Leonardo Augusto Amaral Terra é mestre e doutor em Administração de Organizações da Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Faz algum tempo que mantenho uma carga horária de trabalho que varia entre 50 e 60 horas semanais. Como meu tempo é escasso eu tenho por hábito tentar fazer várias coisas acontecerem em paralelo. Com minhas manhãs não é diferente. Minha primeira responsabilidade do dia é levar meus três cães para uma volta. Enquanto eles se divertem um pouco, eu cumpro minha primeira tarefa de trabalho que é me informar. Dou uma lida nos principais jornais, consulto bases de dados etc. Procuro fazer isso sempre que estou esperando alguma coisa ou em alguma atividade que não exija concentração. Estou sempre lendo algum artigo, um livro (não costumo ler ficção) ou tentando entender uma base de dados. Uma diferença de minha rotina matinal em relação à da maioria das pessoas é que não costumo comer e nem beber nada no início da manhã. Só vou me preocupar com isso no meio da manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente eu trabalho melhor no período da noite, especialmente na madrugada que é o horário que costumo estudar sobre os temas que dominam meu interesse em um dado momento.
Quanto à escrita, eu não tenho nenhum ritual de preparação. As ideias fluem ao longo de todo o dia a partir de problemas e questões que vão surgindo em minhas conversas ou experiências diárias e basta sobrar um tempo ou bater aquela vontade que eu começo a escrever. Apesar de não haver nenhum tipo de preparação, ao longo da escrita costumo sentir necessidade de tomar Coca-Cola ou café e acabo sempre escrevendo regado a alguma destas bebidas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho nenhuma meta de escrita, escrevo quando tenho vontade. Entretanto, tenho por hábito começar a escrever algo e ficar concentrado naquilo. Rendo mais quando as ideias estão encadeadas na minha cabeça. Como meus dias são atribulados, um processo fragmentado acaba misturando as ideias em minha cabeça, me fazendo esquecer de detalhes importantes daquilo que pretendo registrar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu gosto de estudar e faço isto desde muito cedo. Sou um curioso nato e ainda hoje estudo e me mantenho informado quase que em tempo real, especialmente em relação às questões relacionadas à minha área, que envolve estratégia e dinâmica de sistemas socioeconômicos. A maior parte do conteúdo que demando para construir minhas ideias já estão em minha cabeça. Meus gatilhos para escrever normalmente são dados por questões que acho que valem a pena explanar ou problemas que precisam ser respondidos, assim como ocorre com a maioria das pessoas, mas eu evito escrever sobre aquilo que ainda não faz parte do meu repertório de conhecimento. Creio que esta seja uma diferença em relação ao método adotado por muitas pessoas. Muitos sequer se preocupam em saber sobre aquilo que estão tratando, outros possuem um problema e estudam para resolver este problema, portanto o problema precede o estudo. Eu já estudo por estudar, simplesmente porque gosto do ato de saber mais, eu adoro saber o porquê das coisas. Eu não preciso de uma motivação específica para aprender, qualquer coisa que seja. Quando enxergo um problema que pode ser respondido dentro do meu repertório, eu me sinto motivado a registrar esta solução. Pode-se dizer, portanto, que o meu estudo precede o problema, visto que só me dedico a um dado problema se ele se enquadrar no repertório que construo continuamente.
Meu processo se inicia sempre com a montagem da estrutura da linha lógica que seguirei. Coloco um conjunto de tópicos que pretendo tratar e esboço como pretendo fazer a ligação entre eles. A partir disso eu começo a construir o conteúdo de cada tópico, ainda de forma desestruturada. Em um segundo estágio eu passo a fazer a organização das idéias que pode ser por ordem cronológica ou por similaridade conceitual e termino fazendo o encadeamento entre as ideias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação eu creio que não seja algo negativo na escrita. Eu não vejo a escrita como um trabalho, portanto não vejo nos prazos um problema. Normalmente eu travo quando não tenho a resposta ou percebo que o problema escolhido não está dentro das minhas possibilidades… Neste caso eu inverto um pouco meu processo habitual e passo a tentar entender estes limites com os quais me deparei, até que eu possa amadurecer a ideia e voltar a escrever, sem me preocupar com uma eventual demora. Para mim a procrastinação pode ser vista como parte deste processo de maturação das ideias, muitas vezes necessárias para uma boa lapidação dos mesmos. Quando travo por não conseguir responder a algo, deixo o texto lá. Conforme eu estudo, as respostas para destravar o texto vão aparecendo… Quanto às expectativas, eu também não me preocupo com isso. A escrita não é meu ganha pão, não é uma forma de me afirmar… É simplesmente uma forma que tenho de manifestar minhas ideias e os resultados de meus estudos e do tempo que passo pensando sobre uma série de problemas. Mesmo que as pessoas não gostem, o objetivo (que é o registro das ideias) estará cumprido, por isso é indiferente para mim o que as pessoas pensam a respeito do que eu escrevo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso várias vezes, até que perceba que o fluxo de ideias está bem conectado. No passado eu costumava entrar em um espiral de melhoria contínua, buscando o encadeamento lógico perfeito, o fluxo de leitura perfeito e por aí vai. Mas isso fazia que os textos nunca fossem publicados e o objetivo do registro se perdesse. Até que um dia, meu orientador me disse durante meu mestrado que se não conseguisse sair do espiral de melhoria contínua, não conseguiria ter nenhum de meus textos registrados para posteridade, pois nunca os terminaria. Desde então tenho sido um pouco menos exigente comigo mesmo. Quando percebo que a leitura do texto já é capaz de produzir algum sentido lógico, já o torno público.
Como o objetivo dos meus textos é o registro da solução de um problema ou de uma ideia, não costumo me preocupar em mostrar para outras pessoas antes de torná-los públicos. Quando muito, mostro para pessoas que possam dar contribuições técnicas para ver se elas teriam alguma contribuição adicional a fazer no texto, mas não faço isso buscando aprovação ou um parecer sobre a aceitação do texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço o rascunho com o que tenho à mão, pode ser papel, um quadro, ou no próprio computador. Mas prefiro trabalhar em meu notebook. Apesar de ser daquela geração que cresceu na década de 1980, sou muito familiarizado com a tecnologia e a uso desde muito cedo. Sempre usei computadores como plataforma tanto para meus estudos, como para a escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A maior parte de minhas ideias surge da combinação do meu repertório de estudo com conversas que tenho e a minha própria experiência diária. Há dois hábitos que considero fundamentais para garantir o funcionamento do meu sistema de formação de ideias. O primeiro é o estudo contínuo e descompromissado e diversificado que me permite aprender coisas que se enquadram em uma ampla gama de problemas e me permitem uma visão mais ampla do que as visões especializadas que se concentram em áreas específicas do conhecimento. Este foi o hábito, inclusive, que me deu subsídios para lidar com o problema da complexidade. O segundo hábito é o de ouvir e debater. Ouvir as dificuldades das pessoas é uma fonte rica de possibilidades e deixar que as pessoas testem continuamente suas idéias é um costume que ajuda sua mente a se renovar. Reforça aqueles conhecimentos que resistem aos testes lógicos propostos, ao mesmo tempo em que permite que você redesenhe os caminhos de suas conclusões, quando as provocações se mostram pertinentes.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu percebo que amadureci e tenho me tornado mais versátil ao longo do tempo. Devido à natureza do meu processo de escrita e aprendizado, sou dependente daquilo que já estudei. Quanto mais estudo, mais desenvolvo uma visão sistêmica sobre os problemas do mundo. Começo a ver mais longe, ver além dos muros que dividem as disciplinas. Como alguém focado no estudo de problemas complexos, isso me torna mais competente, mais preparado para tratar problemas cada vez mais amplos e chegar ao meu objetivo final que seria a construção de uma teoria unificada sobre as dinâmicas socioeconômicas. Também percebo que tenho me permitido manifestar mais emoções do que fazia antes. Eu tinha uma tendência de ser absolutamente racional em minhas colocações. Atualmente tenho me permitido opinar, deixando mais clara minha indignação ou minha aceitação com certas coisas. Enfim, tenho me permitido extravasar também minhas emoções, mas sem perder de vista a racionalidade e o sistemicismo que sempre marcou meus textos.
Se eu pudesse voltar no tempo com minha tese, teria dado um pouco mais de atenção às conclusões. Eu tenho por hábito ser absolutamente preocupado com o método e a apresentação dos resultados. Enfim, o caminho da construção do raciocínio. Sou assim pois é isto que importa para mim, em termos de aprendizado: aprender o caminho, aprender os porquês. Penso que se eu entendo o caminho, as conclusões se tornam dispensáveis, pois o próprio caminho me levará a elas. Mas tenho percebido que as conclusões são um elemento muito importante para os leitores que preferem ter todo este processo já digerido. Pensando sob a ótica que a tese é escrita para que outras pessoas leiam, penso que poderia deslocar um pouco do tempo gasto na descrição detalhada do método e dos resultados para dedicar às conclusões, tornando o texto um pouco mais amigável aos leitores.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos em aberto, para os quais eu precisaria de tempo para desenvolver. Tenho gradualmente trabalhado nestes projetos, buscando tornar público cada um deles. Mas um dia quero escrever um livro que consolide todo este conhecimento e seja capaz de explicar a natureza dos fenômenos socioeconômicos que considero a cruzada de minha vida. Infelizmente ainda estou muito distante deste ideal, pois muitas das minhas perguntas ainda continuam em aberto e em minha jornada ainda não cruzei com aquilo que eu precisaria para resolver tais questões.
O livro dos meus sonhos creio que seja a consolidação de um sonho presente ao longo de toda a história da humanidade e que foi a força motriz para o trabalho de grande parte dos pensadores que já tivemos em nosso planeta: uma obra onde seria encontrada a verdadeira teoria de tudo, capaz de explicar desde os fenômenos mais simples do universo até toda a complexidade dos sistemas socioeconômicos e ecológicos. Um livro para o qual quero deixar minha contribuição ao longo de minha vida.
Racionalmente eu sou obrigado a admitir que é um sonho impossível. Mesmo na física, que trata do menor dos níveis sistêmicos, ainda estamos distantes de uma teoria unificada, imagine uma envolvendo objetos de tamanha magnitude. Mas o que seria o impossível, se não só mais uma das fronteiras que criamos em nossas próprias mentes para limitar nosso próprio potencial?