Laura Elizia Haubert é escritora, mestre em Filosofia pela PUC-SP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
As manhãs são importantes para mim, adoro-as. Costumo levantar cedo, umas seis e meia ou sete horas, tomar um banho e preparar um café. Adoro essa parte do café da manhã, costumo comer algo enquanto leio no computador, em geral, notícias ou uma fuçada nas redes sociais. Então, preparo-me para sair. Durante a semana vou a universidade todos os dias, costumo chegar lá umas oito e meia e passo o resto da manhã estudando no espaço que meu orientador tem na universidade. Ai, a literatura fica complicada, minhas manhãs, em geral, são voltadas para o trabalho acadêmico. Leio, mas são livros de filosofia, estética, outras coisas.
Aos finais de semana, já é diferente. Aproveito para sair para tomar café da manhã em algum café agradável, caminhar um pouco, ler literatura. Tento não planejar tanto esses dias, já que tenho a semana, em geral, bem planejada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Apesar de ser uma pessoa matinal, quando se trata de literatura, prefiro trabalhar durante as noites. Não sei porquê. Parece-me que as palavras saem mais fáceis de meus dedos durante a noite, é todo um clima, a cidade está super calma, a luz amarelada do abajur, cadernos ou computador em mãos. Não tenho nenhuma preparação ou rotina específica, quando sinto uma vontade imensa simplesmente sento e escrevo.
De fato, sou bastante crítica, então acabo voltando e reescrevendo. O que acontece é que penso muito no que vou escrever antes de começar. Diria que escrever é a parte final do meu trabalho, mentalmente reescrevo até por meses antes de colocar no papel uma cena.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já tentei trabalhar com metas, mas confesso que não gostei da experiência. Posso escrever só para alcançar a meta, mas não quer dizer que aquilo será bom. Além disso, já trabalho com metas acadêmicas, escrita de artigos, comunicações em congressos, meta de leitura todo dia na universidade. Assim, quando venho para a literatura prefiro deixar fluir sem tanta cobrança. Já escrevi por períodos concentrados, em dois dias inteiros, mas também já fui escrevendo de pingando o livro, uma frase aqui, um parágrafo ali nas notas do celular.
Varia muito, sobretudo dependendo do que estou escrevendo. Se for um conto gosto de encerrar ele completamente no mesmo dia, escrever do começo ao fim de uma vez só. Já romances que são projetos mais longos vão sendo intercambiados com outras coisas, confesso que não sou disciplinada nesse sentido para escrever.
Depois da escrita, costumo sentir-me muito cansada. Parece que corri uma maratona, então é mais uma questão de fluir tranquila até chegar nesse ponto do qual não consigo mais, sou vencida. Além disso, também gosto de deixar um fio solto para encontrar no outro dia, deixar um resto de fôlego ali em gérmen.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não costumo fazer notas sobre o que vou escrever.
Gosto de pesquisar livros semelhantes ao que estou interessada em escrever, pensar, ruminar aquilo. É um trabalho longo e cuidadoso, mas não me levo tão a sério. Não é inspiração e intuição pura, claro, existe também uma questão técnica inevitável por trás da arte da escrita. Busco ela constantemente em minhas leituras literárias.
Ler é parte essencial para que eu escreva, então acabo lendo muito mais do que escrevo. Já me cobrei no passado por isso, mas hoje acho que faz parte do meu processo. Não tento mais me encaixar no que imagino que deva ser o processo de escrita, deixo fluir, pesquiso, penso a respeito e quando me sinto pronta começo.
Costumo pensar e repensar bastante em uma cena específica da história que desejo escrever, rumino ela do começo ao fim. Parece que ela cresce dentro. Aí, quando acho que está pronto começo a escrevê-la. Mas, a questão é que no processo de escrever ela vai se transformando, os fios vão surgindo e a partir daí sou levada pelo momento da escrita.
Começar não é tão difícil para mim, o problema é continuar, manter-me interessada no projeto, achar que vale a pena, que alguém vai ler aquilo algum dia.
Quanto a pesquisa, bem, eu faço pesquisa acadêmica na área de filosofia. Trato com filósofos, argumentos, conceitos e clareza. É bastante diferente do meu processo de literatura e da leveza que a literatura tem para mim, em geral, quando contrastada à filosofia. Da filosofia, é claro, roubo informações e ideias. Só que não tenho o intuito de fazer um tratado e sim de transformar aquilo para mim mesma. No fim, são duas coisas diferentes que tem para mim uma convergência, atendem a duas necessidades pessoais: a curiosidade científica e a criação imaginativa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que a procrastinação e o medo de não corresponder às expectativas são as duas piores. Como disse acima, depois de escrever me sinto exausta, então, às vezes, procrastino como se com isso quisesse salvar aquela energia que está indo para o texto. Estou tentando evitar de fazer isso agora, mas é uma realidade que me acontece também.
Além disso, tem o medo. O medo é uma parte importante do processo e também conversa muito com a frustração. Não fica perfeito, não dá para ficar. Poderia passar uma vida reescrevendo o mesmo livro e mesmo assim, talvez, ele não ficasse perfeito. Então, estou trabalhando a ideia de que um livro bom é um livro escrito. Simples assim. Mas, é claro que um livro é sempre um perigo, uma frustração possível. Está satisfatório o texto? Alguém vai ler isso? O que vão dizer? Me parece muito bobo tudo que escrevo, é inevitável.
Acho que escrever é uma forma um tanto cruel de se expor ao mundo. Deve vir daí o medo que é tão comum entre escritores. Não sei.
De modo geral, tento não me cobrar tanto a respeito da escrita quanto fazia há alguns anos. Percebi que há fases, tem meses bastante produtivos, e tem meses seguidos em que não produzo nada. Está tudo bem assim, é meu ritmo, não estou tentando mais me adaptar a um ritmo externo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo pensar, então escrever. Daí, assim que termino o primeiro rascunho dou uma olhada e vou corrigindo principalmente a história. Depois disso, deixo o texto descansar alguns dias. Volto a ele e vejo como está de novo a história. Quando fico convencida de que está, ao menos, razoável, envio para meu namorado que já foi revisor de editoras. Ele assume o trabalho de corrigir a parte gramatical. Nem sempre dá pra fazer isso, infelizmente.
Costumava mostrar meu trabalho para algumas pessoas antes de publicá-los, já não faço isso. A maioria não é a da área de literatura, não sabe muito o que dizer, ou está muito ocupado. Então, acabei perdendo esse hábito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. Costumo andar sempre com papel e caneta, tenho vários cadernos onde costumo escrever, mas isso não é regra. As vezes prefiro escrever direto no computador, em um bloco de notas. Outras o computador só entra em um segundo momento onde vou digitar e revisar a história. Gosto dos dois métodos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De todos os lugares, principalmente de minhas leituras e reflexões. Mas, também, de histórias que ouvi de amigos, de professores, de discussões em sala de aula, sou como uma ladra de tudo que possa ser interessante e que está por aí. Se me parece que há algo que possa ser trabalhado, anoto mentalmente para voltar nisso depois, desenvolver. Gosto de estar num espírito de absorção de várias coisas, como uma esponja mesmo. Para me manter criativa gosto de ler, ler e ler. Também vejo documentários, séries, procuro conversar com pessoas que tenham vivências diferentes das minhas, de outros países, de outras formas de sentir e ver o mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que diria a mim mesma que é necessário entender que não é porque gosto de ler um estilo determinado de literatura que posso produzi-lo. Comecei escrevendo literatura fantástica porque era o que lia na época de criança e adolescente, quando comecei a escrever minhas histórias e publicar. Mas, não sou tão forte nesse estilo, e tampouco me manteve interessada.
Acho que também é essencial aceitar as mudanças que vão acontecendo, a gente muda e também a forma da escrita e de encarar a literatura mudam. Faz parte, embora nem sempre seja fácil. Então, não se preocupe tanto com isso, as coisas vão fluir como tem de ser Laura do passado! Ah, e claro, não se esqueça de manter por perto pessoas boas que te influenciam positivamente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Costumo ter várias ideias rolando ao mesmo tempo, escrevo contos e romances ao mesmo tempo. Tem dia de conto. Tem dia que só me interessa o romance. Tenho algumas ideias para um romance mais longo, mas ainda não consegui achar minha cena de entrada. Tenho alguns contos onde estou experimentando um pouco mais, uma nova voz. É complicado, sinto que tudo que é bom já foi feito, embora, claro, isso não seja verdade.
Gosto de ler tantos livros, há cada dia procuro mais leituras, descubro coisas que nem sabia que existiam seja ficção ou não ficção. Não sei qual livro gostaria de ler e ainda não existe, mas dos que já existem, tenho uma longa lista digital e física à minha espera.