Letícia Copatti Dogenski é gaúcha, dentista, autora das novelas Onde as Nuvens Fazem Sombra, A Última Rosa do Verão e do livro de contos Previsões de Mau Signo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Ah, meu sonho! A manhã sempre foi a minha hora preferida do dia, e por isso está entre as minhas metas mais curiosas para o futuro ter uma rotina matinal. É quando se aproveita o mais gelado do inverno no Sul, da maneira que eu gosto, e quando o calor do verão ainda é brando e alivia minha dificuldade com altas temperaturas. A manhã é a dádiva do dia, da qual eu não tenho tirado nem um tiquinho de proveito. Já acordo na ânsia de evitar atrasos, me apronto para a aula do mestrado, adianto trabalhos ou qualquer coisa que esteja na espera, às vezes sequer abrindo as janelas para não me desviar dos males necessários. Alguma manhã que tenho livre me permito o sono sem hora.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho no início da noite, mas acredito que seja apenas costume. Criei o hábito de escrever nas horas mais tranquilas do fim do dia, o que se tornou uma vontade pontual: vêm sempre por volta das 20h e não exige coisa alguma que seja. É claro que um sofá confortável e uma almofada para pôr as costas sempre ajudam. E silêncio, preciso de quietude para que os pensamentos fluam sem tropeços.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Respeito minha escrita dentro da sua própria liberdade. Só exijo dela que seja pontual e ela obedece como digna cria da minha organização. Foi quando me convenci do empreendimento que é escrever com regularidade que fui capaz de entender meus erros e acertos, fazendo de cada dia de trabalho um exercício e uma lição. Só não coloco metas porque elas me angustiam e acabam desviando meu foco. Se, apesar de meus esforços, for capaz de escrever apenas dois bons parágrafos num dia, aceito e tento ficar satisfeita. Sei que noutro momento, se necessário, posso compensar. O ritmo se dá conforme o dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever é um alívio, desde que eu já conheça toda a história em todos os seus pormenores. Não ouso começar a escrever sem saber onde quero chegar e quais caminhos precisarei seguir. Uma narrativa que eu escrevo em poucos meses é a florada de uma semente enterrada há tempos, regada todos os dias, analisada desde o primeiro broto com toda a paciência. Tento pensar no que desejo para a história: o início de forma que revele minhas intenções, o meio e os enredos que necessito desenvolver para encontrar um final onde tudo se encaixe ou explique; mantenho uma página no bloco de notas do celular com as ideias que surgem com o tempo e acrescem as que já existem; desenho árvores genealógicas das famílias dos personagens, elaborando características que os tornem mais autênticos. Assim, no momento de dar início à escrita, só deixo que a coisa flua: tudo já está determinado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Uma frase longa, um parágrafo ou dois, uma página. Qualquer coisa que me permita manter o hábito e os pensamentos ativos à história é uma tarefa proveitosa. Faço todo o esforço possível para não cair na falácia da preguiça, que tenta me passar a perna sempre. Mas se por algum motivo não consigo prosseguir trabalhando por muito tempo, também não me obrigo. Aproveito o momento para revisar minhas últimas páginas escritas e planejar as próximas. Gosto muito de trabalhar em projetos longos, pois eles mantêm a constância desse momento tão necessário do meu dia. Nesse esquema costumeiro estou sempre ciente dos meus intentos na história e das minhas palavras, acredito no que estou fazendo. Críticas e elogios são consequências intrínsecas ao processo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Gosto tanto do período de revisão que faço e refaço e começo e recomeço e não sei dizer quantas vezes o processo se dá. São incontáveis. Para mim, é como lapidar uma pedra bruta, talhar o texto, esculpir, leva tempo. Gosto de me demorar, deixar o pensamento descansar e amadurecer, ler de novo quando os vícios já foram esquecidos. Assim, algo que não se via com clareza na primeira revisão, se sobressai nas próximas; frases que pareciam muito boas no princípio pedem uma alteração mais tarde.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
As anotações sobre o enredo, o lugar, o tempo, os personagens, as ideias soltas que se assomam um pouco aqui e um pouco acolá, escrevo à mão onde for possível, ou no celular, já que está sempre por perto. Quando findo o delinear da história, reúno todas as notas e faço um roteiro bem detalhado em um arquivo do Word para manter tudo organizado e para conduzir o desenvolvimento e até as algumas mudanças que podem ocorrer através do período de escrita. Gosto de escrever no computador por puro conforto, do corpo e do ir e vir dentro da história.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas histórias são um apanhado da infância e das estranhezas do cotidiano. Nasci e cresci numa cidade de aproximadamente 15mil habitantes, dessas em que todos se conhecem, os causos seguem seu acaso de verter de boca em boca, sendo aumentados em cada uma, as lendas são conversas comuns do cotidiano. Minhas memórias da infância são muito presentes nas minhas histórias, o que me é uma forma de evocar esse tempo em que a imaginação fazia de tudo fantástico. A própria vida é um antro de ideias. As vivências, as ocorrências, o que se vê no dia-a-dia quando se está alerta. Estar atenta ao meio faz muito bem à criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Dizem que sou a paciência encarnada e, apesar de ela ser mesmo um signo que eu carrego, precisei de tempo para entendê-la e aplica-la. Se pudesse me dar um conselho, seria bem esse: exercitar a paciência, ter calma, não se render a pressa. Atropelar as pedras só te faz machucar os próprios pés e, já dizia o poeta, a tartaruga conhece melhor o caminho do que a lebre. A ânsia de chegar ao fim das histórias sempre me atrapalhou. Aproveitar cada fase de seu desenvolver é o que mais e agrada e beneficia agora.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho algumas pastas salvas com arquivos do Word nomeados com títulos provisórios, esperando para serem preenchidas com as ideias que eu guardo na esperança de “quem sabe um dia”. São sementes, como disse, aguardando a florada. Muitas podem não vingar, mas tem sempre aquela que dá flor. É por elas que espero.