Leandro Leal é redator publicitário e escritor, autor de Quem Vai Ficar Com Morrissey? (Edições Ideal, 2014) e Olho Roxo (a ser lançado em 2020 pela Realejo Livros).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia com exercício: se não corro, faço musculação para me fortalecer para a corrida. Estava para escrever que isso não é algo muito literário, mas lembrei que o Murakami é maratonista – autor, inclusive, de um livro que relaciona sua rotina de escritor à de corredor, Do Que Eu Falo Quando Falo de Corrida. Escritores best-seller praticantes à parte, o esporte é parte do meu processo criativo. Enquanto corro, penso no que estiver escrevendo, em prováveis rumos. Durante meus treinos de corrida, além de redefinições de tramas, surgiram desde personagens à ideia de final de um romance – o último que escrevi. Entre as árvores do Ibirapuera ou me desviando de carros e pedestres para chegar até lá, também matuto sobre projetos futuros. Só cuido para não viajar demais, ficar minimamente atento, do contrário tropeço em algum buraco, raiz de árvore ou desnível – em São Paulo, não falta – e me esborracho no chão. (Sim, isso já aconteceu.) Antes da corrida, ainda em casa, tomo uma caneca de café preto e leio um pouco do livro do momento. O café serve como estimulante para a corrida e as poucas páginas, acredito, fazem o mesmo pelas minhas digressões literárias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O trabalho do escritor, como já foi dito por muitos, não dá folga. Mesmo quando não escrevo, estou observando, absorvendo experiências, pensando sobre o que vou escrever, como disse que faço durante minhas corridas. Para transformar essas notas mentais em texto, antes eu precisava estar diante do computador. Precisava, também, de tempo vago, um item raro para quem tem uma carreira profissional que dá quase tanto alívio quanto a paralela. Além de exigir menos da minha memória, desde que aderi a um aplicativo de notas – antes fazia apenas mentais –, consigo escrever a qualquer momento. O texto de então não é o final, mas serve de base para o que farei quando a propaganda deixar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Adoraria ter uma rotina de escrita diária. Melhor se viesse acompanhada de uma meta, uma página por dia, que fosse. A verdade é que, se não tiver um livro em andamento, posso passar um tempo considerável sem escrever. Para evitar isso, venho tentando diminuir o intervalo entre meus projetos. Depois de concluir o primeiro romance (Quem Vai Ficar Com Morrissey?), levei mais de dois anos para começar o segundo (Olho Roxo), mas o tempo entre este e o terceiro foi bem menor – uns dois meses, se tanto. Agora, cinco meses depois de finalizar o terceiro, comecei a trabalhar em contos, que quero reunir num volume. Para fazer mais um paralelo com a corrida, ter um livro em andamento é como ter uma prova no horizonte: me faz escrever/correr com mais regularidade e vontade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita não tem método, não segue nenhuma fórmula. Sou bastante desorganizado. Tomo notas quando me ocorrem ideias e, se elas sobreviverem à ruminação dos dias seguintes, tento desenvolver. Nem todas vingam, claro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O ato de escrever, desculpe a obviedade, tem um tanto de inspiração e outro tanto de empenho. Nem sempre que me proponho a escrever estou tão inspirado, mas me esforço, mesmo assim. Em geral, acaba saindo alguma coisa. Muitas vezes, não adianta: nem toda boa vontade basta. As frases que vão se formando na tela me entendiam, dão sono. Se quando isso acontece estou em casa e é noite, aproveito para dormir. Do contrário, faço qualquer outra coisa: leio, assisto televisão, fuço na internet… Não adianta brigar com as palavras: se elas não estão a fim, não rola. Sobre expectativas quanto ao meu trabalho, as maiores – e talvez as únicas – são as minhas, mesmo. Busco ser um escritor melhor a cada livro. Por acreditar que isso é possível, continuo escrevendo. Quanto à ansiedade, depois de concluir meu primeiro romance, ela diminui. A partir dali eu tive certeza de que era capaz de levar a cabo uma narrativa de fôlego. Acontece que essa ansiedade deu lugar a outras, que talvez fosse melhor chamar de inseguranças. Será que alguém vai querer publicar? Será que alguém vai querer ler? As respostas para todas essas perguntas têm sido positivas. Alguém acaba achando vale a pena publicar e, depois, outro alguém acha que vale a pena ler.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A resposta desta pergunta tem um pouco da anterior, porque tem a ver com ansiedade. Por causa dela, assim que escrevo algo que considero bacana, num volume suficiente, mando para um amigo – quase sempre o mesmo, em cujo critério confio muito, meu primeiro leitor há anos. Estou sempre escrevendo e reescrevendo. Não apenas porque sigo as sugestões de quem lê – esse amigo e outros –, mas porque tenho a impressão de que sempre posso melhorar. Isso vai até a fase da edição, até o último minuto, enquanto puder.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha escrita está condicionada à tecnologia. Tenho que reescrever cada frase uma dúzia de vezes até chegar a uma formulação próxima do que pretendo, mesmo se tratando de um rascunho. Para os rascunhos, como já disse, uso o celular. Depois, computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da vida, de experiências que tive, de coisas que presenciei ou que escutei. Muitas vezes escrevo algo e, só depois de ler, me dou conta de que já passei por aquilo ou ouvi de alguém. Então, chego à conclusão de que sou, na verdade, um reciclador de memórias, um catador de passagens e fatos cotidianos. Tudo o que escrevo, de certa forma, aconteceu.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se sou crítico com o que escrevo hoje, há 20 anos era muito mais. Não apenas não mostrava a ninguém: chegava ao ponto de achar meu texto tão ruim que mal escrevia, uma autocensura horrenda, da qual demorei a me livrar. Então, se pudesse dar um conselho ao Leandro de 20 anos, diria para não ter vergonha de escrever mal, continuar escrevendo até ficar aceitável e, quem sabe um dia, bom. Se tivesse ouvido esse conselho, sem dúvida teria escrito mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um projeto, muito pessoal e absolutamente afetivo, de escrever contos e crônicas baseadas nas histórias do meu pai, que viveu tanta coisa. Sempre que tem uma oportunidade – e muitas vezes até quando não tem –, ele adora contar uma delas. Tive a ideia de reuni-las em livro e convidei meu irmão para escrever comigo. Quando éramos garotos, o Rogério também escrevia – e bem –, era uma inspiração para mim. Mas aí crescemos, e ele se tornou mais adulto do que eu. Para escrever literatura, é preciso ter um senso de abstração que a vida adulta rouba da gente. Com esse projeto, que ainda não começamos, espero que o Rogério se reencontre com a escrita, que se apaixone novamente por ela. Que livro eu gostaria de ler e ele ainda não existe? Acho que esse, das histórias do meu pai. É, o jeito vai ser escrever.