Laercio Silva é escritor e editor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Deduzirei em translado por estratificação os termos “dia” e “matinal” metaforicamente por “alvorada” em sua simbologia de introito, e da indispensabilidade humana de romper um ciclo pela sensação do recomeço, municiando a esperança de renovação mesmo que no velar das aspirações, como observou Cioran de maneira dessemelhante ao exposto, importa ao referido esta consubstanciada ritualística, mais do que considerar pelo viés denotativo a singularidade de “dia” e “matinal”, contudo almejo ser pragmático na resposta, transpassando estas considerações iniciais, para aquele que tem por escopo o planejamento, a alvorada da ação é o distender do planejado nos dias decorridos, e o presente é dalguma medida o pretérito em decurso no agora, no sentido de ser ocasionado pelo planejar prévio, então a “rotina” contida na pergunta é suscetível de nuances, nesta “alvorada” predita, considerar o andamento do que seria o “planejamento operacional” para a “ciência” administrativa, por avaliação e adaptação se necessário para o atendimentos das demandas, é o momento ideal, as tramitações diversas da editoração enquadram-se bem neste período – bem como a pesquisa e a revisão, em menor medida neste período a escrita (artística), compreendendo que as ações prévias acomodam melhor o ímpeto para esta incumbência.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Considerando o que foi preludiado na resposta anterior, acrescento que quando a escrita atende demandas e atribuições especificas é inescusável dosear por períodos no decorrer do dia, e em cada um é desejável que haja um índice satisfatório de aproveitamento, contudo ao se considerar a escrita autoral é presumível que a arte exigirá períodos de compenetrações especificas que se vinculam ao florescer da noite e da madrugada (não que a escrita “funcional” é destituída de suas peculiaridades), mas a arte verbal reivindica atributos dissonantes, que invariavelmente compele o artista a se desdobrar em manutenção da estética. Sobre os “ditos” e afamados pelo marketing do “mistério” rituais preparatórios da escrita, não há misticismos excêntricos, o necessário é apenas encontrar a concentração e a constância necessária para a labuta.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
“Meta” é uma terminologia dispensável, estribilho funesto de gurus execráveis na afiguração de coaches da gestão, que inclusive estão adentrando o circuito literário tendo o pretenso escritor desavisado (ou não) por cliente mira-nicho (verdadeira “meta” no sentido contemporâneo da acepção), kairós da deturpação gradativa das artes em ascensão, autêntico kairós este mencionado, não o “kairós” do catolicismo segundo o Padre Marcelo Rossi (com o devido respeito aos católicos, “o catolicismo é apenas uma institucionalização de fiéis) – mas eis que este é um genuíno exemplo de “meta-kairós-coaching alada ao oportunismo fabuloso da (PNL) na replicante administração-psicologia do encantamento (com o devido respeito às complementárias áreas do conhecimento), linguisticamente certas terminologias periodicamente vão portando paulatinamente um significado estranho a sua etimologia, o flanco “obscuro” (a própria expressão é um preconceito linguístico em si) da língua em movimento como entidade vivificada pelos falantes, “balizando” sua origem latina, hoje menos que um “tiro de meta”, o que há é um planejamento (acredito propriamente no ato de planejar, e o conhecimento que a logística e o marketing configurou neste conceito não é dispensável) realista não sendo demasiadamente tenaz, contudo sólido o suficiente para não ser maleável ao cediço, crendo que é oportuno materializar ou objetivar as ideias com consciência, não meramente no ater ou pautar ingênuo de “metas”, que é algo meramente da categoria do disciplinar pragmático, que privilegia o arrolar quantitativo depondo a matéria qualitativa do exercido, ou exigindo uma meritocracia amadorística do “fazer pelo fazer”, cabe registrar que as ideias emergem no intrínseco do indivíduo indivisível e não do extrínseco sugestionável de deadlines e objetivos para o além de cronogramas da gestão de atividades sociais, a escrita resultante da literatura (como língua artificiosa, disposta como linguagem artística verbal no registro escrito) é certamente doutra natureza; planejar é a implicação do ato de organizar, estruturar para se profissionalizar resultados potencializando os efeitos desejados da escrita, sendo válido, mas é necessário se ponderar que é uma ciência humana inventiva e autoral da esfera da criação, e a “criação” artística tem uma sazão e um fluxo respectivo, uma “meta” metabolizada que não se curva a “metas” metódicas unicamente, prática que pode ser sistematizada não pelo hábito, mas pela necessidade consciente e crítica, enfim leitura e escrita não são meramente hábitos ordinários, o cérebro programado automatiza hábitos pelo continuum do comportamento para que possamos exercer multitarefas, mesmo quando se emerge o inconsciente da criação (inspiração); em alguma medida tende-se ao mantimento desperto e atento da ação exercendo a criação no ato criador em “tempo real”. Escrevo diariamente ou em períodos concentrados a depender da necessidade do projeto, compreender primeiramente as “exigências” imanentes do projeto, é mais profícuo e útil do que adotar metas e sistemas para viabilizar a conveniência da escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Há uma variável em concordância com o gênero em execução, mas há certa similaridade também uma vez que a corpora de minha literatura é transdisciplinar, e demanda pesquisas especificas em diversas áreas ou domínios do conhecimento, é de se considerar igualmente a questão da heteronímia que norteia minha obra e as imprescindibilidades implicadas nesta questão requerendo um método singular, homogeneamente as diligências objetivam o planejamento da estruturação do “todo”, com amostragens das segmentações que o formam, alicerçado este parâmetro concentro-me num fluxo de escrita permeado por revisões e pesquisas simultâneas. Então a tendência nesta instância é alinhavar teoria e prática no decorrer do processo, até um momento que é necessário uma escrita continua que demandará uma revisão contando com um material mais encorpado e apto para este fim.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho que conviver com estes dilemas, pois eles não coabitam com minha criação autoral.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso no manuscrito primeiramente, como também reviso o planejamento das segmentações da corpora que é contido em amostragens (como citado anteriormente), há uma sistematização perceptível neste processo, em seguida transponho para o computador, desde o manuscrito aproximo o original do formato final desejado, e no processador de texto, o formato para as especificações de publicação (na maior precisão do possível), o que vai demandado revisões e adaptações, quando o corpus está suficientemente uniforme e integro, reviso mais próximo de seu formato e versão concludente, no entanto não tenho como responder exatamente o número de revisões, considerando inclusive que cada original tem seu programa de revisão e procedimentos customizados por intermédio de seu arquétipo. Só considero eventualmente submeter o original para apreciação de leituras críticas, estando o material suficientemente finalizado, de modo que o leitor possa compreender as subcamadas textuais que o concatena; então o original é submetido para a revisão de publicação, e posteriormente para a revisão de provas no controle de qualidade da revisão técnica que objetiva inclusive verificar ocorrências dúbias da diagramação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Abordei parte desta questão na pergunta anterior, acrescento que após transpor o manuscrito para o processador de texto diagramando-o no contexto da editoração almejada, executo testes por amostragens de páginas no InDesign, ou solicito para um provável diagramador do projeto que o faça, para constatar se o formato de publicação será possível no que idealizei previamente, procedimento estratégico ainda mais útil ao se tratar duma poética que privilegiem a Fanopeia, ou mesmo pela Fanopeia servindo de condutor para Melopeia, o processo é proveitoso, em termos gerais utilizo a tecnologia em favor da criação objetivando a editoração, não como acessório necessário para a criação, a escrita em smartphone e em dispositivos similares por exemplo, me parece um ato de escrevinhação, mesmo considerando os possíveis ganhos com estas disposições facilitadoras para fixar as ideias em fluxo, escrever à mão retendo o pensamento propulsor é um éter telúrico imanente do ser.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Creio que a vida em seu ciclismo de “apogeu e queda”, ou seja, em sua integra dualidade nutre permanentemente as ideias e o “impulso criativo” que Rimbaud se referiu adentro de sua poética inventiva e apologética, e a arte (ou artes) é a meta-referência da criação, o escritor em sua continua formação autoral deve reformular suas proposições e fixações motoras, sobre “hábitos” como já articulei anteriormente, os hábitos são nocivos a escrita – hábitos são automatizações para o ser exercer multitarefas sem se concentrar nas ações não racionalizando o processo, e poupando o “tempo” cronológico do cômputo organizacional da vida em sociedade, leviana ontologia do temporal; o “castelo de areia” e o insumo subsidiado do coaches da “gestão do tempo”, como a exemplo se levantar ao acordar ainda não necessariamente desperto, tomar café arrumando a bolsa e falando ao celular, hábito de escrita é tão equivocado como os famigerados hábitos de leitura, que tanto se almejam no marketing sociocultural, escrita é inevitabilidade tal como a leitura, sem o romantismo da “iluminação” que guia a invenção supostamente prima, contudo sem o pragmatismo “ritualístico” da repetição alienada.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Na minha obra ensaística se confluem teses minoritárias para uma tese central, considerando que temporalmente a assertividade destes conceitos não está propicia por uma aleatoriedade de (RNG) – em minha opção de estruturar conceitos e a metodologia de seu desenvolvimento, o que estaria “sujeito” a mudanças de fato é o – sujeito – (ego sum) criador de fato em seu momento histórico, ou seja, o repertório de leitura e a experiência da escrita erigida pelo escritor em simbiose de aculturamento, neste intervalo temporal obras foram editadas do pensamento crítico e da literatura, e clássicos a serem lidos e relidos sempre serão considerados, sendo assim projetaria um dizer para o futuro e não para o pretérito, o que seus pares publicaram nos últimos anos? Como se percebe no zeitgeist do devir?
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Concentro a integralidade do meu potencial criador no presente, de modo que analogamente um projeto arquitetônico não é um edifício, e enquanto tal – seus traços em nuances furtivas só são tangíveis para seu criador, seria pouco útil este exercício compartilhado. Sobre a leitura sempre haverá uma babel defletida na escolha que é a alternativa excludente da opção preterida.