Laura Trajber Waisbich é formada em Relações Internacionais e doutoranda na Universidade de Cambridge (Inglaterra).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou uma pessoa diurna. Acordo bem-humorada e funciono melhor, em termos de produtividade, durante o dia. As primeiras horas costumam ser mais proveitosas para mim, sobretudo para escrever. Costumo dizer que pareço aquele coelho da antiga pilha duracell: à medida que o dia avança vou perdendo a energia e me movimentando mais devagar. Começo meu dia com um café da manhã, que inclui uma bela xícara de café. Para mim o café faz parte do ritual.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor durante o período da manhã. Das 9h às 11h. Podemos chamar de um pico-de-concentração. O segundo pico, seria das 15h às 17h, mas acredito que já esteja mais dispersa. Prefiro escrever pela manhã, mas nem sempre é possível. Acabo percebendo que escrevo melhor em lugares iluminados. Janelas me fascinam. E costumam ser boas companheiras para mim. Absoluto silêncio pode facilitar, mas nem sempre é pré-requisito. Muitas vezes me pego escrevendo em cafés ou escutando música. Na verdade, há um conjunto de músicas que sempre me ajudam no fluir das ideias: é a trilha sonora do filme Amélie Poulain, feito pelo compositor Yann Tiersen. Vai entender…! Não tenho ritual de preparação, simplesmente mergulho de cabeça, para usar outra metáfora.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias, ao menos um pouco. Não tenho metas específicas. Acho que depende do projeto, do produto (seja um artigo acadêmico, um capítulo para um livro, um relatório de pesquisa, um artigo de opinião) e sobretudo da fase da escrita. Me explico: tendo a começar com uma chuva-de-ideias e depois vou lapidando e construindo parágrafos, revisando-os. Leio e reviso muitas vezes.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo começar lendo minhas notas de pesquisa e a partir delas fazendo uma chuva-de-ideias para priorizar e organizar o que entra e o que sai do texto. Muitas vezes deixo comentários a mim mesma em vermelho entre colchetes ou pontos grifados em amarelo para revisão posterior. São pedaços que faltam, pedaços não perfeitamente encaixados, pontos de atenção. Ao longo do tempo fui desenvolvendo minha própria linguagem para conversar com o meu “eu do dia seguinte”. Vou aos poucos transformando a colcha de retalhos em texto, lendo, revisando, lapidando. Há vezes em que ideias e parágrafos fluem naturalmente e tantas outras em que não fluem. E ficam pendentes: esperando inspiração ou esperando novas informações que precisarão ser recuperadas nas notas de pesquisa ou até por meio de novas pesquisas mais pontuais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Os dois últimos pontos para mim são mais sensíveis do que os dois primeiros. Eu respeito o que sinto quando acordo. Há dias que a escrita não flui. E eu respeito. Se me vejo entrando muito na internet, respondendo e-mails ou divagando eu simplesmente fecho o documento Word e só abro novamente quando sinto que estou pronta para mergulhar novamente. O medo e a ansiedade são os grandes companheiros de viagem, não os nego. Quanto aos projetos mais longos, como é o caso de minha tese de doutorado agora, eu tento criar etapas menores. Tarefas semanais. Isso serve tanto para as atividades de pesquisa, quanto para as de leitura e de escrita. A metáfora aqui é aquela expressão (infame) do “cortar o elefante em pequenos bifes”.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Difícil contar. Há trechos que reviso mais, outros menos. Mas o texto inteiro, ao menos duas vezes depois de pronto. Gosto de imprimir e revisar à mão, com uma caneta colorida. Para ressaltar mudanças no branco-e-preto das páginas. Depois sento no computador e incluo as mudanças no texto, para quem sabe fazer uma nova impressão final ou uma leitura final na cópia eletrônica mesmo. Se estou em uma equipe de pesquisa, eu obviamente enviarei o texto para meus colegas e o trabalho de revisão será conjunto. No entanto, quando se trata de um texto apenas meu, não costumo mandar para outras pessoas para leitura. O que, sim, eu faço com meus textos acadêmicos é, antes de publicar em formato de artigo ou capítulo, apresentá-los em eventos e conferências. Assim, coleto impressões, comentários e sugestões que entrarão nas minhas revisões rumo a uma publicação mais formal.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou da geração que viveu a transição entre um mundo de papel e um mundo digital. Ainda prefiro o mundo do papel. O cheiro dos livros, a textura das folhas, a materialidade e versatilidade da caneta. Muitas vezes faço meu primeiro brainstorm no papel, bem gráfico com flechas para todos os lados. Depois vou ao computador e crio listas de ideias e, por fim, as transformo em parágrafos. Mas nem sempre isso é possível, por questões de tempo. E há vezes em que vou direto ao processador Word, no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acho que as ideias, para uma pesquisadora, são fruto do que você lê, vê e escuta ao longo da pesquisa. Por isso valorizo muito as minhas notas de pesquisa. Sempre transcrevo as minhas entrevistas (à mão) e incluo observações próprias. Ando com um pequeno caderninho. A inspiração para mim vem de reler, repensar e refletir sobre coisas que escutei, li ou vi. A criatividade na minha área me parece estar mais ligada à habilidade de fazer pontes, criar vínculos, olhar com outros olhos, do que criar algo absolutamente novo ou inusitado.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ainda estou na minha tese. Mas já trabalho com pesquisa em ciências sociais há alguns anos. Acho que passei a dar mais valor ao tempo de amadurecimento das ideais. Entendi que o meu processo de escrita, e isso é individual e subjetivo, é um processo de lapidação. Um processo lento. A primeira chuva de ideias vem como tempestade, mas é apenas com o tempo que as ideias se clarificam e passam a fazer sentido.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu por enquanto não tenho um projeto pendente. Acho que escrever a minha tese será um grande projeto, que trará muitos desafios. Quem sabe vou criar outros hábitos e rituais. Valorizo essas mudanças. O que serve durante um período (incluso os espaços que mais nos inspiram), pode não mais servir depois. Aprendi a ir mudando e encontrando novos arranjos inspiradores.