Karin Hueck é escritora e jornalista, autora de “O Lado Sombrio dos Contos de Fadas” e “Glück”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo bem cedo com o meu filho, então, antes da quarentena, a rotina matinal incluía fazer café da manhã, rechear a lancheira, arrumá-lo e levá-lo para a escolinha. Depois da pandemia, sem escola há meses, as manhãs ficaram mais lentas. Tomo café com ele e brincamos um pouco. Começo a trabalhar apenas quando meu companheiro assume as funções parentais ou ligamos a televisão. Escrever com uma criança pequena em casa se tornou quase impossível.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou uma pessoa matutina. Se pudesse, começaria a escrever às 7 da manhã, mas o filho impede. Então começo depois que ele vai para a escola, umas 10h. Minha energia vai baixando ao longo do dia, de modo que às 18-19h, considero que meu dia produtivo acabou. Raramente escrevo de noite. Costumo reler o que escrevi nos dias anteriores para “entrar no clima”. E costumo saber, pelo menos em traços gerais, o que vai acontecer nas próximas páginas antes que eu comece a colocar as ideias no papel. Essa parte – a de imaginar o que quero escrever – eu faço pós-expediente, andando na rua, limpando a casa, cozinhando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Antes do Covid-19, eu escrevia em períodos concentrados. Nunca consegui separar uma época da minha vida que fosse exclusivamente dedicada à escrita, sempre tive que dividir o tempo com empregos ou atividades remuneradas. Felizmente, há bastante tempo não bato cartão: não preciso passar 8 horas por dia dentro de um escritório, o que permite uma grande flexibilidade. Ou seja, de vez em quando separo uns dias e semanas para escrever, mas é quase impossível que sejam dias consecutivos.
Agora, no meio da pandemia, o jeito foi se adaptar. Estou escrevendo mais picado do que nunca, mas quase todos os dias. Aprendi que um paágrafo é melhor do que nada e também me forcei a entrar no texto mais rapidamente. Acho que isso é uma coisa que vou levar para quando (se) as coisas voltarem ao “normal”: as condições ideais – uma mesa só para mim, tempo para pensar com calma, silêncio, um teto todo meu – nem sempre vão existir, e o jeito é escrever apesar de tudo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A minha maior dificuldade é saber quando parar de pesquisar. Quando estou juntando notas ou lendo material para alguma coisa, facilmente me perco. Vou puxando um assunto do outro, e sempre acho que não sei o suficiente sobre o tema ainda. Acho que isso vem do fato de eu ser jornalista. Quando percebo que estou indo longe demais, eu paro e escrevo. A dificuldade é parar de pesquisar, porque eu adoro. Mas uma vez que viro a chave, começo a escrever sem grandes problemas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca me livrei de nenhuma dessas coisas. Tenho travas frequentes, mas, como eu disse, estou aprendendo a superá-las com mais facilidade. Também há sempre uma imensa diferença entre a maneira como imagino que o meu texto vai ficar e a maneira como ele realmente fica – às vezes para o mal, às vezes para o bem. Antes sofria com as expectativas que criava na minha cabeça, mas agora até gosto de ser surpreendida com o resultado final. Não sei se jamais vou sentir calma e serenidade ao longo do processo, uma tranquilidade de saber “É exatamente isso o que eu devo fazer”. Mas tudo bem também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu não sou uma escritora prolífica. Escrevo muito lentamente, são pouquíssimas páginas depois de um longo dia de trabalho. Sinto que já pensei muitas vezes em cada frase antes de botá-la no papel. Por isso, gasto muito mais tempo escrevendo do que revisando. Muitas vezes, a versão inicial dos meus textos é quase idêntica à final. Isso não quer dizer que não exista um imenso trabalho de edição, porque vou editando à medida que escrevo também. Acrescento ideias no meio do caminho, troco a estrutura do texto, adiciono capítulos no meio, mas as frases muitas vezes continuam lá do jeito que foram pro papel pela primeira vez. Mostro meu trabalho para o meu companheiro e amigos próximos que leem e conhecem literatura.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Há grandes temas e mensagens que são mais ou menos constantes na minha cabeça. São as histórias que quero e preciso contar, e elas sempre voltam de uma forma ou de outra quando eu escrevo. Acho que é a maneira como eu enxergo o mundo. Gosto de rir de mim mesma no texto, tirar sarro dos personagens mais poderosos, enxergo o mundo a partir do meu ponto de vista como mulher. Não são os enredos das minhas histórias, porém.
Além disso, tenho interesses muito variados: gosto de arte e design, leio muitas publicações científicas, amo cozinhar, sou obcecada por política, tenho um filho pequeno. Acho que a minha criatividade vem mais desses muitos elementos que vou absorvendo ao longo do dia, do que dos livros que estou lendo, por exemplo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria para escrever mais e com mais constância. Como eu disse, escrevo lentamente, então muitas vezes na vida me desanimei por ter passado tanto tempo numa história e ainda não ter o suficiente para um romance, por exemplo. Ou quando acho que tenho uma ideia incrível para um conto e ele fica curtinho – eu entendia isso como um demérito, um atestado de que não tenho o estofo necessário. Mas algumas páginas todos os dias acabam virando muita coisa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero escrever uma ficção-científica, por exemplo. A ideia está pronta, falta priorizar esse projeto. Não tenho como dizer quais livros gostaria de ler que não existem. Acho que os escritores leem sempre as mesmas coisas, as obras consagradas, aquelas consideradas indispensáveis, “imagina, você não leu o último livro daquele autor”? Tenho me interessado cada vez mais por livros escritos por mulheres ou por pessoas que vêm de realidades muito distantes da minha. Não é uma preocupação artificial ou um apenas um ato político em prol da “diversidade” de vozes – é interesse genuíno mesmo. São as coisas mais instigantes, criativas e inesperadas que tenho lido, é um jeito diferente de olhar para o mundo, que me deixa intrigada e cutuca meu cérebro. Sinto que me deixam mais criativa. Atualmente, não quero ler livros sobre guerras travadas por homens de ascendência europeia, por exemplo, já conheço esse universo.