Leonardo Antunes é poeta, tradutor e professor de língua e literatura grega na UFRGS.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de traduzir pela manhã. Quando estou em casa, tomo café e vou direto para o computador. Nos dias em que vou à universidade, levo um bloquinho de notas e vou traduzindo Homero no ônibus, pois é fácil acessar o texto no celular. Depois, chegando no gabinete, passo tudo a limpo. Gosto dessa rotina matinal: cumpri-la me dá uma sensação de que o dia já valeu a pena e de que tudo o mais que eu conseguir fazer será lucro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para mim, a manhã e a tarde são as melhores horas para trabalhar. A noite é boa para ter ideias, mas sinto que não rende tanto para colocá-las em prática. Meu ritual de preparação geralmente envolve algum tipo de cafeína: café com leite ao acordar e coca-zero no restante do dia. Muitas vezes como algum doce também. O combo de açúcar + cafeína é muito bom para fazer a coisa render. Então sento ao computador e deixo apenas o necessário aberto: para poesia, sempre o Bloco de Notas; para prosa mais longa, o Word. A área de trabalho do meu computador é totalmente vazia, com um fundo de madeira, para não haver muitas distrações.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu traduzo com uma frequência religiosa: 20 versos de Homero por dia (isso nos dias da semana; no fim de semana, descanso ou recupero algum atraso que tenha ocorrido durante a semana). Para a escrita, estou mantendo uma frequência regular também, mas num ritmo bem mais lento: 1000 versos por ano, ou 100 por mês (com 2 meses de férias), o que equivale a um episódio por mês do poema épico que estou compondo (a Miríade, que levará, nesse ritmo, 10 anos para ser escrita). Por outro lado, os projetos paralelos que invento (como o Lícidas, a peça que escrevi da virada de 2018 para 2019) seguem a lógica da inspiração: vou fazendo quando dá e quando tenho vontade. Então, a resposta é um pouco de cada: mantenho uma escrita constante num ritmo sustentável e escrevo coisas extras quando possível.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em geral, eu só sento para escrever quando a ideia já está minimamente formada na minha cabeça. Às vezes ela não está completa e eu deixo o texto encontrar seu caminho conforme componho. Mas geralmente eu já sento sabendo de onde quero partir e aonde quero chegar. O meio é o mais fácil de inventar quando você já tem o começo e o final.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso me paralisou durante muito tempo. Eu comecei a escrever com uns 15 anos, mas foi só quase 20 anos depois que senti chegar a algum tipo de maturidade. Hoje em dia, eu escrevo para mim mesmo, inventando as coisas que eu gostaria que existissem. O repertório das coisas que eu já fiz e que me agradam me dão segurança para não ceder à síndrome do impostor ou ao medo de não corresponder a alguma expectativa.
Os projetos longos, na verdade, não me angustiam: eu prefiro estar envolvido em projetos extensos, planejados em um ritmo tranquilamente exequível. Isso tudo me dá uma sensação de missão cumprida, pois estou sempre em dia com os prazos que eu mesmo me impus. Como escolho um ritmo tranquilo, ainda acabo produzindo coisas extras de vez em quando. Esses projetos paralelos, feitos numa lógica mais da explosão criativa, também servem como uma válvula de escape para a prisão dos projetos muito longos. Então uma coisa acaba ajudando a outra: os projetos longos me dão tranquilidade e os curtos me ajudam a extravasar quando preciso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não saberia contar. Eu reviso meus textos próprios de modo obsessivo. O Regressos, meu próximo livro de poemas, eu devo ter revisado já umas 20 vezes. Mas faço isso também porque eu gosto de ler as coisas que eu mesmo escrevo. É meio ridículo e egocêntrico, mas é a verdade.
Sinto que as muitas releituras são necessárias. Às vezes as mudanças são pequenas durante a revisão, mas também é um momento para me confrontar com passagens que precisam ser mudadas e não são simples de mudar. Um exemplo é o poema “ecce homo”, que escrevi em 2016 e só agora em 2019, depois de muitas tentativas de resolvê-lo, ficou numa forma que me agradou completamente.
Costumo postar no Facebook excertos dos trabalhos que desenvolvo. Quando os termino, gosto também de enviá-los para um grupo seleto de amigos, cujo feedbackme ajuda a orientar o processo de revisão. Enquanto dou um tempo para que eles leiam, aproveito também para deixar o livro na gaveta e desapegar do processo criativo dele. Assim, quando retorno para revisá-lo, já consegui criar alguma distância e posso tratar o texto a partir de outro lugar e com outra abordagem.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Se não há um computador à mão, escrevo em algum bloquinho ou caderno, mas prefiro a comodidade do computador, sempre. Também já escrevi poemas no celular, mas é desconfortável.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Às vezes do cotidiano, às vezes do diálogo com as obras que eu amo, às vezes de outras formas de arte, como o cinema, a música e o videogame. Subscrevo a ideia de Harold Bloom de que toda obra nova é uma leitura errada de alguma que já existia: gosto bastante de criar coisas novas a partir de leituras idiossincráticas de criações do passado. Em especial, a antiguidade é o lugar que mais visito, mas tenho também uns dez ou vinte filmes que sempre vejo novamente e que sempre me inspiram novas ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Em primeiro lugar, diria que mudou minha relação com o ato de escrita. Antigamente, eu decidia que precisava escrever e sentava ao computador sem saber o que queria dizer, esperando alguma espécie de iluminação, alguma visita das Musas. Hoje não faço mais isso, pois não funciona para mim: ou não sai nada ou sai algo que não vale a pena mostrar a pessoa alguma. Em segundo lugar, mudou a minha expectativa em relação ao que eu preciso ser como escritor: aprendi quais são as minhas qualidades e quais são os meus limites; hoje trabalho confortavelmente dentro desse espaço. Por fim, acho que não diria nada a mim mesmo se pudesse voltar no tempo: os conselhos de que precisamos são poucos e simples; qualquer um pode dá-los; o resto só vem mesmo com o tempo e com a perseverança.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de fazer outro poema épico ao terminar a Miríade. Ao contrário dela, que será composta por 100 histórias diferentes, quero que o próximo tenha uma única história. Como de costume, penso primeiro na forma estética da obra. Estou no momento pensando numa próxima forma, para quando terminar o trabalho atual. Os meus desejos, para livros que não existem, são todos baseados em formas ousadas e difíceis de serem levadas a cabo. É isso que me inspira.