Leonel Delalana Júnior é autor de “Uns prosaicos, outros nem tanto”.
Antes de começar preciso avisar ao incauto leitor, que sofro de paradoxos, de tautologias inerentes e de uma prolixidade intratável (tarja preta ajuda, às vezes, um pranayama, depende do dia). No entanto hoje, prometo me ater às perguntas, até por não ter o talento para tergiversar tão brilhantemente – e ainda assim dizer tudo e um pouco mais – como Tarso de Melo e Heitor Ferraz fizeram quando passaram por aqui.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, bem cedo, muito cedo, cedo mesmo, como diz um amigo “na hora que o condenado vai pra forca”. De segunda à sexta deixo meu filho na escola às 6:35, em seguida minha esposa no trabalho e rumo para o Matadouro das Almas (onde ganho meu pão). Sábados, domingos e feriados, no entanto, levanto um pouco mais tarde e na medida do possível tento correr para o meu “escritorinho-biblioteca” – que nada mais é que um quarto extra da casa transformado nesse canto desejado – para dar prosseguimento aos meus projetos e leituras.
Cara, eu amo quando na inutilidade dos dias úteis ou na quimera dos fins de semana desperto insone lá pelas 3 da manhã, levanto sem resistência, sem corda no pescoço, e corro, posso até dizer: feliz, ao meu canto desejado para aproveitar as primeiras horas do meu dia. Mas isso é contingência, não rotina.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não. Não tenho ritual algum. E a melhor hora para mim sempre são as primeiras horas do dia. Mas como disse, nem sempre é possível. Pensando bem, tenho um ritual sim, na verdade, uma vigília constante da minha eterna preguiça, esse é um rito estabelecido que me chacoalha e me faz sentar a bunda na cadeira na primeira oportunidade. Se bem que, às vezes, o saboto. Mas no geral, levo muito a sério as palavras de Piglia:“É preciso vencer a inércia, sentar à mesa e escrever. Isso é tudo, um movimento puro do corpo, uma intenção sem objetivo claro nem forma prévia.”
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Não tenho meta alguma. Vou escrevendo. Há dias que escrevo mais, dias que escrevo menos e dias que não escrevo nada. Tenho uma caderneta que anda comigo pra baixo e pra cima, ali vou fazendo minhas anotações. Na verdade, sou muito indisciplinado, vivo abandonando e retomando projetos o tempo todo. Troco facilmente tudo por uma boa mesa e copos. Tenho um ritmo caymminiano de ser. Também levo muito a sério as palavras de Dorival: “Minha preguiça é necessária.”
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo é a lida diária, no sentido da vida em permanente combustão, em permanente construção e desconstrução do vir-a-ser. Reflexões e devaneios que vão para papéis avulsos, cadernetas, computador, celular e espaço. A escrita da poesia em particular, que é o meu caso, é caminho longo, de esquecimentos e redescobertas, sem pressa, tanto é assim, que o meu primeiro livro mesmo (sem contar algumas poucas e esparsas publicações em sites literários) “Uns prosaicos, outros nem tanto” saiu no semestre passado pela editora Patuá pelas mãos daquele rapaz quixotesco o tal de Eduardo Lacerda. O segundo “O anzol em águas revoltas” deverá sair logo mais, e tenho um terceiro e um quarto prontinhos, frutos do tempo e do vagar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ah, temos um sabotador dentro da gente, né? Procuro não dar muita atenção a ele não.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Infinitas vezes. Tenho o hábito de esquecê-los e voltar a eles, esquecê-los e voltar, esquecê-los e…
Sim, perturbo alguns poucos amigos. Mesmo não gostando muito de mostrar, eu mostro. O olhar do outro pode desnudar, pode tirar alguns véus. E quando isso acontece, o mostrar valeu a pena. Isso não quer dizer que não colocarei os véus de volta, talvez, acrescente outros. Isso não quer dizer que colocarei os véus de volta, Talvez, arranque a pele de vez. Ou deixe tudo intacto, nada faça.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Das duas maneiras. Antes eram em insanos papeizinhos avulsos, que depois eu saía catando em gavetas, no meio dos livros, bolsos, bolsas e cantos obscuros para transcrevê-los para o computador, correndo o risco de perder o que produzia, pois sempre fui uma negação para backups, um desleixo total. Mas, acreditem, descobri, recentemente, o Google Docs! Agora faço tudo nesta plataforma. Venho também adquirindo o hábito de gravar os poemas no gravador de áudio do celular, é um movimento interessante para descobrir cacofonias, tanto para extirpá-las ou potencializá-las. Como vê, não é só o ritmo que é caymminiano, a pessoa também é meio neanderthalensis.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sei lá eu!… dos pensamentos que as leituras (de livros e do mundo) suscitam em mim e de imagens. Fragmentos de uma imagem, por exemplo, podem deflagrar devaneios interessantes, o que me leva ao desafio de conectá-los, materializá-los na escrita. Imagem que pode ser uma palavra, um pensamento, uma cena, uma vírgula, uma pedra, um vaso, um vasto horizonte, um sonho, um estilhaço.
O conjunto de hábitos a que você se refere, para mim é o próprio estilo de vida, ou seja, no meu caso, filmes, livros, peças de teatros, enfim, arte em geral, uma boa mesa e copos e o desejado ócio.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Posso dizer que hoje tenho mais foco. Sempre fui muito disperso, ainda sou, mas melhorei consideravelmente. Creio que daqui uns 20 anos, aos 70, serei um Emilio Renzi aos 18.
O que eu diria a mim mesmo se pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos? Bem… estaríamos voltando à adolescência, né? Entonces…
– Garoto, menos cannabis e mais literatura, e não case tão jovem e não trabalhe em outra área que não seja a área da literatura, foque nisso, fuja dos matadouros de almas!
Não diria isso com ressentimentos e nem vai aqui arrependimentos, enfim, somos nossas experiências vividas, não? Mas a pergunta capciosa (rs) nos envolve na masturbação do “se pudesse”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não tenho nenhum projeto futuro. O que tenho está em andamento.
Caracas, não darei conta dos que existem! São tantos livros para tão pouca vida. Tanta vida para tão pouco tempo.
A impressão é que tudo já foi escrito. Em poesia, por exemplo, o que fazer depois do encapetado Drummond (entre tantos outros)? E a gente ainda tem a desfaçatez de escrever?