Leonardo Amaro Nolasco da Silva é professor adjunto da Faculdade de Educação da UERJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo bem tarde porque produzo mais de madrugada. Preciso de absoluto silêncio para ler e escrever. Então, de manhã, eu reponho o sono e só acordo quando o corpo pede – geralmente, na hora do almoço. Como dou aulas no noturno, na UERJ, tenho essa disponibilidade durante o dia. Ao acordar, costumo consultar as redes sociais – principalmente o Twitter. É lá que eu acesso as notícias do dia, já filtradas pelos links das pessoas e agências que eu sigo. Em dias de aula eu também releio os textos sugeridos para as turmas enquanto como alguma coisa ou preparo o almoço.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quase sempre de madrugada. Mas, em tempos de prazo expirando, eu escrevo durante o dia também. Tenho escrito cada vez mais no celular, pelo bloco de notas. A mobilidade permite que eu varie as paisagens e isso, de alguma forma, tem interferido na minha escrita. Antigamente eu escrevia numa máquina de escrever, que ainda tenho e utilizo de vez em quando. É um processo, para mim, que precisa ser artesanal. Eu escrevo, rabisco, colo lembretes por cima. Com o celular essa escrita é menos hipertextual, mas ela só acontece depois de muitos rascunhos “analógicos”. Eu tenho sempre um caderno comigo, onde anoto ideias e anexo coisas que me inspiram. Quando vou pro celular esse caderno vira um espécie de disparador da escrita. Quando não posso levá-lo, eu fotografo as páginas correspondentes ao que preciso escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo e leio diariamente. Escrevo sem freio, sem filtro. Depois, lapido. A escrita enferruja se não trabalhamos nela diariamente. Tem dias que escrevo sem saber o propósito e, de repente, tempos depois, encontro um trecho que me serve em um artigo ou relatório que esteja escrevendo. Também faço fichamentos de tudo o que eu leio. Essa é uma inspiração que trago de uma professora que tive na graduação, Adelia Miglievich. Ela cobrava fichamentos de todos os textos trabalhados na disciplina. Tornou-se um hábito e um prazer.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como escrevo diariamente, o processo é imperceptível. Tenho muitos cadernos de campo, não só para registrar as observações e interações com os meus interlocutores, mas também para exercitar a escrita. A pesquisa acontece enquanto eu a narro. E eu vou me escrevendo também, como pesquisador, nesse processo, inventando um campo possível. Na minha linha – pesquisas nos/dos/com os cotidianos escolares – as narrativas dos praticantes (CERTEAU, 1994) misturam-se ao texto do pesquisador, tecendo conversas costuradas por práticas e teorias. Essas conversas são fragmentos de textos que eu amarro no apanhado final de pesquisa, mas que vão ganhando vida no percurso. O que se tem ao final – em um artigo, por exemplo – é a tessitura das conversas, dos fichamentos e das notas de campo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Às vezes é preciso reconhecer que a escrita acadêmica adormece. Nesses dias eu mudo o estilo e faço/leio poesia, literatura, escrevo textão no Facebook, assisto séries, leio críticas literárias, enfim, diversifico o horizonte das palavras. O ócio é fundamental para a escrita. Dormir bem, idem. O que eu costumo dizer aos meus alunos e orientandos é que a escrita é uma forma de sobrevivência, porque ela nos conta ao mundo. Então, é melhor que escrevamos sobre temas que nos sejam caros. Se você escreve sobre o que gosta, o caminho é mais leve. Se o tema que mobiliza a escrita estiver distante dos seus gostos, tente fazer aproximações. Eu não escrevo nada que não possa me mostrar ao leitor.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revisar é tão importante quanto escrever. Voltar ao texto é se permitir mudar de ideia, testar outros caminhos, produzir-se de outros modos. Nos últimos anos tenho escrito muito em co-autoria e isso é algo que me fascina. Fazer a sua escrita conversar com a escrita de outras pessoas é um exercício fantástico. Então, a revisão é uma conversa entre amigos. O Word tem uma ferramenta chamada “revisão” que é um tipo de vício que eu tenho. Eu vou deixando “recadinhos” pra mim ao longo de todo o texto. Na escrita final esses comentários vão sendo apagados, dando origem a processos de reescrita. Quantas vezes eu faço isso? Quantas forem necessárias. Texto meu só vai pro mundo depois de passar pelo crivo das minhas emoções – que costumam oscilar entre a paixão pelo que escrevi e a vontade de rasgar tudo e começar de novo. (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Transito entre o analógico e o digital. Caderno e celular no processo de confecção dos rascunhos e laptop para as configurações finais. O Google Docs também tem ajudado nos textos em parceria, pela possibilidade de edição colaborativa e remota. O teclado do Google, que digita por voz, também é uma opção quando a vista está cansada, mas a cabeça não para de ter ideias.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da vida, das pessoas, das conversas, dos livros, da navegação na Internet. Misturo tudo e sai texto. Sou bem democrático em termos de inspiração. Às vezes, meu texto começa com uma música, por exemplo. Outras vezes, com uma cena de filme, série ou novela. Já comecei texto com uma conversa entreouvida no metrô. Não há regra. A escrita é “o que não tem governo nem nunca terá/o que não tem receita”.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O tempo e a prática diária me deram mais confiança. O celular, pela mobilidade, ampliou minhas possibilidades de registro. Minha escrita, hoje, é mais hipertextual e conversa com um modo de fazer ciência menos sisudo e mais acessível ao leitor não iniciado. Nas pesquisas com os cotidianos chamamos esse movimento de narrar a vida e literaturizar a ciência (ALVES, 2015). Na minha primeira tese eu ainda estava comprometido com certo tipo de escrita acadêmica menos autoral, digamos. Também por isso fiz um segundo doutorado, cuja tese defendo em fevereiro de 2018. Esta tese é um exercício da escrita que pratico hoje. Eu diria praquele escriba certinho que eu era: “um dia você escreverá para ser livre. Continue testando as possibilidades”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de publicar a minha dissertação de mestrado (que está na gaveta há anos!). Quero ler as obras completas do Manoel de Barros, que existe, mas está esgotada!