Katia Marchese é poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Espreguiçar muito… depois vou lendo as notícias com café e me perdendo no face, e-mails e WhatsApp.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor?
No meio da manhã, no meio da tarde emendando a noite, mas nunca passo muito da tal meia noite, o cansaço chega.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que como os bichos dou voltas no lugar de ficar, piso, amasso, espio aquilo que será concebido, como se preparasse um ninho e depois acho onde deitar as ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Gosto de escrever em períodos concentrados para cumprir um projeto, descobri que ter projeto me salva da diluição. Acho lindo os autores dizerem que decidiram escrever um poema por dia como se fosse remédio… tenho vontade de aviar essa receita para mim mesma.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre algo externo me obriga a escrever, sou dependente química de prazos para sair da procrastinação. Procuro sempre ter um cobrador na minha porta.
Primeiro vou aos cadernos de anotações de poemas, normalmente lá está o começo de tudo, as vezes passeio tanto por eles que me perco no tempo e quase posso começar outra ideia ou continuar um poema que não era para ser. Muitas vezes adio o poema e dou voltas em outras ideias, até que um prazo ou a hora aperte mão. Em outros momentos começo pela estante, saio em busca de referências para o que proponho fazer. Leituras soltas, abrir livros ao acaso e esperar por palavras ou frases que me façam acontecer. Estou pronta quando consigo realizar o cerne do poema, pode ser os versos finas ou iniciais, quase nunca começo pelo meio.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu insisto, insisto e insisto diante da trava do poema ou da necessidade de melhorá-lo, eu sempre acho que tudo tem uma saída, meio como aquele seriado MacGyver. Mas quando não sai, desisto do poema e pronto.
A dona Procrastinação foi minha companheira diária por anos, adiando meu fazer, hoje ela está quase sob controle, muita terapia e nunca ficar sem projeto ajuda muito.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Ainda sou muito insegura, vivo a contradição: isso é maravilhoso, isso é uma droga durante meu processo de escrita. Reescrevo bastante (alguns poucos não) e leio muito os poemas em voz alta, as vezes a voz da mulher do Word lê para mim e assim sinto a pontuação. Mas o tempo e o fazer e refazer ajudam no equilíbrio da autocrítica, também é bem-vinda a crítica externa e o saber filtrar. Ter um grupo ajuda, seja ele de estudos ou um coletivo de autores, acho que não dá para ficar sozinho, a gente cria e quer dividir as angústias e alegrias da criação. O Adauto é meu leitor/doula, o primeiro a colaborar na recepção da cria, todo poeta, mesmo que não confesse, tem um companheiro(a) leitor ao seu lado que fielmente o aguenta.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu sou toda bem resolvida com escrever no computador, comecei a escrever poemas no Word e é lá que os realizo. Estou me virando bem com editores de textos para fazer livros ou plaquetes, são novas experiencias, gosto de aprender usando as ferramentas. Copio e colo quantas vezes precisar para poder comparar uma construção com a outra, para modificar, para guardar todas as versões. Os cadernos, cadernetas ficaram apenas para anotações de ideias, pesquisas ou versos muito curtos, depois preciso ir direto para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Penso que a vida é matéria de poesia, o importante é se manter em “estado de” perseguir o olhar detalhado ou de repouso sobre os dias, mas também é igualmente importante viver o rame-rame do cotidiano: lavar a roupa, ficar na fila, ver o programa do chef na tv, cumprir a lista do supermercado, sentir dores físicas, ir ao bar e só beber, tudo isso sem poetizar nada.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Minha escrita era muito caótica e esparsa, atravessada pelos compromissos da vida pessoal e profissional eu dividia a poesia com muita coisa. Ela sempre ficou preterida em relação as outras vivencias. O que consegui foi sempre ser uma boa leitora de poesia desde os meus 13 anos. Precisei encerrar meu tempo na maldição bíblica “Viverás do suor do teu rosto” (me aposentei oficialmente) para me dedicar ao novo ofício de “ser poeta”. Não foi uma adaptação fácil eu não sabia nada sobre processo criativo, como acontece, porque acontece, como provocar, que afinal é muito diferente de processo de trabalho. Um lhe dá os caminhos e as regras ou outro te coloca no meio da roda e solta a mão. Se eu pudesse voltar atrás não deixaria a procrastinação adiar o meu fazer poético por tanto tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu primeiro livro está lá no PROAC aguardando resposta, ou sai de lá ou sai de mim e do editor que parece estar convencido que ele é bom rs. Tenho uma plaquete pronta, na fase de materialização (auto publicação) em parceria com o coletivo de poetas no qual faço parte. Tenho muitos cursos por fazer, meu projeto é estudar e escrever sempre. Tenho o segundo livro a meio do caminho e assim sucessivamente, um número não definido de outros livros por fazer. Tenho tantos livros para serem lidos de poesia e prosa (meu grande desafio educacional é ler mais prosa) no meu processo de formação que não consigo projetar quais livros eu deseje. Não cheguei à beira do paradigma para indagar: “Que palavras faltam ao mundo”.