Leonardo Chagas é poeta, formado em Literatura na Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Cada dia menos possuo rotinas. Hoje em dia minha vida tem sido uma espécie de mistério. Ainda não sei o que está por vir. Estou tentando sair de casa, estou tentando cursar licenciatura, estou tentando sair do meu trabalho, estou tentando arranjar outro trabalho, e pode ser que assim que vocês publicarem essa entrevista, simplesmente, minha vida esteja completamente outra. E isso tem me feito bem, eu não quero conseguir nada, eu não tenho objetivo de vencer nada em específico, quero me dar bem, é claro, mas não quero ser certeiro. Estou para a vida como um Flâneurestá para as grandes cidades. Meu objetivo é vagar sem rumo e me surpreender com os delírios cotidiano das pessoas, das coisas e das energias que nos circulam. A melhor maneira para mim de começar o dia é pela noite. Gosto das madrugadas, no silêncio ou no furdunço, sozinho ou mal&bem acompanhado, agora e na hora de nossa morte. Amém.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse acima, a madrugada tem o poder mágico da inspiração para mim, mas não necessariamente é o horário em que escrevo. É sobretudo o horário em que penso. É sobretudo o horário em que observo. E isso para minha escrita, é “trabalho”. Poesia é estar sempre alerta, sempre correndo risco. O período em que as coisas acontecem é quando a lua está no ponto mais alto do céu, até o nascer do sol. É neste momento em que dormindo ou acordado, tenho epifanias. Eu sou poeta-leitor, mas não sou poeta do trabalho, eu odeio trabalhar, e se eu dissesse que poesia é trabalho, estaria cometendo um crime contra minhas paixões. Poesia é prazer. É como diria André Breton, poesia se faz na cama como amor. Quando escrevo estou sempre em busca de algum prazer, de alguma forma de me libertar de sofrimentos, de culpas, de traumas, de trazer à tona os sonhos, os delírios, os desejos, os pensamentos imaturos, os absurdos. Escrever para mim é me libertar. É acima de todas as coisas, soltar as amarras dos bons costumes, deixar para lá a razão e exportar ao mundo, toda a imensidão de meu inconsciente. Inclusive sou adepto da escrita automática, do ready made, da collage, e de todos os métodos que se insurgem contra a razão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não! Eu nunca sei quando é que vou escrever. Estou sempre com alguma ferramenta em mãos, para se acaso me dê na telha, eu vou lá e rabisco ou digito. Por exemplo, é muito comum que eu escreva poesia no trem, na ida e volta para casa, em meio ao caos, dos marreteiros, polícia ferroviária, sovacos e solavancos.
Minha meta diária é não ter meta diária. Escrevo as respostas desta entrevista, exatamente as 02h47 da manhã. Estou insone. São esses os momentos em que eu tenho vontade de produzir. Quando meu corpo se recusa ao sono, ao ócio, ao trabalho, ou a qualquer obrigação fisiológica, natural, cultural ou fascista. Meu corpo manda na escrita. Na verdade, em tudo. Eu não tenho absolutamente nenhum controle sobre ele. Quando tento, tenho crises de pânico.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é automático. Ele surge com as necessidades de meu corpo. É como qualquer desejo fisiológico. Todo corpo quer gozar, todo corpo quer escrever. Nós precisamos escrever. Seja lista de compras, seja rabisco na mesa, picho no muro, na sopa de letrinhas. Acontece que meu corpo me exige um nível de organização um pouco maior. Não me bastam os métodos simplórios. Eu preciso escrever no verso, no anti-verso, no corpo(uni-verso) de um poema. Aqui me restrinjo a falar sobre meus métodos de escrita criativa. Prefiro não comentar acerca da escrita acadêmica, para evitar comprometimentos e constrangimentos, rs. Porém, posso assegurar que é 100% diferente. Escrita acadêmica para mim é quase sempre artificial e é por isso, que eu não creio ter nada para acrescentar nestes termos. É praticamente um “método”. Há dogmas na escrita acadêmica. Ou talvez, “Fórmulas” seja mais apropriado. Na poesia, se há – a chance de ser terrível é enorme. Um livro de poesia, surge no entanto, naturalmente. Você percebe o movimento dos seus poemas, e eles se aglomeram sozinhos. Depois você os organiza de modo a convencer-se a si próprio de que há algum sentido, naquele corpo, que não é mais seu.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu, como poeta, não me coloco objetivos, por tanto, não possuo travas. Pelo contrário, quando escrevo, é como se tivessem soltado as rédeas de uma carruagem de lobos-guarás famélicos. Corremos todos desordenados, rumo ao local que a fome nos encaminha. Escrever para mim, já é a poesia. O ato é extremamente forte. Quando retiramos do nosso dia, o tempo para escrever poesia, estamos mudando a vida. Transformando a realidade. Inutilizando o nosso tempo. Como é bom ser inútil. Como precisamos ser inúteis e improdutivos. Poesia pra mim é combater as expectativas. Vomitar a ansiedade.
Hey, você que está lendo isso, querendo dicas para lidar com as travas da escrita! Você mesmo! Escreve um poema, e depois você pensa nisso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes eu reviso. Meus poemas são ultra-mutantes. Eu não tenho piedade alguma em rasgar versos. Em alterar palavras. Em reescrever em outras estruturas. Eu gosto bastante de brincar com o texto escrito. Mudo e desmudo o tempo todo.
Mostro meus poemas pra muitos amigos, meu livro de poesia, antes de ser publicado, foi lido por todos os meus amigos. Inclusive o amigo prefaciador, Claudio Willer, que além de tudo é poeta e crítico excepcional, foi um dos principais leitores. Rabiscou muita coisa. Mudei tudo que o incomodou. Confio no bruxo. É necessário confiarmos em nossos amigos, em nossos leitores, em pessoas quais admiramos e fazem trabalhos semelhantes aos nossos. É necessário estar disposto a mudar seu texto se ele não agrada o outro. O que é que tem?
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Uso muito computador e celular. Não tenho nenhum problema com as plataformas digitais. Aprendi a escrever e a digitar praticamente com a mesma idade.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vem da leitura. Da observação do mundo. Do amor que tenho a vida. Cultivo o hábito do fumo, infeliz hábito, que felizmente, ao menos, me ajuda a escrever. Contemplação de nossas paixões é fundamental.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Deixei de ser um poeta que busca qualquer excelência. Passei a me dedicar a leitura. Diria: Acorda! Vai ler poesia!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Falando sério, no momento meu projeto é ultra careta, quero me dedicar a escrita de um projeto de mestrado, sobre poesia épica em língua portuguesa. Tenho profundo interesse na obra Invenção de Orfeu de Jorge de Lima, e na dinâmica do Surrealismo no Brasil. Gostaria de sair do país um pouco para arejar, escrever parte disso, pesquisando em outra universidade, de preferência portuguesa ou italiana, fora da USP – Já são 5 anos. Enfim, é o que desejo para o próximo ano. E meu livro-objeto de desejo, é um livro de Roberto Piva escrito em 2019, que infelizmente não existirá jamais. Sendo assim, o plano B é meu próximo livro de poesia, que sairá em alguns anos. Enquanto isso, leiam COSMOS/ CACOS da editora primata, com prefácio de Claudio Willer e ilustrações de Lorena Romão, excelentíssima artista plástica e amiga maravilhosa! MerchanTime!