Layla Loli é atriz, artista plástica, dramaturga e poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina religiosa, acredito que principalmente por não funcionar muito no período da manhã, então sou bem tranquila com isso, mas procuro sempre começar o dia organizando as pendências mais pontuais ou o espaço que vai me abrigar enquanto trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou completamente noturna pra escrita. Mesmo que as ideias tenham se revelado ao longo do dia, procuro só cutucá-las de fato na madrugada que é quando sinto a psique da coisa toda passear mais livremente dentro do quarto, com as portas fechadas, meia luz, etc. Acho que a parte mais ritualística disso é que cubro ou guardo qualquer espelho que possa ter no ambiente. Superstição.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende muito, principalmente do tipo textual e a finalidade da produção. Como meu rebento principal é a poesia, dificilmente escrevo ao longo de dias, mesmo quando a natureza do texto é outra, acho que por ter me disciplinado assim, ou um medo inconsciente das ideias fugirem enquanto eu durmo e não encontrá-las mais quando for terminar o texto (?). Poesia pra mim sempre foi numa sentada só, mesmo que os pequenos membros tenham sido descobertos em processos anteriores, então naturalmente me vejo com frequência em processos que por vezes se tornam até fisicamente exaustivos por concentrar toda a produtividade em períodos muitos compactos de dias ou horas. A meta é o máximo que eu conseguir naquele dia, o que costuma ser bastante já que levo ao pé da letra os dias dedicados à escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acredito que a dita pesquisa e a escrita são corpos indissociáveis na forma como escolho e gosto de trabalhar. A maior parte dos meus textos são quase súbitos, frequentemente planto sentenças ou palavras aleatórias no processo de escrita, e depois de finalizar o grosso é que retorno até elas pra investigar se realmente abarcam os signos que representavam no momento em que me veio a mente, e a partir disso aprofundo as potencialidades que isso pode trazer pro resto da composição. Gosto bastante desse fluxo inconstante entre a pesquisa e a escrita, me sinto acolhida pela ideia de desapego processual no fazer artístico, no meu caso principalmente na escrita, então procuro me permitir essas idas e vindas sem preocupações técnicas pra que a essência das ideias que estão sendo postas ali seja o mais espontânea possível, independendo do conteúdo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se tenho um bloqueio por um período que passo a considerar “interessante”, procuro não me condicionar a essa disposição mental e tentar compreender se de fato é um hiato criativo ou auto sabotagem, e o que meu corpo está tentando me dizer com isso, somos criaturas psicossomáticas. Respeito esse tempo até a medida em que não for prejudicial ao meu trabalho ou estudos, e sempre consegui contornar esses episódios de forma satisfatória, focando no que quero ou preciso produzir de forma mais categórica pra não me entregar às sabotagens da “auto estima da/o artista”, que inclusive é uma discussão urgente, principalmente para os dias que estão por vir.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Procuro revisar o mínimo possível. A não ser por correções técnicas, sempre opto por mexer só no que for realmente necessário à ideia. Gosto da coisa crua, sem vergonha, sinto que meu discurso é mais honesto assim. Antes eu ainda mostrava pra algumas pessoas mais próximas que também se aventuram pela escrita comigo, mas hoje, talvez por me sentir mais confiante com a qualidade e identidade do que escrevo, é um costume que está mais abandonado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Apesar de ter uma relação boa com a tecnologia, o pré natal dos textos é sempre à mão. Tenho grande apreço pela segurança de um caderninho sempre na mochila pra dar conta desses lapsos de criatividade, aí que meus cadernos desse tipo são quase um amontoado de palavras e frases aleatórias, o que também os tornam um estoque pra futuros textos. Gosto muito do movimento, da corporalidade da escrita à mão, acredito que existe algo dos afetos em costurar as palavras que se revelam pra nós. Mas pra mim a tecnologia também é essencial nesse processo de estruturação, quando invento de trabalhar grafismos ou poesia concreta por exemplo, o papel não dá conta sozinho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não sei se elas vem de um lugar específico, esse tipo de questão sempre me lembra da Frida alegando que nunca foi surrealista e sim, pintou sua própria realidade, por mais simplista que possa soar. Minhas abstrações sempre foram intimidades transliteradas a um recorte de imaginário comum onde houve identificação com o que escrevo. Procuro não limitar as fontes de inspiração, leio muito sobre a produção e a vida de escritoras hoje já canonizadas, principalmente brasileiras e latinas, e sinto um prazer enorme em consumir a produção de pessoas próximas a mim ou que fazem parte dos meu núcleos de convivência, sempre me dá uma descarga de inspiração, vontade crua de escrever, de fazer volume, barulho pra que nosso ofício seja visto e lembrado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sinto que hoje as coisas acontecem de forma mais orgânica (sim, também to exausta dessa palavra). Como pessoalmente minha intenção é tornar a escrita um eterno processo experimental, é difícil trabalhar com esses contrastes muito nitidamente. Consigo identificar uma fluidez muito maior no momento em que sento pra escrever, tanto de ideias como na escolha das palavras, provavelmente por hoje estar mais confiante do potencial da minha escrita e dominar melhor os trejeitos pra isso. Acho que não tem nada que diria a mim mesma, mesmo que a escrita anterior por vezes não me faça mais tanto sentido, sei que foi essencial pra construção da mulher e artista que sou hoje, as quais me orgulho muito mesmo sabendo que há um caminho extenso pela frente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento nenhum, todos os projetos que eu vinha tensionando na mente já estão encaminhados, todos no seu tempo e espaço. Acho que não tem muito isso de um livro, uma peça, um filme que não existe. Existe um pouco (ou muito) de tudo, e a experiência da recepção estética é nossa, o desejo pessoal, a idealização do consumo artístico não podem ser usados como critério de catalogação do que está sendo produzido no mundo lá fora, muitas vezes esses produtos só não foram abordaram certas temáticas da perspectiva que corresponde a nossa expectativa, nossas verdades ou zona de conforto, mas não por isso podemos dizer que x coisa ainda não está sendo feita. Em caso de extrema necessidade, nós mesmas podemos criar o livro, a peça, a música, o filme, uma vez que já estamos nos prestando ao ofício.