Katia Bandeira de Mello-Gerlach é escritora, mestre em direito pela Universidade de Londres e pela NYU School of Law.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia me desperta assim que a escuridão se esvaece, acordo com a claridade. Nas noites de lua cheia, quando há luz em demasia, não costumo dormir.
A rotina, para além de matinal, é maquinal. Fazer o corpo levantar, brigar contra a inércia física, tão melhor sonhar pelo maquinário cerebral do que enfrentar o batente que logo rima com ir escovar o dente, em seguida o café, as roupas, os livros, as chaves na bolsa, o rosto disfarçado sob a maquiagem, o celular a trepidar, a confusão citadina, os passos rumo a estação do metrô, juntar-se a manada dos “zombies” urbanos. Dias de vagões cheios, sem assentos; por vezes, homens à antiga cedem a vez. Dias de vagões vazios, o corpo se acomoda sobre o assento. Pensar, uma curiosidade sobre a curiosidade sobre a rotina da vida de um escritor. Há mistério nisso? Um homem ou uma mulher que dediquem as mãos ao desenho de narrativas, fragmentos, por vezes exercícios de mimese de um mundo onde tudo já foi escrito, dito, revelado. Uma pesquisa científica sobre o teor de leite no café se justifica, ou o interesse pela obra escrita desprendida da autoria, eis um tema para mesas literárias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Imaginação e horas não se combinam. São inimigas constantes.
Preparação para a escrita: encaixar as nuvens em determinados lugares no céu. Ajustar a intensidade do sol. Em dias frios, agasalhar as ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Qual a meta do artista: cinco mil palavras por dia vezes seis dias porque até Deus descansou no sétimo. Resulta em trinta mil palavras por semana, conta redonda.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Cérebro e coração fazem o serviço, compilam idéias e sentimentos; o movimento é: sentar-se na cadeira e dali não levantar. “You look, you draw”, você olha, você desenha. As anotações são bons aparatos de referência. Cerque-se de livros, eles falam.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Por que sugerir medo, travas e ansiedade ao artista? Sem Angst, não há criação. Para trabalhos longos, as sinfonias ajudam.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Os textos jamais ficam “prontos”. Podem ser modificados ad eternum. Não há lei que proíba o movimento migratório de palavras ou das borboletas Monarca costa a costa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Caneta de pena de alta tecnologia. Por vezes, a máquina de datilografar “freewrite”. Por fim, o computador, felizmente um ser com memória superior à minha.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
O espírito está sempre em movimento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Haver me convencido da importância do absurdo, perceber que a patafísica é uma verdadeira ciência.
Estou sempre em conversa com os meus escritos de forma absoluta, à semelhança do organismo e suas células.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro de ensaios literários sobre a dignidade das crianças e água potável. Este livro ainda não existe, espero encontrar tempo para me dedicar a ele. É um sonho de quando estou acordada.