca, busca pela escrita. Busca em todos os lugares e por muitas formas. Sinto falta disso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Há tantos livros para ler, ainda…! Minha existência é ínfima diante de tantos que ainda desejo ler e todos aquele que desejo reler. Tenho um livro de poemas a terminar, o qual estou escrevendo há 7 anos (sim, ele sai esse ano, sim…!!!) e um romance também iniciado, com partes escritas em quatro cantos do mundo. Existirá. Em algum plano.