Leandro Rafael Perez é formado em linguística pela USP e autor de livros de poesia pela editora Patuá.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Cigarro e internet. Depois cigarro, café e internet. Como algo se não preciso sair imediatamente. É uma boa hora para começar poemas, mas não sei se, para mim, é um bom horário para trabalhar poemas ou a estrutura de um livro.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para mim, começar um poema é parecido com envesgar para ver 3D sem óculos nas revistinhas da Turma da Mônica. Não requer uma preparação mental, mas exige uma configuração mental específica, um rearranjo. Ônibus, filas, um dia ou algumas horas depois de estar apaixonado por uma nova poética são os contextos em que mais poemas me ocorrem; contudo, na hora de montar um livro, pensar os poemas, trabalho melhor no fim da tarde, com alguma anotação, em papel, do esqueleto que procuro nos poemas: seções, metanarrativa que eu queira trabalhar, quais moods quero causar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tento estar no registro mental de escrever poemas pelo menos umas duas ou três vezes por semana, me forço a isso. Me balbucio uns versos, gosto quando eles são estranhíssimos e paro na hora se eles me soam bregas ou óbvios. Sinto que é função dos versos iniciais me motivarem a fazer deles um poema, não minha. Eu tento terminá-los na hora; se não consigo, sempre que estou meio bloqueado para novos versos, volto a esses inconclusos. É um ciclo bem produtivo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não costumo fazer pesquisa para fazer poemas, mas pesquisas podem acabar resultando em poemas. Pro romance que tenho escrito , vou refazer o trajeto de ônibus que fiz durante 26 anos da minha vida e anotar sensações e detalhes para incluir no livro. Não acho que a pesquisa precise ser prévia, acredito em escrever excertos, imaginar uma estrutura vaga e ir trabalhando o livro como se fosse um desenho de ligar pontos. Não fico remoendo psiquê de personagens, foco mais em cenas e em falas e vou vislumbrando uma pessoa entre os pilares que já tenha, que nunca revelam uma pessoa, apenas mais pilares.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tenho mais medo de terminar do que de não terminar projetos longos. A angústia do que fazer depois dói mais do que o peso da procrastinação sobre a produtividade. Como escrevo muitos poemas, uma hora sento e tento montar um livro com eles. Agora, prosa, anos e anos e não passei de 15 páginas, não tenho pressa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho um grupo pequeno de poetas amigos a quem mostro alguns textos, quando prontos.
Tive blogues por muito tempo e, às vezes, posto inéditos no facebook, foi útil e importante por muito tempo para mim, me dava uma sensação de publicação, uma realização maior do poema enquanto objeto público, suscetível a escrutínio.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Acontece de começar algo só na cabeça ou à mão, amo a minha caligrafia, que é bem bizarra, mas movo pro computador assim que possível. Fico mais seguro que não será perdido. Não reescrevo muito, mas releio muito, para entender como um poema pode ser articula a outros.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Meus poemas vêm das leituras que já estão sedimentadas em mim, igual petróleo, só que vale bem menos. Muito Wallace Stevens, Góngora, Jorge de Lima, Francisco Alvim, Manley Hopkins, Qorpo-Santo. Mais recentemente, entrar de cabeça em Orides Fontela e Adélia Prado ao mesmo tempo mudou a minha vida.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrevo poemas há mais de 10 anos e não sei se sou capaz de dar muitas dicas ao meu jovem eu poeteiro. Talvez gastar menos tempo com Robert Frost, haha. A primeira vez que li Tereza do Bandeira no ensino médio nunca será repetida, mas às vezes tento me pôr naquele lugar de novo para mostrar a mim mesmo o quanto o alumbramento e a sensação quase de cócegas perante o estranhamento ainda são possíveis e produtivas.
Meu processo para poemas continua o mesmo: pensar imagens aleatórias em um ou dois versos e desenvolver o poema a partir disso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu projeto de romance é um livro que ainda não li e que gostaria de ler: uma crítica ao machismo desde dentro da atual comunidade gay, que tanto ainda elogia a figura do macho. Dizer que já não exista, não me atrevo.