Karla Monteiro é escritora e biógrafa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo começar o meu dia com yoga. Pratico Iyengar Yoga há 15 anos, é um vício. Meu dia inicia mal se não me alongo. Às vezes troco a prática por uma caminhada ou uma ida ao clube. Mas os meus bons dias de trabalho começam mexendo o corpo. Se não me exercito, o dia é ruim, rendo mal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente começo a escrever por volta das duas da tarde. Gosto de ter a mesa arrumada, o ateliê em ordem. Como estou escrevendo uma biografia, um projeto de longo prazo, que demanda muita leitura, preciso dos livros à mão para consultar sem ter que ficar procurando coisas na estante. Acho que o meu ritual é organizar – ou tentar organizar – os livros numa ordem lógica de tempo para que eu possa encontrar o que procuro sem bater cabeça. Isso tem que ser feito quase diariamente, conforme o andar do personagem. Não sou a pessoa mais organizada do mundo. Pelo contrário. Manter a disciplina é como aquela regra do AA: mais 24 horas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quase todos os dias. Estou trabalhando, há quatro anos, na biografia do jornalista Samuel Wainer, que será publicada, no final deste ano, pela Companhia das Letras. Uma biografia, como se pode imaginar, exige fôlego e disciplina – ou nunca se termina. Tenho a sorte de ter me apaixonado pelo meu personagem, um homem de vida rica, aventureiro, heroico, esperto, inteligente. Pesquisar a vida do Samuel Wainer é repassar a história do país, o que me dá muito prazer. Ele foi um homem de imprensa, esteve em todos os grandes acontecimentos, da década de 30, quando começou a carreira, até o final dos anos 70, quando faleceu. Assim, costumo ler de manhã, após a yoga, e escrever à tarde, a partir da duas, até seis, sete. No entanto, não sou cartesiana. Às vezes trabalho domingo e tiro a segunda feira para andar pela cidade. Às vezes tiro a semana e vou para o mato. Procuro, porém, manter um ritmo sólido de trabalho, de acordo com o deadline da editora, que me permita ser dona do meu tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Só comecei a escrever a biografia de SW depois que, de fato, compreendi o personagem. Fiquei um ano e meio apenas lendo: livros, jornais, artigos de revistas sobre o Samuel Wainer e sobre o período histórico em que ele atuou. Também fiz mais de 60 entrevistas, com pessoas que trabalharam com ele, familiares, amigos. Quando me sentei para escrever, já estava íntima, como se o conhecesse. O desafio é, porém, usar esta bagagem para montar a estrutura de cada capítulo, seguindo, como se trata de uma biografia, a linearidade temporal. Depois, o trabalho é mais braçal: buscar as informações nas dezenas de arquivos de pesquisa para preencher esta estrutura. Toda a minha pesquisa está organizada por data. Por exemplo: Carlos Lacerda é o antagonista desta história. Portanto: tenho a vida de Carlos Lacerda mapeada por ano. Se quero associá-lo ao Samuel numa passagem, sei onde buscar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Confesso: fumando um baseado. (risos) Desde que comecei a biografia decidi que não ia pirar. Não ia pensar nos outros – ou não sairia do lugar, paralisaria. Samuel Wainer foi um homem controverso, fez muitos amigos e muitos inimigos. Para uns, é herói. Para outros, oportunista. Grandes jornalistas que ainda atuam nos jornais trabalharam com ele ou o conheceram, como Elio Gáspari e Jânio de Freitas. Portanto, assumi o risco de biografar um personagem importante da história da imprensa. Ou seja: assumi o risco de me expor. Procuro não pensar nisto no dia a dia, vou trabalhando, curtindo a escrita, a pesquisa, os encontros que este livro está me proporcionando. O que virá depois eu não tenho controle. Não costumo procrastinar, como já disse. Trabalho solidamente, quase todos os dias. E realmente não tenho ansiedade por ser um projeto de longo prazo. Biografia é como montar quebra-cabeças. Um exercício de paciência. Eu tenho prazer no meu dia a dia. Então fica mais fácil.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escrevo já revisando, leio cada frase dezenas de vezes. Preocupo-me muito com o ritmo do texto. Temo ser autora de livro chato. Assim, ao terminar um capítulo, ele está razoavelmente trabalhado. Ao final de tudo, depois de ouvir as considerações do meu editor, farei uma revisão geral, reescrevendo o que for preciso, melhorando passagens, retrabalhando o texto. Nunca mostrei para ninguém este livro. Só para o meu editor.
Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler. Acho que não existe fórmula mágica para escrever. Tem que ler, ler muito. Cada autor vai te trazer uma palavra nova, uma forma de dizer as coisas diferente, pensamento crítico… enfim… Só escreve quem lê.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que fui me soltando, aprendendo a ter confiança, sabendo reconhecer o que é bom e o que é ruim, desenvolvendo a leitura. Repito: quanto mais você lê, mais confiante fica para escrever. Estou longe de me considerar uma escritora, no entanto. Tenho imenso respeito pelos escritores. Sou uma jornalista que está escrevendo livros. A biografia do Samuel Wainer é o meu terceiro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Todos os livros que eu gostaria de ler existem. Tem uma frase do Nelson Rodrigues que eu gosto: “Não importa os livros que você leu, importa os que releu”. Se eu tivesse que citar livros fundamentais para mim, livros que eu reli, diria: A Montanha Mágica (Thomas Mann), A Morte de Ivan Ilitch (Tolstoi), O Velho e o Mar (Hemingway), O estrangeiro e A Peste (Camus), A Sangue Frio (Capote), todos do Nelson Rodrigues (é o autor que mais li na vida, peças e romances), vários da Clarice… Sobre um livro que eu gostaria de escrever, não sei. No momento, só penso em terminar o que estou escrevendo.