Larissa Prado é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo no mesmo horário quase todos os dias, por volta das 6h30. Não consigo acordar tarde por mais que tente e quando isso acontece o dia se arrasta improdutivo, não me faz bem. No período da manhã tenho afazeres, aulas. Quando posso, gosto de levantar e ir andar de bicicleta em lugares com muito verde ou, aos finais de semana, fugir da agitação da cidade. Estar em contato com a natureza me faz muito bem. Essa são minhas manhãs, não costumo fazer nada muito diferente disso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite é o período que trabalho melhor, embora eu escreva sempre que alguma ideia surja. Anoto as ideias para desenvolvê-las depois, o que acontece no período da noite/madrugada, quando o silêncio ajuda a pensar. Não sei se tenho um ritual para escrita. O que faço é escrever as ideais assim que elas aparecem e depois organizo produzindo os textos. Em alguns casos, passo muito tempo sem retornar a algumas ideias, outras ficam esquecidas, mas em algum momento vou explorá-las. A forma que vou escrever depende do momento que tiro para fazer isso. A ideia pode estar nítida na mente, clara e pronta, mas na hora de transformá-la em texto acontece um bloqueio. Parece que as coisas não se encaixam e que não vou conseguir transpor o que tenho em mente em palavras. Nesses momentos, eu deixo a escrita de lado e direciono a minha atenção para outras coisas. Retomo leituras diferentes do que escrevo, vejo filmes, séries e isso ajuda a arejar as ideias. Enfim, meu ritual de escrita varia. Há textos que planejo do início ao fim e consigo cumprir as metas que me imponho, outros não planejo nada, apenas sento e escrevo e eles se desenvolvem quase por si próprios.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo quase todos os dias. Não escrevo histórias completas, às vezes anoto apenas frases, poemas, pensamentos que depois podem me servir para algo. Mas tenho que escrever um pouco todos os dias. Eu estabeleço metas diárias quando tenho algo em andamento que exija isso. Acabei de concluir um romance e para isso eu me impus escrever um capítulo por dia. A minha zona de conforto na escrita são os contos. Não estou acostumada com trabalhos longos, comecei a me arriscar no romance há pouco tempo e para isso precisei estabelecer metas. Tenho o mesmo cuidado com os contos, mas quando os escrevo eu consigo iniciar e finalizar muitas vezes no mesmo dia. Em alguns dias, os capítulos do romance não ficaram nada bons, não me sentia inspirada para escrevê-los, mesmo assim cumpri a meta que estabeleci nem que fosse planejando o destino das personagens. Depois, quando me senti mais motivada em relação à história, voltei aos capítulos que ficaram ruins e fui arrumando.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sempre senti mais dificuldade em finalizar o que começo. O início para mim acontece com naturalidade. Quando vou fazer algo que exige mais tempo e mais planejamento eu organizo melhor as ideias. Os pontos que quero desenvolver e como e o porquê vou fazer isso, depois eu apenas desenvolvo esses pontos. Na criação ficcional você acaba alterando muitas vezes o que planejou para a história. O planejamento acaba se adequando ao rumo que o enredo vai tomando, mas é importante organizar as ideias. Creio que é importante, em qualquer tipo de criação textual, um roteiro para seguir. Traçar seus objetivos e pensar a respeito dos caminhos que vai trilhar para alcançá-los, escrever com coerência é importante para o efeito final daquilo que quer produzir. Às vezes, temos muitas ideias boas, mas não sabemos como fazê-las funcionar em unidade e é importante trabalhar isso antes de começar a desenvolver o texto, pensar por onde quer começar seu texto e por quais caminhos quer chegar ao fim, criando roteiros, planejamentos que podem e vão mudando quando começar a escrever de fato.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
No início, eu não conseguia finalizar os meus textos. Começava e muitas vezes deixava-os sem terminar ou desistia no meio do processo. Eu culpava a falta de tempo, de inspiração, minha falta de jeito, culpava muitas coisas pelas minhas desistências, mas a verdade é que não dava para continuar culpabilizando a procrastinação, a preguiça, a autocrítica, a ansiedade seja lá o que criamos para justificar nossos medos. Eu tive muitas ideias boas, insights maravilhosos, que deixei passar por medo de não conseguir desenvolvê-los ou por considerá-los bobos. Com o tempo passei a me comprometer com aquilo que quero fazer. Passei a tentar calar esses demônios internos que sempre vão estar em nossa cabeça quando surgirem os bloqueios, a ansiedade e expectativas. Se tenho uma ideia e quero fazer acontecer, farei isso. Não importa o tempo que levará ou o que precise superar para isso. As desculpas que mais uso recaem sobre a falta de tempo e de inspiração. Quando eu começo algo grande, um romance, que é algo que tenho feito justamente para me desafiar, eu procuro deixar de lado tudo o que distrai minha atenção, que me dispersa, e que me leva a procrastinar. Eu tento superar a autossabotagem. Dedico o tempo que tenho a isso, chega a ser obsessivo, mas comigo funciona assim, preciso respirar aquilo que me propus a fazer e estabeleço metas de escrita, e faço isso todos os dias até chegar ao fim. Qualquer coisa que iniciamos e sabemos que vai exigir de nós muita atenção e empenho, em algum momento vai nos fazer fraquejar, é normal, o que não podemos é continuar arranjando desculpas para não seguirmos adiante. Acredito que tudo aquilo que fazemos por amor e com amor acaba se tornando prazeroso. Por mais difícil que se torne, vamos encontrando formas de fazer acontecer e a mais importante dessas formas, pelo menos para mim, foi começar a me comprometer com seriedade, eliminar o que me faz distrair e superar o que me fazia desistir.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas e muitas vezes, quando somos os criadores do texto não lemos com olhos de leitor e muitas coisas incoerentes acabam passando por mais que revisemos. É um tipo de olhar do autor viciado que não permite que enxerguemos os detalhes que podem melhorar, por conta disso eu sempre mostro meus textos para pessoas de confiança e é incrível como aprendo com as impressões delas, com suas dicas e revisões. Eu realmente valorizo o trabalho de revisores de textos, eles dão nova vida ao que escrevemos e sem dúvida, sempre procuro essas pessoas de confiança para lerem o que escrevo antes de me arriscar a publicar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A minha relação com a tecnologia é boa, ganho muito tempo escrevendo direto no computador, mas confesso que em determinados textos, principalmente os que exigem mais planejamento, costumo escrever à mão mesmo, as ideias fluem melhor embora leve mais tempo. Quando passo para o computador mudo quase tudo, mas a essência das ideias está ali anotada à mão. Quando escrevo diretamente no computador, dependendo da história, não consigo desenvolver as ideias como gostaria, mas isso não acontece sempre. Ao escrever a maioria dos meus contos eu fiz direto no computador, pois iniciava e finalizava numa sentada. Quando escrevo à mão tenho a tendência a não terminar, divago mais, “encho linguiça” como se diz, o que acaba prejudicando o andamento da história. Então, acabo variando os meios de escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Elas vêm de tantas coisas e lugares, poderia responder essa dizendo que minhas ideias vêm de tudo. Se estou em algum lugar e escuto conversas, tenho ideias sobre isso, se vejo um filme, imagens, quando escuto músicas, quando interajo com as pessoas, quando caminho por aí, viajo, quando observo o mundo em volta, quando leio. Elas vêm realmente de tudo o que me cerca. Eu sempre acreditei que a imaginação é algo vivo e precisamos alimentá-la para não se tornar fraca e morrer. Acontece que muitas vezes ficamos embotados, não conseguimos enxergar além ou não nos permitimos porque é devaneio ou porque não temos o tal tempo, mas na minha vida, imaginar, ter ideias, explorar o absurdo sempre foi algo natural. Costumo dizer que tenho a imaginação de uma criança e para manter isso eu só me permito. Quando escrevo gosto de ouvir músicas, elas acabam me influenciando muito e me fazem ir longe na imaginação e nos sentidos além disso eu costumo sempre pensar no que vejo, escuto, vivencio além do que realmente representa. Resumindo me permito viajar na maionese mesmo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando penso sobre minha escrita no início, quando comecei a escrever ficção, sinto falta do desprendimento ao criar, da despreocupação. Quando publiquei o meu primeiro conto numa coletânea algo passou a me preocupar bastante e isso tem feito o meu processo de escrita se tornar mais trabalhoso do que antes. A autocrítica é muito forte, o que não acontecia no início quando eu escrevia apenas porque amo fazer isso e me faz bem, não tinha tanta preocupação com o que iriam pensar dos meus textos, se estava fazendo direito, se iria ficar bom, eu apenas escrevia para mim mesma e isso bastava. Sinto falta disso. No decorrer da minha trajetória como escritora fiz cursos de escrita, e continuo fazendo, tentando melhorar as técnicas, tentando melhorar o que faço, mas nesse trajeto acabei perdendo muito dos instintos que me faziam criar, compulsivamente, no começo. Era quase um processo hipnótico produzir os contos, algo catártico mesmo. Hoje em dia, escrevo com mais cautela e se eu pudesse retomar algo no meu processo seria esse instinto, essa despreocupação em não fazer errado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitos projetos foram esquecidos e preciso retomá-los, mas ainda não me sinto preparada para isso. Existem muitas histórias que quero contar, elas estão aqui na minha mente, escondidas, mas não me sinto ainda pronta para vive-las. Esse ano tenho escrito em parceria, é algo que sempre quis fazer e comecei agora, tem me ajudado bastante a crescer como escritora quando me uno a outros escritores e desenvolvemos algo juntos é um aprendizado e tanto! Eu conheci mais pessoas que atuam no gênero que trabalho, a literatura de horror, e isso tem acrescentando muito em meus processos de escrita porque acabo crescendo, aprendendo muito com eles ao trocarmos ideias e experiências. Sempre senti falta de união entre os profissionais da escrita, até porque é o tipo de trabalho solitário mesmo, mas nos últimos tempos tenho me esforçado para alcançar outros artistas e criarmos juntos, e isso realmente tem me ajudado. Um livro que gostaria de ler e ainda não existe? Um livro sobre como superar o bloqueio criativo de uma vez por todas! Mas a verdade é que eu gostaria de ler um livro meu, um romance, que não existe ainda e conseguir me sentir satisfeita e arrebatada por ele. Quem sabe um dia.