Kelly Amorim é escritora de terror e romance.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu adoraria dizer que eu acordo plena e sigo à risca tudo o que desejo fazer no dia aos primeiros raios do Sol. Mas como não sou uma pessoa que gosta muito de acordar cedo, minha rotina matinal é um fiasco, resumindo-se basicamente em ou acordar atrasada para o serviço – sou auxiliar de ensino no Kumon – ou acordar cedo e ficar enrolando até me atrasar. Meus dias durante a semana são mais para o trabalho integral mesmo, ficando o fim da noite para o lazer e a escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Desde a época em que eu morava com meus pais, a melhor hora para eu escrever é quando eu tenho o silêncio e geralmente isso ocorre quando todos estão dormindo. Logo, eu gosto mais de escrever à noite. Não sei, é como se houvesse uma atmosfera diferente. Mas isso é um perigo também, pois ficando sozinha eu posso acabar me auto-sabotando, tendo que ficar de vigília em mim mesma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu até tento fazer uma meta diária e é o que quero tentar fazer mais esse ano. Como eu só escrevo à noite, depois de lidar com vários alunos durante o dia, acabo às vezes chegando cansada demais para escrever. Mas quero mudar isso, quero aplicar o método Kumon que uso nos estudo para a escrita: escrever ao menos um pouquinho todos os dias para ver se rendo mais. Acho que assim como tomei gosto pela matemática fazendo isso, posso tornar isso uma rotina também.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O que está sendo mais difícil e desafiador para mim no momento é escrever um romance, pois até o momento eu só lancei contos. Para os meus contos geralmente eu anoto a ideia, por mais louca que seja, nos meus inúmeros cadernos de ideias e quando vejo as chamadas de antologia, eu pego o que tenho e trabalho em cima da proposta. Durante o processo ou antes, eu vejo o que precisa pesquisar e vou complementando. Entretanto para o romance está sendo um processo muito mais complexo pra mim, mesmo com as pesquisas, não está sendo fácil construir a história. Para isso, estou fazendo estudos de vários livros e site sobre escrita para me ajudar a estruturar a história, dar mais vidas ao meus personagens, etc. Mas essa é uma história que quero muito contar e vou fazer o possível para trazê-la ao mundo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tenho que recorrer ao meu noivo ou ao meu querido amigo Hedjan, que também é escritor, a ouvir minhas lamúrias (rs). Confesso que tive momentos que cogitei parar de escrever, mas é uma coisa que está tão intrínseca em mim, que é impossível parar. Por isso que procuro canalizar minhas raivas, frustrações em textos, rabiscos ou cenas para uma história com letras de garrancho, nem que seja para jogar fora depois.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu devo revisar meus textos umas 254871 vezes! Eu leio e releio muito e acho que por isso a maioria deles são enviados em cima da hora (e porque eu escrevo em cima da hora também). Eu gosto de revisar e corrigir textos e mesmo assim, depois de um tempo eu ainda encontro aqueles errinhos que me causam alguma agonia. Além disso, peço ajuda de leitores betas, tenho dois de confiança que me ajudam muito!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como eu só fui ter um computador aos quinze anos, eu sempre fui mais de escrever primeiro à mão e depois passar para o computador. Acesso à internet em casa também só fui ter quando mudei, uns quatro anos depois. Eu tinha o computador, mas não tinha a mordomia de salvar as coisas na nuvem. Era só no Word e rezar para não cair a energia. Para mim, a mão escrevendo quase taquigraficamente enquanto as ideias vem em turbilhão são mais eficientes do que usar o teclado. Mas mesmo assim, tem textos que podem ir de primeira no computador. E quando eu levava horas para chegar ao serviço, andando de ônibus e indo em pé, escrevia no celular, mas eu acho esse o pior jeito de todos. No fim, quem leva a melhor é o bom e velho lápis e papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm do ar, vem das pessoas, das coisas, da observação. Você precisa estar atento quando elas aparecem, pois elas vem quando bem entendem e de formas inusitadas. Se aquilo que eu ouvi, vi ou pensei possa servir para alguma coisa, anoto no primeiro papel que estiver por perto (nem sempre isso funciona, já que muitas vezes as ideias vêm quando você põe a cabeça no travesseiro). Mas se mesmo assim, quando eu preciso escrever algo e eu já não tenho nenhum “prompt”, então eu vou atrás de pesquisar sobre o assunto e ver se encontro algo que dê aquele click ou deito e fico olhando pro teto, viajando na maionese mesmo até vir a ideia. (imagine uma escritora descabelada fuçando as gavetas dos arquivos do cérebro até encontrar algo minimamente interessante).
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como eu me empenhei mais em contos, eu diria que minha escrita melhorou muito no sentido de ser mais coesa e sucinta com o que quero contar (às vezes até demais, quem vê meus contos mais recentes, perceberá que não passam de duas páginas). Conto é para se ler numa sentada e se estou no meio de uma antologia junto com vários autores, eu não quero delongas nem enrolação, quero pegar aqueles cinco minutos que a pessoa parou para ler fazer valer a pena. Agora, se eu pudesse voltar para falar com a Kelly do passado eu diria para não ser tão procrastinadora e de ficar dando desculpa para não escrever ou fazer o que tem que fazer. Eu sei que viciante, que é muito fácil se auto-sabotar, mas você não vai conseguir levar as histórias para as pessoas se ficar agindo assim. Pesquise mais sobre escrita, fale que você escreve, divulgue-se melhor, seja mais participativa e tente confiar mais em si mesma. Kelly do presente, tatue isso em seus braços para você ver isso sempre.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um que ainda não comecei é fazer uma história baseada na cultura cearense. Meus pais são de lá e eu não conheço tanta coisa regional, um dia quero pegar para conhecer e criar algo em cima disso. Seria muito egoísmo meu dizer que o livro que ainda não existe e quero ler seria o meu próprio? Como até o momento, isso desde 2014, eu apenas saí em antologias, eu sonho muito em ter o meu solo lançado. Espero conseguir em breve esse feito.