Leonardo Valente é escritor, jornalista, professor de Relações Internacionais e diretor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Antes da pandemia, a manhã era o período que tirava para mim, o que pretendo voltar a fazer quando todo esse pesadelo acabar. Tomava meu café em um café de rua próximo de minha casa, em Niterói. Era o tempo em que organizava as minhas ideias, as estruturas do que estou escrevendo, revisava alguns textos, conversava com meu editor, lia os jornais e via o impacto de algumas publicações nas redes. Era também o momento em que muitas ideias e soluções apareciam. Em seguida, partia para a academia para fazer exercícios físicos. Parece estranho, mas na solidão do exercício, tudo o que refletia no café continuava a ser processado, e muitas outras ideias, inclusive de novos livros, surgiam e ainda surgem durante a atividade física. Penso de forma criativa o dia inteiro, já acordei várias vezes no meio da noite para anotar ideias que tive durante o sono, mas pela manhã, no café, durante os exercícios físicos e durante o banho é que as ideias e soluções surgem com maior frequência.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou predominantemente diurno, funciono muito bem escrevendo durante a tarde e à noite, mas não até muito tarde. Não tenho rituais, mas quando sento para escrever já sei exatamente o que vou fazer e como vou fazer. Se não sei, prefiro não começar e fazer alguma outra coisa até as ideias ficarem mais claras. Quando não estou na universidade, sou professor, chegou a escrever das 13h às 22h ou 23h, só parando para um lanche. Como trabalhei em redação de jornal durante muito tempo, um lugar muito barulhento, aprendi a me concentrar e a escrever nos lugares mais inóspitos. Se tenho uma ideia e não tenho um computador na hora, pego o celular e escrevo no bloco de notas. Já sentei no meio-fio para escrever, adoro escrever em café e até o transporte público. As barcas Rio-Niterói são um excelente lugar para isso. É inspirador escrever no meio da Baía de Guanabara. Literatura e vida estão misturadas em mim, a escrita se manifesta em qualquer lugar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo um livro sou muito disciplinado e, mesmo com uma rotina muito atribulada, estipulo um número mínimo de páginas para desenvolver, algo em torno de três, quatro. Há períodos, contudo, que por conta do tempo disponível rendo muito mais. Foi assim que consegui escrever oito romances e duas antologias, além de meus artigos científicos. É por isso que hoje desenvolvo um romance político que já está com 800 páginas e que deve ultrapassar 1.200. Não me preocupo com o tempo que vou levar para concluir uma obra, minha preocupação é estar sempre com ela, não parar até seu desfecho, pois estar mergulhado na estória é fundamental para a concatenação e o desenvolvimento de uma boa narrativa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho uma relação passional e ao mesmo tempo técnica com a escrita. Com o tempo, passei a perceber com certa exatidão se já estou no limite de informação e dados para começar a escrever, se devo continuar a pesquisar, se já estruturei mentalmente tudo o que preciso ou se preciso de mais tempo. A pesquisa é importante em alguns projetos, mas está longe de ser tudo. Muitas vezes o que o texto me diz é: esqueça todo o resto e se preocupe somente comigo, vença o mundo a partir de mim, resolva tudo apenas com as palavras. Quando o chamado é esse, procuro obedecer, não desafio uma ordem da escrita. Para alguns projetos, contudo, não se pode iniciar uma palavrar sequer antes de um bom embasamento. Mas o mais importante é que nos dois casos não existe chance de uma boa escrita, de um bom texto, sem que o escritor seja antes de tudo um excelente leitor. Não há outra receita melhor, não há oficina nem dica que supere o hábito de ler. Um escritor que lê muito mais do que escreve tem a capacidade de superar qualquer regra, de ousar sabendo exatamente o que está fazendo.
Sobre o fato de se é difícil começar, para mim nunca é, pois a minha relação com um texto em seus momentos iniciais é sempre aberta, descompromissada: começo a escrever você, mas se não nos dermos bem, nossa relação termina, parto para outro. O compromisso só se torna estável após muito tempo de relação e com a certeza de que o caminho trilhado é mesmo o que desejo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas eu resolvo nos momentos em que não escrevo. Não raro precisei interromper um texto para dar uma caminhada na praia, e quase sempre volto com uma solução melhor, com algo que não havia pensando. O mar é meu bom conselheiro. Sobre as expectativas, creio que o exercício da humildade, a consciência de que sempre posso melhorar e que nada que eu escrevo será unanimidade ajuda a diminuir essa expectativa. Por outro lado, escrever é se expor, não tem jeito, é colocar a cara a tapa, é um ato de coragem, e que deve ser consciente de que todo tipo de reação pode vir. E que venha. Uma boa forma de se evitar que a ansiedade em relação aos projetos longos acabe atrapalhando o próprio projeto é escrever algo mais curto paralelamente. Por exemplo, neste tempo em que estou dedicado a um projeto muito longo, já escrevi e publiquei alguns contos, e também lancei um romance que estava na gaveta. Isso reduz, e muito, a ansiedade e diminui o risco de conclusão precipitada de uma obra que exige mais tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
No caso de um livro, assim que termino ele precisa ficar pelo menos um mês na gaveta, longe de todos. Depois desse tempo, eu faço duas revisões antes de enviá-lo a um editor, uma na tela do computador, e outra em versão impressa, pois é impressionante como se vê erros no papel que passam desapercebidos na tela do computador. Tenho amigos escritores em um círculo bem restrito e íntimo, para os quais mostro alguns trabalhos e pego opiniões, mas nem sempre isso acontece, apesar de reconhecer que as trocas podem ser muito úteis.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou da geração do computador, mas estou habituado a escrever em diferentes plataformas e de diferentes formas. Já escrevi trechos de livros mandando torpedos SMS para mim, já escrevi em guardanapo em um bar, mas no cotidiano vivo com meu laptop na mochila. Meu cuidado maior é o de não perder o que escrevo. Por isso, faço atualizações diárias dos arquivos na nuvem e em pen drives, tenho uma certa neurose com backups.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei de onde vêm minhas ideias, creio que são fruto de minha vida, de meus anseios, expectativas, sonhos, dores, alegrias, reflexões e frustrações. Minha capacidade inventiva é uma das formas que encontrei de me relacionar com a vida, com os que estão ao meu redor e com meu interior. Não procuro ser criativo, não busco. Sou um observador nato, e costumam dizer que reflito de forma densa às vezes sobre as coisas mais banais, mas não forço as ideias, elas simplesmente aparecem, e me empurram.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudo todos os dias, nem sempre para melhor. Não acredito em evolução constante, temos fases de retrocessos, mesmo quando tentamos melhorar o tempo todo. Eu tinha uma narrativa muito veloz, excessivamente corrida, acho que por influência da era do hipertexto, e isso aos poucos foi ficando para trás, o que não sei se foi para melhor, depende do ponto de vista. Gosto de transitar entre estilos, de me desafiar a escrever fora de minha zona de conforto, foi o que fiz em “O beijo da Pombagira”, por exemplo, onde me aventurei por vários estilos narrativos, isso me tornou mais versátil com o tempo, mais preparado tanto para narrativas curtas, quanto para voos bem mais longos, como o que estou neste momento. Se pudesse dizer hoje algo para o Leonardo que começou a escrever anos atrás, eu diria: menos pressa, bem menos pressa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos, muitas ideias na fila, mas com consciência de que é preciso tempo e que nem tudo será concretizado. Só poderia saber que livro desejo e ainda não existe se conseguisse ler todos os livros que existem, um desejo utópico. Quem muito lê tem a consciência de que nada lê, na verdade, de que falta um mundo. Com certeza, o que acho que ainda não existe está por aí em algum lugar, eu é que ainda não vi.