Leonardo Alves é poeta, autor de “Barcos na Tempestade” (2015) e “Artefatos” (2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho nenhuma rotina matinal de escrita. Pela manhã, minhas preocupações estão voltadas a ir ao trabalho sem me atrasar. Café, cigarro e banho cronometrados. Encontrar roupas limpas no meio do caos da minha residência. É claro que penso sobre literatura, principalmente quando estou no ônibus, a caminho do serviço. Nunca parei para fazer uma análise aprofundada, mas as melhores ideias que tenho são quando não estou em frente a um editor de texto ou com papel e caneta na mão.
Provavelmente quando estou andando na rua, olhando o semblante das pessoas, os prédios antigos, algum gérmen de criação poética está sendo engendrado. Um dia de repente, vem a ideia amadurecida, palpável, com potencial de se tornar um poema.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto muito de escrever a noite. Geralmente bebendo alguma coisa alcoólica e ouvindo música instrumental, como jazz e rock progressivo. Não tenho nenhuma mania excêntrica como a de Hemingway, que segundo consta, apontava uns 30 lápis antes de começar a labuta criativa.
Infelizmente não posso utilizar a escrita como fonte de renda (até hoje não conheci poeta que utilizasse tal atividade/arte como profissão remunerada). Muitas vezes chego em casa exausto, sem ânimo para escrever. Tenho certeza que não é mérito meu. É assim com quase todos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não sou uma pessoa disciplinada. Não me imponho metas, horas de escrita diária. Escrevo quando algo forte me impulsiona. Quando tenho o mínimo de forças para a ginástica intelectual que é escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu não utilizo muita pesquisa. Meu material de consulta é basicamente o dicionário. Simplesmente escrevo quando tenho vontade. O que ocorre muitas vezes não é a pesquisa, mas as leituras que faço por prazer mas que me influenciam no meu próprio trabalho. Obviamente não leio um Herberto Helder com a finalidade de buscar nele o tema para o próximo poema. Leio por que sinto necessidade de poesia. A inspiração vem naturalmente.
Creio que é uma das bagagens fundamentais que um poeta pode ter: leitura de outros poetas. Claro, toda cultura que se adquire é material para a poesia: o livro de Stephen Hawking, enciclopédia, tratado sobre a vida das abelhas, livro sobre plantas medicinais, budismo, e assim por diante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido bem com o vazio que muitas vezes me encontro de (aparentemente) não ter mais nada a dizer (os temas são poucos, já dizia Borges). Fico deprimido de não conseguir ser o autor que eu gostaria. Escrever é difícil, muitas vezes frustrante para mim. Confesso que cada vez sinto menos prazer na escrita. Então, por que escrevo? Parece que minha índole, minha personalidade fatalmente me leva a escrever poesia. Racionalmente, alguém escreveria poesia? Um troço que pouquíssima gente lê, não vende nas livrarias? Há um mistério que nos impulsiona na escrita lírica. Como Ferreira Gullar denominou seu primeiro livro, é uma Luta Corporal (a criação poética). A luta com as palavras, como diz o poema de Drummond. E a luta de tentar se manter relevante, frente a imensa tradição. Depois que escrevo algo que me deixa satisfeito, tenho medo de reler o que escrevi e perceber que eu estava enganado e o texto não é tão bom assim.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando escrevo para publicar na minha página pessoal, não sou muito exigente. Reviso umas duas vezes. Obviamente quando estou preparando um livro, a revisão chega a ser exaustiva. Mudo muita coisa, corto partes, troco adjetivos, tempos verbais. E sempre fico com aquela sensação de que posso ter piorado meu texto original. Para quem leva a escrita a sério, é uma atividade inquietante.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ultimamente tenho preferido escrever direto no editor de texto do computador. Formato uma página A4 em duas colunas. Começo a escrever na primeira coluna; na segunda, eu transfiro trechos, aprimorando-os, cortando o desnecessário. Faço dessa forma, pois o gênero que escrevo assim o permite. Creio que ficaria difícil para quem escreve narrativa. Mas quando surge uma ideia e preciso registrá-la para não perder, escrevo com o que tenho disponível: panfleto de loja, bloco de notas do celular, verso de boleto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como eu havia explicado, a própria rotina diária acaba dando uma série de temas para a escrita. Além disso, a força da memória, infância, as perdas ao longo da vida, as vitórias. Tudo que eu vivo ou vivi é fonte de poesia. Tudo que construí e destruí.
Além disso, as leituras que eu faço sempre são motivos de inspiração. Às vezes leio um poema de Dylan Thomas e me vem uma ideia de escrever algo que não tem nenhuma ligação com o poema lido. Mas a leitura dele foi fundamental para que eu chegasse na ideia do meu próprio texto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Nos primeiros textos eu escrevia de forma bastante espontânea e com grande profusão. Hoje escrevo bem menos. Não acredito na espontaneidade, a não ser na forma de um brainstorm, algo a ser lapidado com paciência e carinho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu ainda tenho vontade de escrever um romance psicológico. Um bom romance, como aqueles que sempre me deram prazer em ler. Já esbocei uma novelinha experimental com um flerte na poesia. Mas é algo que considero apenas um exercício. Jamais mostrarei a alguém, pois é um pouco vergonhosa. Tenho certeza que na próxima tentativa não será tão embaraçoso o resultado.