Katia Borges é editora e escritora, autora de O Exercício da Distração.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de acordar bem cedo. Funciono melhor por volta das cinco horas da manhã, aquele momento em que a noite vai sumindo e a cidade começa a acordar. A sensação de que todos dormem me envolve numa atmosfera de sossego, uma espécie de hiato entre o sono e a agitação do cotidiano, prestes a começar. Ali, eu me encontro comigo mesma.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor a partir das cinco da manhã, especialmente para ler e escrever. Escrevo todos os dias, nos horários disponíveis, ainda que descarte muitas coisas. Não tenho ritual específico. Geralmente busco um lugar confortável, sem interrupções (odeio esses sinais sonoros dos aparelhos celulares, um tormento).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias, mas há períodos concentrados quando estou preparando algo específico como um novo livro, por exemplo. Não estabeleço meta diária, mas chego a cinco páginas em média por dia. Nos períodos concentrados, sim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto da pesquisa inicial em paralelo à escrita. Muitas vezes, informações em excesso travam a escrita. É preciso que se estabeleça, para mim, uma conexão viva, forte, entre esses dois processos para que funcione. Então prefiro esse trânsito que pode parecer meio caótico para virginianos. Mas, claro, é preciso ter uma base antes do início, até para que se possa estabelecer o trânsito a que me refiro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que as redes sociais aumentaram, em larga medida, a ansiedade da escrita. Muitos autores que conheço sofrem por querer pular etapas. Tudo nos pede conexão intensa, exaustiva, e isso é o contrário de escrever. Escrever é solidão. Não há como fugir desse processo. Gosto de me isolar um pouco, fico cansada de ser chamada por meu nome. Então, quando a escrita trava, costumo buscar o silêncio voluntário, desligar os aparelhos eletrônicos. É um modo de lidar também com a procrastinação e com as expectativas. Sumir um pouco para dentro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso até o último segundo antes de irem para a impressão. Mas, claro, há um momento em que se põe o ponto final. Creio que o próprio texto nos diz isso, de um modo orgânico dentro daquela estrutura que se pensou. Não costumo mostrar meus trabalhos antes a ninguém, muito talvez por timidez, mesmo quando me pedem.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é de amor e ódio profundo. Uso computador hoje para escrever e não abro mão dele. Me ajuda a pensar rápido e a modificar quase na mesma velocidade o texto na tela. Costumo trabalhar com arquivos soltos, que vou modificando, mesclando, descartando ou arquivando no processo da escrita. Muitas vezes, descarto muitas páginas já escritas em prol de um outro formato. Por outro lado, estar conectada o tempo todo me exaure. Passo alguns períodos isolada e retorno para perceber que estava melhor longe das redes sociais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Uso o método Belchior. (risos). “Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas, caminhado meu caminho, papo, som, dentro da noite”. Brincadeira. Na verdade, leio muito, jornais, revistas, livros… presto grande atenção nas pessoas, no que elas dizem, em como vivem… não dispenso uma boa conversa ao vivo com pessoas que encontro, amigos e desconhecidos. Nem toda vida dá um livro, é certo, mas um capítulo talvez. Não há um método ou um conjunto de hábitos, o que existe é o interesse pelas coisas, pelo mundo, pelos seres, humanos, animais…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Sinto que me tornei mais autocrítica, talvez por conta do grande barulho em torno de quem escreve. As redes sociais são o inferno da escrita. Nem tudo me serve. Mas não movo um milímetro da minha escrita em direção ao que seja considerado tendência ou vendável. Não me interessa. Não por orgulho, entenda. Realmente não me interessa seguir a moda ou o que se convenciona ser mais bacana a cada estação. Na realidade, neste momento, escrevo uma tese. Estou mergulhada nesse processo de escrita de trezentas páginas. O que eu diria a mim, em relação aos primeiros escritos? Leia mais. Você já lê muito, leia mais ainda, muito mais. Leia, sobretudo, a teoria e os clássicos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Escrevo muito lentamente um romance, parado neste momento por conta da tese. Devo retomar em breve. Espero. Penso num livro que atravesse meu coração, que me cause a mesma emoção que senti ao ler pela primeira vez Clarice Lispector. Um livro que seja como Água Viva. Um livro que arda nas mãos.