Léo Tavares é escritor e artista visual, doutorando em Arte na Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo tarde. Prefiro deixar os compromissos rotineiros para as horas depois do almoço. Durante as manhãs as coisas vão se assentando num ritmo lento.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depois das quatro horas da tarde me sinto mais motivado a trabalhar nos meus textos. Preciso de silêncio e da garantia de que vou ter pelo menos as duas horas seguintes reservadas somente para a escrita, sem interrupções. Não tenho um ritual rígido, mas em dias em que o texto se mostra mais resistente preciso andar pela casa, buscar modos diferentes de contemplar as coisas para que as ideias se desenvolvam melhor e para que eu possa me conectar com os universos do texto. Os fins de tarde e as madrugadas geralmente me oferecem a atmosfera mais propícia para a maioria dos meus contos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sempre em períodos concentrados. No momento, por exemplo, estou focado na minha tese de Doutorado sobre as relações entre a escrita literária e as artes visuais, e então não estou escrevendo literatura. No meu campo de pesquisa, porém, a ficção está sempre presente de algum modo, e estou em busca de uma escrita acadêmica que comporte algo da criação literária. Mas quando sento para escrever um conto, inicio um processo serial, e outros contos são escritos durante esse período. Em 2018 me dediquei a escrever e a terminar o meu segundo livro de contos, ainda não publicado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Um processo de reunião mental de assuntos, impressões, atmosferas, modos de olhar e personagens possíveis antecede o processo da escrita. Costumo fazer anotações, mas não para todos os contos. Alguns começam mais facilmente, e seguem um ritmo orgânico, fluido, até o fim, já outros trazem vários nós que precisam ir sendo desatados. Estes são os que exigem pesquisa mais aprofundada, muitas vezes porque tocam em questões que demandam mais cuidado, como uma investigação de contexto histórico, geográfico, etc. Mas não me demoro muito na pesquisa antes de começar a escrever. É muito comum que eu continue pesquisando enquanto o texto está sendo construído. E posso dizer que as experiências de escrita nos meus dois livros foram muito diferentes. Os contos de Os doentes em torno da Caixa de Mesmer foram escritos aos poucos, sem compromisso, ao longo de cinco anos, e foram escritos para mim mesmo, sem qualquer expectativa de publicação. Já o segundo livro, escrito em cerca de oito meses, foi construído pensando no leitor, ou seja, com interesse de publicar, o que já muda todo o processo, o torna mais difícil e faz com que a pesquisa tenha que ser levada mais a sério.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É um aprendizado lidar com as travas da escrita, mas estou com aqueles que acreditam que o texto vem do trabalho e da insistência, e por isso não tenho tido problemas com a procrastinação. Por outro lado também acho que, para além de levar o trabalho a sério e insistir no texto, é positivo aceitar os limites dele. Tenho muitos textos inacabados que têm insistido ao longo dos anos em continuar assim. Gosto de trabalhar os resistentes, mas alguns estão além das minhas forças no momento. O que não é nenhum problema, pois tantos outros acabam indo para o papel, de repente capturando o que aqueles textos fracassados tinham de bom e trabalhando essas questões de outras maneiras. Quanto às expectativas, no momento não tenho muitas, ao menos não que me tragam ansiedade, e nem creio que elas existam de modo expressivo a meu respeito, pois meu primeiro livro, publicado por uma editora independente (Modelo de Nuvem), com tiragem pequena, foi bem pouco lido e comentado. Um projeto longo, como um romance, é um trabalho para o futuro, quem sabe. Por enquanto me satisfaço com histórias curtas e meu projeto longo é a minha tese em artes visuais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O primeiro livro teve poucas revisões. Já o segundo, inúmeras, não sei precisar quantas versões, mas varia de conto para conto. O conto mais reescrito do livro acho que teve cerca de sete versões diferentes. Mas alguns outros só foram revisados uma vez. Não mostro o livro inteiro, mas peço para amigos próximos e bons leitores que leiam um ou outro conto que me projeta alguma dúvida.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É uma relação muito básica. Escrevo desde as notas no Word ou no celular, quase nunca no papel, e passo o tempo todo da escrita pesquisando na internet.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm primeiro de impressões muito íntimas sobre as coisas, de temas que me são caros, de sensações e sentimentos que não são imediatos e que demandam um acercamento para chegarem à palavra. Imagens são chaves especialmente potentes para chamar a atenção a tudo isto. Cinema, arte contemporânea, até os objetos do dia a dia. E vêm também de observar o mundo, de encontrar pessoas ou situações que me pareçam interessantes, comuns ou extraordinárias. Nunca pensei em cultivar determinados hábitos para a criação, mas creio que a criatividade na minha rotina seja mais facilmente acessada pelo meu contato com a história da arte, por meio do meu trabalho de artista visual e pesquisador das imagens, das peculiaridades desses estudos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muito do que quero dizer com os textos permanece o mesmo, mas a forma de dizer essas coisas mudou bastante. Meu primeiro livro estava mais para a prosa poética do que para a narrativa, digamos, convencional dos contos, e isso na época parecia bastar. Lidava também com mais elementos autobiográficos. No segundo livro, menos experimental, com contos mais longos, busquei trabalhar as camadas narrativas e os personagens, a estrutura, como um todo, de modo mais consciente, e isso quer dizer, sem abdicar do poético mas tentando encontrar uma forma mais evidente, menos dispersa. Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos diria para escrever mais, e daria sinal verde para continuar naquele caminho de experimentação que me parecia desamarrado e destemido, e por isso mesmo genuíno. Acho que um escritor em seus primeiros textos deve percorrer essas descobertas. Na medida do possível ainda estou percorrendo, mas agora não existe mais ingenuidade e romantismo em relação à literatura.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro-exposição, um projeto que tenho com a Natalia Borges Polesso. Está em fase inicial e estamos negociando a distância espacial entre nós e tentando remover um pouco dos compromissos acadêmicos para de fato começarmos. Mas é algo que une o meu trabalho como artista visual, que é um trabalho que lida com as palavras no campo da arte contemporânea, e a minha vontade de fazer literatura. Essas duas áreas são menos diferentes do que se imagina.
O livro que eu gostaria de ler e não existe é um livro impossível, o Livro com letra maiúscula de Mallarmé, pura e monumental utopia desse pensador que soube reconhecer tão bem as relações entre as palavras e as imagens.