Leila Míccolis é escritora de livros, TV, teatro e cinema, com pós-doutorado em Teoria Literária (UFRJ).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo almoçando, em geral, já que acordo ao meio-dia, quando não tenho compromissos pela manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor?
Leio e escrevo praticamente o tempo todo; depois de dez anos advogando, voltei-me exclusivamente para a literatura e parece que resolvi “recuperar o tempo perdido”… Trabalho a maior parte do tempo escrevendo, ou seja, sinto-me à vontade em qualquer hora da tarde, da noite ou da madrugada.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Nenhum ritual.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo muito diariamente e não tenho metas rígidas (e nem horários fixos): se for o caso, eu agendo o que preciso entregar no dia seguinte, na semana, ou no prazo combinado e empenho-me a executar o que planejei; em geral consigo, embora possa haver mudanças de planos ou incidentes de percurso. Lido bem com imprevistos, se eles não forem catastróficos ou por demais trágicos… Entretanto, em se tratando de trabalhos acadêmicos (monografias, teses ou ensaios) escolho o método e esboço um cronograma, ou seja: planejo um ritmo de trabalho, que permita ser flexível.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sim: nos meus mestrado, doutorado e pós-doutorado em Letras (Teoria Literária, na UFRJ) eu selecionava trechos das obras lidas, referências bibliográficas, observações minhas que emergiam das leituras, e quando sentia que já tinha material suficiente, eu começava o primeiro tratamento: juntava os arquivos, as notas e meus próprios comentários, sem me importar com a miscelânea, ou com a aparente desconexão; depois ia fazendo uma espécie de copidescagem: interligava parágrafos, separava os diversos aspectos em capítulos, ia aos poucos clarificando o desenvolvimento de minhas ideias, e o texto, cada vez mais aprimorado, emergia (e distanciava-se) do caos inicial. A partir de certo ponto, quando ele já estava alinhavado, costurado, e com certo grau de literariedade, eu começava a formatá-lo segundo as normas da ABNT. A partir daí, dava por encerrada a primeira fase e partia para as subsequentes (não mais fáceis, mas certamente muito menos confusas).
Quando escrevo ficção, porém, não faço pesquisa; no máximo, de vez em quando, alguma notícia ou informação de jornal me chama atenção, mas na minha obra os poemas circunstanciais são minoria quase absoluta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca se dá de eu travar no momento, porque não me dedico a um estilo só, então quando sinto dificuldade de desenvolver uma ideia em poesia, por exemplo, passo para a crônica, para a crítica literária ou mesmo para a anotação de minhas observações; mesmo durante o período da minha pós-graduação (que concluí em 2014) nunca dediquei-me apenas à minha pesquisa, tese ou ensaio; acho que mudar de gênero literário descansa a mente, faz com que vejamos com mais clareza as falhas ou as omissões quando voltamos ao texto.
Quanto a projetos longos, estou acostumadíssima, não os temo desde que comecei a escrever novelas para a TV; acaba-se acostumando a vencer os “blackouts”, os brancos mentais, a ansiedade, ou qualquer outra emoção paralisadora (o terror petrificante, citado por Aristóteles…), pois é preciso escrever no mínimo trinta páginas diariamente, mesmo com indisposição, com febre, ou com exaustão. Isto durante meses. Não há bloqueio que resista. Aprende-se muito com este treino de trabalhar sob pressão, principalmente a não parar a produtividade, mesmo quando nos deparamos com algum obstáculo ou bloqueio. A rotina nos dá a confiança de que somos capazes de vencer estas nuvens passageiras. Como diz o provérbio, “a necessidade é a mãe das indústrias”…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dias… Dependendo do texto, meses inteiros. Reviso incessantemente, até gostar plenamente do que escrevi. Nunca mostro a ninguém antes de publicar material inédito, exceção feita, no caso da academia universitária, aos meus orientadores e ao meu supervisor, interlocutores antenados com o objetivo e a finalidade do projeto apresentado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia (leia-se internet) é a melhor possível. Poesia eu gosto primeiro de escrever à mão. Todos os demais gêneros, inclusive ensaios acadêmicos digito desde o primeiro tratamento até a revisão final. É mais fácil para localizar um trecho, mesclar ou alterar alguma parte. Também me previno, fazendo mais de um backup, pois já perdi peças de teatro inteiras, quando comecei a dar os primeiros passos no Word. O primeiro momento foi de ódio, logo depois de amor eterno.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vêm da percepção do mundo ao meu redor, de jornais, dos livros que leio, das reflexões e da análise crítica que faço sobre o que leio e observo. Nenhum conjunto de hábitos para me manter criativa, a própria vida me é fonte inesgotável de ideias. Com relação ao universo acadêmico, procurei oferecer uma contribuição realmente original ao programa de Ciência da Literatura: escolhi corpus ousados e mesmo polêmicos: por isso, no mestrado, pesquisei o épico poético contemporâneo brasileiro, sob o viés da Taxinomia (já que o debate sobre os gêneros é um dos pilares da Teoria Literária e muitos críticos consideram inclusive totalmente inútil e ultrapassada esta questão); quis mostrar que o épico não morreu, apenas mudou sua literariedade, seu âmbito, suas perspectivas e seus padrões, mas nem por isso deixou de existir, nem por isso sumiu do mapa; não é o mesmo da época clássica, assim como a própria comédia ou a tragédia, apenas isso. No doutorado, minha tese foi ainda sob o mesmo tema – o épico poético brasileiro contemporâneo –, porém em outra direção, interconectando-o a questões relativas à nação, ao nacional, incorporando as mudanças conceituais recentes oriundas principalmente dos estudos pós-colonialistas. Com este intuito, analisei três épicos escritos na mesma época (década de 1980), porém totalmente diferentes (um poema dramático épico patético, um poema de cordel e um antiépico, na definição do próprio autor que o criou). Por fim, no meu pós-doutorado mergulhei na análise de cinco poetisas da geração 70 através da perspectiva dandista – esta estética abduzida do panorama literário brasileiro, tão discriminada, confundida com o pré-modernismo ou com o simbolismo, e estudada a fundo seriamente por raríssimos autores.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A não ser o título, que é muito formal, não mudaria nada em minha tese, passei anos construindo-a com muita dedicação e leituras; apenas a adaptaria, no caso de ser publicada visando um público mais amplo, heterogêneo e menos especializado, exatamente como fiz com a minha pesquisa de mestrado, que foi publicado pela Academia Brasileira de Letras e Topbook, em 2009. Agiria da mesma forma com meu ensaio de pós-doutorado, ainda inédito.
Em poesia, porém, meu estilo mudou bastante: a primeira fase é muito agressiva, ainda mais porque fui a primeira mulher a publicar uma poética bastante informal e ao mesmo tempo de transgressão (em 1976), o que incomodou e assustou quem estava habituado com uma poesia feminina mais contemplativa do que questionadora, menos objetiva e direta, com uma mensagem que desconstruía a imagem do universo rosicler da mulher… A partir de 1987, com “Em perfeito mau estado”, minha produção poética continuou crítica, porém mais irônica e ferina, voltada mais para o humor sarcástico e corrosivo, em vez de partir para o confronto (beligerante) aberto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho tanto projeto já começado que no momento não me apetece começar mais nenhum; queria, isto sim, terminar algumas pesquisas (inclusive uma que comecei a escrever em parceria com Leninha Caldas sobre poesia feminina de épocas passadas) e também ver publicadas as obras individuais que já concluí.