Larissa Bontempi é escritora e tradutora, mestra em Estudos da Tradução pela Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Antes da quarentena pelo coronavírus, em dias úteis, eu levantava cedo, passeava com a cã, lia as notícias, tomava café, saía para trabalhar e no caminho para o trabalho, sempre lia um livro. Hoje, não saio para passear com a cã, mas tomo café da manhã, leio as notícias, leio um pouco de um livro e trabalho.
Nos fins de semana e feriados, permanece a mesma rotina: ler as notícias e depois um livro enquanto tomo café demoradamente.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Hoje em dia trabalho para uma empresa de tradução, tenho um horário fixo, não tenho escolha quanto a isso. Mesmo agora, em home office, preciso manter esse horário. Mas, quando eu fazia minha rotina de trabalho, sentia que trabalhava melhor depois das 18h ou entre as 4h e meio-dia. Detesto o período da tarde.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Para traduções e textos acadêmicos, sim, tento manter a escrita diária, geralmente em virtude dos prazos. Falando estritamente do exercício de escrita literária, não tenho nenhum rigor. Escrevo quando a ideia vem, às vezes ela demora pra vir e passo meses sem escrever. Já passei dois ou três anos sem escrever uma linha.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para tradução, assim que pego o material, começo a trabalhar nele. Há quem diga que é importante ler todo o texto de partida e pesquisar sobre o tema antes, mas gosto de sentir o texto à medida que traduzo e, a partir daí, percebo o que é necessário pesquisar e o que devo priorizar.
Para escrita acadêmica, é o oposto. Faço fichamentos e anotações primeiro, depois parto para a escrita. Antigamente eu demorava mais para começar a escrever: achava que devia saber exatamente o que queria escrever, o viés que queria tomar… Hoje, começo e as informações coletadas me direcionam.
Para literatura, o que mais anoto são ideias avulsas que ecoam na minha mente. Sento para escrever quando vejo que elas insistem em querer sair. Mas é difícil começar, sim. Para eu efetivamente escrever o poema é porque já pensei muito nele e tenho pelo menos uma sequência de versos toda formada pedindo por uma continuidade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Há alguns anos eu sofria muito com essas travas. Era extremamente rígida comigo mesma: tinha que traduzir ou escrever um número X de palavras ou parágrafos em um determinado período. Hoje, estabeleço objetivos para não perder o foco, mas eles não precisam ser seguidos à risca. Ao perceber que a escrita não está fluindo, me afasto. Se possível, passo o resto do dia sem mexer no texto. Retomo no dia seguinte, revigorada.
A escrita literária é algo muito íntimo que não demanda atenção. Como disse anteriormente, já passei anos sem escrever. Isso me entristecia um pouco, mas nunca me obriguei a escrever.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Algumas vezes. Não sei dizer ao certo quantas. Textos acadêmicos e tradução requerem alguns métodos de revisão, tento segui-los para não me perder. Inclusive, reviso ao longo da escrita porque geralmente os volumes são grandes.
Quanto ao texto literário, depende. Já me aconteceu de, ao começar a escrever o poema, ele acabar sendo escrito de uma vez só e eu sentir que estava pronto. Na maioria das vezes, não está. Como publico muito pouco esses textos, não sinto que eles “devam estar prontos para publicação”. Já cheguei a alterar um poema 5, 6 anos depois de escrito, mas não é algo que faço com frequência.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nunca escrevi à mão. Às vezes tomo notas à mão, mas escrevi o que considero ser o meu primeiro poema em 2009 e já foi no computador. Hoje ainda escrevo no computador e anoto algumas ideias em um bloco de notas no celular. Na verdade, já escrevi poemas inteiros no celular. O importante é não perder o poema.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vêm do cotidiano. De leitura também, amo ler literatura: dali tiro boas referências. Mas a verdade é que as ideias vêm dos dias… de uma conversa de que participei ou que ouvi, de situações que observei; de falas em filmes e séries; de canções. Não tenho nenhum hábito, só tento me manter atenta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como disse acima, a escrita de tradução e a acadêmica mudou em razão de me libertar dos objetivos inalcançáveis. Na escrita literária não mudou muita coisa, quem mudou fui eu e com isso vieram mudanças de temas e perspectivas, mas o processo permanece o mesmo: observar, anotar, escrever. Ainda assim, diria pra Larissa de 2009 ou de 2015 que ela respirasse e vivesse mais, deixasse a vida acontecer, que dela viriam a palavra certa, os versos… Se o texto tem pré-requisitos, são eles: não ter pressa nem se enrijecer.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Respondendo às duas perguntas: ainda quero escrever um livro de contos sobre um tema muito específico que não posso contar porque envolve a intimidade de uma pessoa. Não escrevo prosa, mas seria um aprendizado sobre a pessoa e sobre a escrita.