Karin Krogh é poeta, farmacêutica e doutora em Biologia Molecular.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
As minhas manhãs começam em função das minhas duas filhas, a famosa correria das mães de acordar as crianças, preparar café da manhã, a lancheira, ver se escovaram os dentes, se não esqueceram nada e levar para escola. Só quando volto pra casa que começo o meu dia, preparo o meu café, dou uma olhada nas redes sociais e depois leio um pouco no quintal. Esta rotina perdura até a hora em que tomo um banho para recomeçar a correria.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou uma pessoa que utiliza as manhãs para coisas práticas, sou dessas que acorda de bom humor, porém a minha concentração para a escrita é melhor no final da tarde, é a hora em que já terminei todos os trabalhos que o dia-a-dia nos impõe e consigo me ater aos meus devaneios. Nunca tive um ritual de escrita, ela vem da vontade, da ânsia em escrever, mas de vez em quando pratico um exercício que aprendi na oficina da poeta Regina Gulla que se chama “escrita sem rumo”, onde a partir do início de um texto qualquer de sua escolha você continua a escrita por aproximadamente uns cinco minutos sem parar, sem dar tempo do seu cérebro concatenar as ideias. Este exercício ajuda muito a sair deste mundo prático e entrar no mundo da imaginação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Nunca me impus metas de escrita, sou a pessoa mais confusa que existe, faço tudo ao mesmo tempo, começo uma coisa, não termino e já começo outra, então é praticamente impossível para mim estipular metas ou organizar tempos de escrita. Tudo é muito aleatório, escrevo quando dá ou quando quero. Às vezes fico meses sem escrever absolutamente nada e de repente surge um fluxo de poemas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita é altamente caótico, ele vem através de imagens, de palavras, nunca de pesquisas. Posso ficar meses com uma palavra que ouvi de alguém na minha cabeça, ela fica ali martelando até que surge um protótipo de um poema, eu paro onde estiver e escrevo sem parar, normalmente sai algo bem ruim, fecho o caderno e fico dias, meses sem mexer nessas anotações, até que passo para o computador e ali vou fazendo a limpeza, a costura, acontece de dois poemas se tornarem um só, é a parte mais divertida pra mim, retirar os excessos, enxertar frases, trocar palavras, usar o dicionário de sinônimos, é nesta hora que sinto o prazer da escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se eu sofresse com as travas da escrita eu estaria perdida, pois vivo longos momentos de travas. Acho normal que isto aconteça com alguém que não tem um pensamento linear como o meu e uma rotina repleta de tarefas. Acredito que já temos tantas obrigações em nossas vidas que a escrita é o meu momento de liberdade, liberdade até de não escrever. Passei boa parte da minha vida querendo agradar os outros e hoje com 45 anos já não me prendo a expectativas, dou a cara a tapa. Obviamente que amo quando elogiam meus poemas, mas aceito com tranquilidade as críticas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não reviso muito os meus textos, tenho medo de perder o frescor da primeira ideia, mas costumo mandar para alguns amigos que confio para darem opinião. Sempre tive sorte neste quesito, conto sempre com pessoas muito queridas e muito sérias em suas críticas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É engraçado como para cada tipo de texto eu uso a tecnologia de maneira diferente, por exemplo, para os poemas eu sempre escrevo inicialmente à mão, um rascunho praticamente ininteligível, depois passo pro computador e o reconstruo, então caso alguém pegue meus cadernos não irá reconhecer nenhum poema neles. Porém, para escrever textos em prosa, eu vou direto ao computador, necessito da rapidez das teclas para acompanhar meu pensamento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sou uma pessoa muito observadora e adoro conversar com estranhos, sou aquele tipo que conversa em fila de banco, padaria, metrô e em cinco minutos já sei a vida inteira das pessoas. Tenho prazer na escuta, apesar de ser faladeira. Acho que vem daí as minhas ideias, não necessariamente de uma história que alguém me contou, mas das conexões que vão se formando, do sentimento que aquilo me proporcionou, de uma palavra com uma sonoridade que me agradou, foi assim com a palavra Insídia que dá nome ao meu livro publicado pela Editora Patuá, uma pessoa falou esta palavra e ela ficou um bom tempo comigo, até que veio um poema e dele um livro inteiro. Além disso, é claro que tem o básico para qualquer escritor, leio muito, vejo filmes e vou a diversos movimentos culturais da cidade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A minha formação acadêmica é em Farmácia, depois disso fiz mestrado e doutorado em Biologia Molecular, e percebia que gostava muito do momento de escrita de relatórios, da dissertação e da tese e realmente recebia mais elogios pela escrita do que pelo trabalho científico em si, porém estes muitos anos de vida científica limitaram a minha escrita a algo exato, extremamente criterioso, tudo era muito certinho, foi muito difícil o momento da soltura, de aceitar que eu podia ter uma escrita livre, mas ao mesmo tempo foi uma descoberta que ampliou o meu campo de visão do mundo. Talvez eu devesse voltar à minha infância e falar para a criança que fui: “viva, querida, faça bobagens, cometa erros, se jogue!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sou uma criatura caótica, então tudo vai acontecendo ao mesmo tempo, tenho vontade de escrever um romance, mas não me cobro por isso, tenho tempo, a escrita chegou aos trinta e poucos anos na minha vida, tudo é muito recente e estou muito satisfeita com tudo o que tenho feito, não tenho pressa. Tenho filhas e uma casa para sustentar e a literatura não me ajuda nisso, então vou me dividindo em trezentas para dar conta do recado, como a maioria das mulheres.