Leonardo Barbosa é Doutor em Direito pela Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Hoje, minha rotina matinal é acordar bem cedo, em torno de 6h da manhã, e levar minhas filhas à escola. Mas na época em que escrevi a tese, entre 2007 e 2008, eu ainda não era pai. Consegui me afastar do trabalho por pouco mais de um ano e meio, então estava por conta de pesquisar para a tese e escrever. É um cenário que está distante da realidade da maioria dos pesquisadores, acho. De toda forma, naquele tempo eu costumava acordar um pouco mais tarde (porque eu ia me deitar tarde, também) e fazer algum tipo de exercício físico. Esse hábito, em geral, me deixava mais bem-disposto para enfrentar o dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para mim o horário não faz muita diferença. Depende muito do meu estado físico e mental. Na época da tese, eu costumava separar, no final da manhã, material relevante para o segmento do texto em que eu estava trabalhando. Após o almoço eu começava a escrever de forma mais organizada. Nunca tive nenhum ritual específico para me preparar para a escrita, salvo, talvez, o café, que sempre foi um bom companheiro, em especial no início da tarde.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim, depende do tipo de texto que você está escrevendo. Quando trabalho em um texto curto, tento estabelecer metas. Não necessariamente número de páginas, mas ideias que gostaria de desenvolver e organizar num determinado dia de trabalho. Para isso, é preciso ter a estrutura do texto bem amarrada na sua cabeça no momento de começar. Quando escrevi a tese, contudo, a coisa foi bem diferente. Eu tinha uma ideia geral para cada capítulo e tópico, e deixei a pesquisa ditar o ritmo da escrita. Eu lia e escrevia alternadamente, no mesmo dia. Às vezes, lia muito mais que escrevia (em geral quando estava debruçado sobre fontes primárias). Às vezes, o contrário. Nunca me preocupava com uma meta, mas trabalhava sempre de doze a treze horas por dia, normalmente entrando pela madrugada, até 1h ou 2h da manhã. À medida em que eu ia me deparando com documentos e informações que me interessavam, eu ia escrevendo sobre aquilo. Depois, com o tempo, o texto foi se organizando e tomando forma. A partir daí, escrever a transição entre as partes que já estavam mais bem-acabadas foi relativamente simples. Essa abordagem funciona, para mim, com textos maiores (um livro, uma tese). Se você tiver material suficiente, ou mesmo se você ainda não tem, é importante começar a escrever. Muitas vezes é o ato de escrever que nos torna conscientes do que precisamos desenvolver melhor na pesquisa. Assim, as duas coisas nunca foram estanques para mim. Até o final da redação da tese tive que buscar arquivos e documentos que só me pareceram necessários após um certo desenvolvimento do texto. É um pouco como dar aula, atividade que invariavelmente nos confronta com nossas próprias limitações. Às vezes, ao tentar explicar uma ideia, percebemos que não compreendemos todas as suas nuances, e a partir daí tentamos aprofundar o conhecimento sobre esse ponto. Para começar a escrever, gosto de pensar em um ou dois parágrafos que funcionem como um “lead” jornalístico, algo que sintetize a ideia que você pretende defender e localize seus argumentos em um debate maior. Assim seu leitor saberá o que esperar do seu texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Felizmente nunca tive bloqueios para escrever. Já houve situações em que escrevi um bocado, não gostei e resolvi descartar tudo. Mas bloqueio, não. Talvez isso se deva, em parte, ao fato de que eu adoro escrever e conversar sobre meu tema de pesquisa. Você não tende a procrastinar algo que gosta de fazer, se tiver tempo o suficiente. O problema é quando a pesquisa e redação vão se sobrepondo a outros afazeres cotidianos que requerem atenção e cuidado. A administração de uma casa, a criação dos filhos, os demais compromissos profissionais (no direito, muitos de nós – eu inclusive – não têm uma vida profissional exclusivamente acadêmica). Aí é preciso muita disciplina para aproveitar da melhor forma possível o pouco tempo que resta para escrever. Procrastinar acaba não sendo uma alternativa… Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, acho que é natural e pode ser até positivo, pois nos impulsiona a tentar fazer o melhor possível. Mas esse medo não pode ser algo paralisante. Escrever exige humildade intelectual e disposição para aprender com a crítica. Se sempre acharmos que o texto “não está à nossa altura”, nunca publicaremos nada, nunca submeteremos nossas ideias a uma crítica mais ampla. Em relação a projetos longos, só tive a experiência da tese, que foi ótima. Mas nos idos de 2007 e 2008 eu tinha tempo de sobra. Hoje tenho três filhas e uma vida funcional muito ativa na Câmara dos Deputados. Não sei como seria para mim, hoje, iniciar um projeto para dois ou três anos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso o texto todo após terminar de escrever o primeiro rascunho apenas uma vez. Mas, antes disso, reviso inúmeras vezes cada parágrafo, enquanto vou escrevendo. E, obviamente, na medida em que recebo comentários vou procurando adaptar o texto para dialogar com eles. Sempre compartilho meu trabalho com pelo menos dois ou três colegas que se interessam pela discussão antes de submetê-lo à publicação. Acho essa prática muito salutar. Em geral pesquisadores se vinculam a grupos de pesquisa (no meu caso, o “Percursos, Fragmentos & Narrativas”). Em geral é um excelente espaço para discutir nossa produção acadêmica. Por fim, quando escrevo em inglês, contrato uma pessoa para fazer a revisão e edição do texto. É um investimento que vale muito a pena.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador. Nem lembro mais como é escrever à mão. Raramente tomo notas manualmente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Bom, não sei se minhas ideias, particularmente no direito constitucional ou na história constitucional, podem ser consideradas criativas… Acho que quem escreve textos acadêmicos busca se inserir em uma tradição, um diálogo maior. Você está conversando direta ou indiretamente com gerações e gerações de intelectuais que estudaram o mesmo objeto que você. Cada um desenvolve uma abordagem e um estilo próprio para discutir essas ideias. Nesse sentido, para se manter “criativo” você deve procurar expandir seu conhecimento sobre essa tradição, ainda que (e principalmente) para criticá-la. Isso envolve ler trabalhos que te tirem da zona de conforto, que te façam questionar a consistência, a propriedade ou mesmo a relevância das suas ideias. E também textos clássicos, que de uma forma ou de outra anteciparam boa parte das questões que enfrentamos nas ciências humanas e nas ciências sociais aplicadas hoje. Quando digo “ler”, refiro-me, obviamente, àquela leitura imbuída de espírito crítico. Ler é saber ouvir com atenção o texto, mas também é ter disposição para “comprar uma briga” com ele.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Meu texto mudou muito desde 1995, quando publiquei meu primeiro trabalho acadêmico, até hoje. O processo de amadurecimento natural, desde o início da graduação até a conclusão do doutorado, é, obviamente, parte da explicação. Mas também tive a sorte de ter um orientador que me ajudou muito nesse particular, indicando a melhor maneira de organizar a narrativa, enquadrar o problema de pesquisa e conectá-lo com as discussões teóricas do nosso campo. Se eu pudesse voltar à escrita da tese, diria a mim mesmo: “Aproveite! Você nunca mais vai ter tanto tempo livre para escrever…”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade, tenho um projeto que comecei há algum tempo e quero muito concluir, um livro sobre sistema de governo na história do constitucionalismo republicano brasileiro. É uma tentativa de reconstruir a discussão sobre presidencialismo e parlamentarismo no constitucionalismo e na política parlamentar do Brasil. Algo que estou fazendo em parceria com o Professor Cristiano Paixão, da UnB, que foi meu orientador. O livro que eu gostaria de ler, mas que ainda não existe, é um bom manual de direito parlamentar, que enfrentasse de maneira sistemática os temas mais complicados de processo legislativo, processo disciplinar, estatuto dos congressistas, e outros assuntos que compõem o nosso dia-a-dia no Congresso. Talvez seja um bom projeto de longo prazo também…